segunda-feira, 2 de junho de 2008

I(i)greja como que às cegas

Somos cruéis: longe dos olhos, longe do coração

O culto começou alegre, como sempre, um convite para Deus se achegar e tomar o lugar que a Ele é devido. Jesus veio acompanhando cada um, cada uma. A criançada chegou também, junto com uma ½ dúzia da comunidade, atrasados com sempre. Na medida em que o “Espírito tocava”, as crianças eram as crianças, e cada vez mais crianças, bem diferente da Igreja, que é sempre Igreja, e cada vez mais Igreja.

Todos estavam buscando “mais do Espírito” naquele lugar, mas engraçado ninguém olhava para uma daquelas crianças; também pudera, que tolice a minha pensar nisso, buscamos mesmo é o “bom perfume de Cristo, e elas estavam sujas demais, com mal cheiro ... e na realidade elas mais atrapalham o culto do que tudo, não poderiam ter nada a ver com Deus e Jesus, menos ainda com o Espírito, “esse só age quando estamos com tudo em ordem”, dizia a irmãzinha.

Os cânticos seguiam maravilhosos, o grupo tocava e cantava muito bem, estáva-mos todos comovidos com as divisões de vozes, e cantáva-mos juntos, claro, ninguém poderia parar para estender uma das mãos à uma qualquer que fosse daquelas. Porém uma mais atrevida, angustiada, puxou a blusa da tia e perguntou ... tem café hoje tia? Estou com muita fome! Pobre coitada da tia, teve que interromper seu momento “especial com Deus”, para dar café para uma criança com fome, uma criança que não sossega um minuto sequer, [é mole?]. Interessante, vi aquela tia derramar algumas lágrimas depois de tudo, será que ela foi tocada de uma forma diferente, por algo diferente? Fico me perguntando se não era só raiva de ter que parar seu momento quando sentia tanto Deus falando com ela, tinha que ser logo naquela hora?

E a criançada inquieta esperando a hora de terminar o culto, a hora do café. Uma respeitosa senhora muito respeitada também, saiu do seu aconchego, interrompeu seu momento de devoção à Deus para ir explicar às crianças que elas só atrapalhavam o culto. Depois de não ser atendida, não sei porque, mas lógico, as crianças deveriam ter respeitado ela; ela pegou as duas pelo braço e levou para longe do templo, do local onde o culto estava acontecendo, de onde o Espírito estava agindo. Eu acompanhei, não poderia perder o ensinamento, tinha certeza do muito que aquela senhora atinha a me ensinar ... mas eu me decepcionei, ela as largou em um local afastado, deitadas no chão; não sem lhes e dizer: “vocês façam as suas bagunças à vontade aqui, lá não pode” - Virou as costas e se foi.

Eu pensei: “que coisa - Longe dos olhos, desde que não me atrapalhe os ouvidos, nem me traga mau cheiro ao nariz, o coração estará impermeabilizado contra essas crianças. Longe dos olhos, longe do coração, a final de contas, que compromisso tenho eu com elas, não é verdade?

Fico observando o quanto somos hipócritas. A instituição é eficiente para fazer documentos e modificá-los, buscar o espírito, opa, vamos pro monte e fazer vigílias, mas a grande verdade é que não queremos trabalhar com pessoas – seres humanos. Menos ainda com aqueles/as que pensam diferente de nós, ou que não têm o privilégio de tomar um banho todos os dias, ou que têm uma refeição por dia, e olhe lá. Para essas, raras às vezes levamos “um sopão”, ou entregamos um folheto, e sempre avisamos que Deus pode libertá-las do diabo que as faz passar fome, e viver tão sujas. Depois disso, lavamos as nossas mãos, com a sensação de “ufa” - serviço cumprido.

Até quando vamos brincar de ser Igreja de Cristo? Nossa lógica está invertida, Igreja deveria ser lugar de “doentes”, esses precisam de médicos, os são não precisam. Mas nós preservamos os sãos “protegidos” dentro da Igreja, deles agora é o reino sabe-se lá de quem, o de Deus certamente que não. Quando um doente chega na comunidade, ou um deles que estava já participando dos trabalhos na Igreja, porque a casca da ferida estava escondendo o machucado [assim ninguém sentia nojo dele], “cai” [na gíria dos doutores da lei], esse deve ser disciplinado por um “mais-são-que-ele” que está sempre lá no banco “rezando literalmente na cartilha”.

Acho que precisamos refletir melhor sobre isso. Porque precisamos ser “sal da terra e luz do mundo”. Não devemos ter o sentimento de afastar as pessoas de nós, pelo fato de assim, mentirmos para nós mesmos que tais pessoas, ou tais realidades não existem; mas a proposta de Jesus para nós, é que assumamos o nosso papel enquanto um “comunidade cristã” para fazermos a diferença. Mais perto os olhos, mais perto do coração, e fazer cada vez mais a diferença aos que precisam que ela seja feita. Essa deve ser a lógica, e não o contrário.