sexta-feira, 9 de maio de 2008

Aparentemente inocente. Mas, "quase nada" é de graça


Existe "uma piada" que é veiculada há tempos pela internet, o título é: “Troca de Plantão”. Aparentemente é uma “historinha engraçada", e inofensiva, aliás suponho, que, muitos colegas, assim como eu, tenham dado boas risadas com a leitura, confesso que o humor utilizado é inteligente. Segue abaixo o texto:

Jesus Cristo resolveu voltar a Terra e decidiu vir vestido de médico!Procurou um lugar para descer e escolheu, no Brasil, um Posto de Saúde do SUS.Viu um médico trabalhando há muitas horas e morrendo de cansaço.Jesus entrou de jaleco branco, passando pela fila de pacientes no corredor, até chegar ao consultório médico.Os pacientes viram e falaram: - “Olha aí, vai trocar o plantão!”Jesus Cristo entrou na sala e falou para o colega que este poderia ir embora pois ele iria continuar o seu trabalho. E, todo resoluto, gritou: - “O PRÓXIMO!!!”Entrou no consultório, um homem paraplégico em sua cadeira de rodas.Jesus Cristo levantou-se, olhou para o aleijado e, com a palma da mão direita sobre sua cabeça, disse: - “LEVANTA-TE E ANDA!”O homem levantou-se, andou e saiu do consultório empurrando a própria cadeira de rodas.Quando chegou ao corredor, o próximo da fila perguntou:- “E aí, como é esse doutor novo?”Ele respondeu: - “Igualzinho aos outros… Nem examina a gente!”.

Na minha opinião, um dos grandes problemas que assola grande parte das pessoas de nossa sociedade, é o fato de reproduzirem “coisas”, jargões, ideologias, textos, e-mail’s, etc., e até estereótipos de celebridades, e o “mundo gospel” está cheinho delas. Muitas das vezes, sem malícia, repassam essas coisas, sem antes refletir sobre o que realmente estão passando adiante. Sabemos que a lógica das relações humanas atualmente, é a lógica de mercado: o lucro e o sucesso em tudo quanto "eu colocar as minha mãos" é o que se busca com afinco. É a mesma lógica das empresas que usufruem da comercialização, o que influi diretamente na sociedade. Com isso, infelizmente, a cada dia que se passa, as pessoas instrumentalizam cada vez mais sua necessidade da busca pelo outro.

O objetivo dessa postagem é alertar aos queridos(as) leitores(as) sobre a necessidade de estarmos mais atentos às coisas que referendamos com “aquele belo amém”. Quanto “a piada”.
Após a leitura, e não sem dar umas boas risadas, me peguei fazendo algumas perguntas a mim mesmo. Na verdade, após a primeira leitura, achei no mínimo estranho, o fato do texto citar o “Sistema Único de Saúde”, pareceu-me “brincar com coisa séria. Mas tudo bem, a princípio ficou registrada uma “certa abordagem política”, sem nenhuma reflexão mais elaborada, sem me deter muito em detalhes, fiquei confortável em permitir-me o riso. Mas o conforto não durou muito; depois de algum tempo (...)

Primeiro perguntei, quem contaria esse tipo de piada? E depois, qual é o intuito? O que ela significa? As repostas foram surgindo .... certamente quem contou essa piada não é alguém que tem “a dignidade”, de passar horas e mais horas em uma fila, para conseguir um atendimento, ainda que rápido, de um médico pago pelo Estado, nós sabemos bem às quantas andam “nosso sistema de saúde”. Não foi não, certamente que não, uma pessoa que tem que acordar às 4 (quatro) horas da manhã, ou que passa a noite acordada em uma fila para conseguir agendar uma consulta, e às vezes para “o mês que vem” – que nunca vem (porque o médico entrou de férias), não contaria essa piada. Porque não? Porque sabe o quanto é difícil essa vida (será vida mesmo!?), mas principalmente, porque essa piada tem um interesse ideológico muito forte “nas entrelinhas”. O interesse é o de ridicularizar aqueles(as) que falam mal do SUS, e/ou dos médicos do SUS. A crítica é exatamente aos que ficam na fila, na maioria das vezes “pessoas simples”, que dependem de uma consulta, às vezes com certa urgência, e que às vezes esperam e esperam: morrem na fila! como já tivemos a “im(o)portunidade” de ver.

Agora, sorrir já era ridículo para mim (...)

Quando absorvemos essa ideologia, de que “é ridículo criticar sempre”, nosso imaginário faz a leitura: “não posso criticar mais, essa coisa de reclamar sempre é ridícula”, e sendo assim estamos dizendo que está tudo bem mesmo, que nosso país vai “de vento em popa”, que tudo está melhorando. Que os médicos são maravilhosos, super atenciosos, e que estar na fila do SUS deve ser entendido como um momento único (igual ao sistema!), pelo qual devemos dar graças à Deus. Isso intimida. Quanto mais reproduzirmos esse discurso, mais eles vão ser beneficiados, porque menos crítica pode significar menos fiscalização, e menos fiscalização pode significar “uns dólares à mais na cueca”.

Mas e a Igreja? O que acontece quando ela reproduz esse tipo de ideologia? A do discurso politizado, elitista (...).

Rubem Alves certa vez escreveu: “A religião não é o ópio do povo, porque o Estado e o poder econômico não estão do lado dela protegendo-a como aliada. Porque se os pobres e oprimidos descobrem suas forças, colocam o céu no horizonte da terra, iniciam sua marcha – surgem os mártires” (ALVES, Rubem. O que é Religião?. São Paulo: Edições Loyola, 1999).

A Igreja hoje vive uma grande inércia, contando estórias em-si-mesmada, dentro de suas quatro paredes. São tantas as estórias, e a Igreja parece gostar de dar boas gargalhadas, ou pelo menos se entreter, nas sessões de exorcismo agora ao vivo pela TV, mas também com os escândalos das tantas cuecas milionárias, ou era do dinheiro na cueca (sinceramente nem sei!), virou moda os shows da fé - em casa ou na igreja.

São histórias como essas que nos fazem parar para sorrir da desgraça do mundo. Dizem por aí que brasileiro aprendeu a contar piadas de suas mazelas, por conta da colonização imposta de forma dura. É o mesmo que dizer que: sofremos mas não perdemos a piada. Isso é constrangedor para as Igrejas em geral, a todas que professam o Cristo histórico. Cadê os profetas? Não, não, ... não falo dos “adivinhadores” que falam sobre o futuro, mas daqueles narrados na Bíblia, homens e mulheres que denunciavam a corrupção no templo, na sociedade (...).

O Jesus da piada, é um legitimador de estagnação, inibidor de crítica e fomentador de dinheiro, lucro e sucesso. Mas o Jesus da história, aquele abordado pelos evangelistas Mateus, Marcos e Lucas, não tramava com elites, muito menos com corruptos, por conveniências políticas Ele foi assassinado. Reflita bem antes de reproduzir e passar adiante estórias, que na verdade guiam ao silêncio sepulcral da alma sem sentido para viver, ao vazio.