quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Tento, mas sem inspiração não posso ...

Tenho tentado falar de mim mesmo, tenho tentado escrever sobre o que eu sei, sobre coisas que pensei, sobre palavras que aprendi, sobre poemas que eu recitei. Tento, mas tenho andado sem inspiração, o pudor da crítica me escapu pelo meio dos dedos, me amarrei de novo ao encanto da sensação histérico-emotiva, não paro de divagar - encantado na busca frenética pelo etéreo. Não sei se isso é bom, se isso é ruim, apenas vivo cada minuto apertado dos meu dias, esperando que de novo, e mais uma vez, me sinta revestido da estola ortodoxa da teologia sistemática, e pelo espírito crítico das letras que sufocam toda e qualquer espontaneidade, para então, e só então, parar para pensar nos planos e projetos para o ano de 2009.

Até lá .... estarei orando do meu quarto escuro de dentro de mim mesmo. Quarto que já recebeu luz, mas que insiste às penunmbras na busca de cômodos que permitam esconder tantas duras realidades, tantas duras verdades. Tanta realidade me traz ânsia ao estômago, principalmente quando olho para as pessoas irmãs, irmãs pessoas, ou mesmo para mim, e me faço estarrecido com o futuro pensado e absolutizado pela nação que se diz santa. Fico pensando nas tantas surpresas daquele dia.

Reconhecendo os tempos, épocas e ciclos.

“Levanta-te, querida minha, porque eis que passou o Inverno, cessou a chuva, aparecem as flores na terra, Chegou o tempo de cantarem as aves (Cantares, 2.10-12)

Não adianta! A vida é cíclica, e os tempos e fases se sucedem implacavelmente. Alguns ciclos, como os astronômicos, podem ser previstos com exatidão e por isso, sem falhar, ano após ano a natureza concebe os seus períodos, calma e mansamente, passando da explosão de cores e cheiros da primavera ao aquietar-se dos campos e florestas no inverno.

As fases da vida também têm o seu tempo de começar e terminar, e ao contrário do que passa pelo imaginário popular, seu término nem sempre coincide com o último dia do ano e nem experimentam um recomeçar no ano novo.

Temos dificuldades em reconhecer os tempos, em dar por encerrada uma fase para iniciar outro momento na vida. Sabedoria é saber discernir as épocas e passar por elas sem desesperar da esperança.

Dar um período por encerrado é salutar, benfazejo e liberta a alma para iniciar algo novo. Não saber encerrar é como o pintor que retoca indefinidamente uma obra ruim imaginando que pode melhorá-la. É preciso fechar a “gestalt”, ou seja, dar um basta àquilo que está aberto e incomodando.... e despedir-se. Se Abraão ficasse olhando nostalgicamente a cidade natal que o Eterno ordenara deixar, nunca teria chegado à terra da promessa. Não há mapas, não há certezas, só caminhos.

Por mais triste e doloroso que tenha sido um período, é sempre rejuvenescedor encarar uma nova fase. Deus é o Abençoador dos que têm a coragem de deixar “Lázaro” morrer. Não adianta mantê-lo moribundo ligado por aparelhos. Jesus não prolongou sua agonia, mas “atrasou-se”, permitindo que ele expirasse. Só aquilo que morre pode ser ressuscitado.

Por natureza temos medo de encerrar as coisas – até mesmo as ruins: um curso mal escolhido, um namoro arrastado e conflituoso, um emprego asfixiante, uma igreja que neurotiza seus membros....

Parece que estamos adentrando um tempo de grande aflição: as utopias humanas sucumbiram, o comunismo falhou como proposta exeqüível, e o capitalismo mostra sua verdadeira face. Não há mais certezas, tudo que era sólido está se desmanchando no ar.... e o homem sem Deus não tem mais onde se apoiar. Tudo está mal? Nem tudo – tempos de decepções pode ser uma rica oportunidade de rever conceitos.

Deus pôs a eternidade no coração do homem (Ec 3.11), mas este preferiu se perder no efêmero e transitório. Ao cristão é dada a capacidade de discernir entre o valor daquilo que é temporal e aquilo que é eterno. Sofremos quando confundimos as coisas.

Por toda a bíblia é falado do tempo da angústia, tempo da calamidade, tempo de aflição. A bíblia fala do choro que pode durar uma noite... Quando o povo hebreu foi para o cativeiro na Babilônia uma grande tristeza se abateu sobre ele, as harpas foram penduradas nos salgueiros e seus lábios emudeceram para as canções. Porém o propósito divino era para que este período não fosse infrutífero, depressivo ou estéril para o seu povo, ao contrário:

“Edifiquem casas e habitem nelas, plantem pomares e comam de seu fruto, tomem esposas, gerem filhos, casem suas filhas.... Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta anos, atentarei para vós...” (Jr 29.10).

Ora, Deus ouviu as preces de seu povo, viu sua aflição, mas haveria um ciclo a ser cumprido, um propósito a ser realizado naquela terra. Na verdade, este é o drama de todos nós. O salmista não poucas vezes clama: “Apressa-te Senhor”, ou “Até quando, Senhor?”. Entretanto Deus fala de um “tempo aceitável” para nos atender. Endosso as palavras do poeta: há um tempo que a dor é inevitável, mas às vezes o nosso sofrimento é opcional.

Há tempo de falar, clamar e consolar, e há tempo de fazer silêncio. Seria de grande proveito se os tagarelas da fé, que vociferam inclementes nas rádios e TVs fórmulas e soluções para tudo, se calassem como os amigos de Jó que sentaram solidariamente a seu lado e nada falaram por sete dias, respeitando sua dor. Lembro-me, quando criança, ao passar um funeral, as portas baixavam, as pessoas interrompiam suas atividades e solenemente juntavam-se à dor dos que choravam. O verdadeiro irmão não é aquele que festeja ao nosso lado, mas que compreende nosso momento e permanece junto, travando um diálogo silencioso conosco.

Acho que compreendo Pessoa quando ele diz que “o valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.


Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br