quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

NEM TUDO O QUE É MAL É MAL

“Foi-me bom ter eu passado pela aflição” (Salmo 119.71).

Davi foi o primeiro a dizer: “foi-me bom ter eu passado pela aflição”. Depois Tiago: “tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações”. Só mesmo no absurdo da fé alguém poderia dizer que é bem passar por algo que, aos nossos olhos, é mal. Os valores no Evangelho quase sempre vão em direção diametralmente oposta ao senso comum das pessoas. Senão vejamos:

O sujeito encontra um campo, vai e vende tudo o que tem e compra aquele terreno achando que fez o melhor negócio do mundo (Mt 13.44). A viúva deposita duas pequenas moedas no gazofilácio e Jesus diz que ela ofertou mais que todos os ricaços (Mc 12.43). Pescadores rudes e iletrados são chamados de sábios e os que se debruçaram anos nos estudos da religião são chamados de ignorantes.

As melhores definições de riqueza, lucro, poder ou felicidade que nos são ensinadas desde crianças “não batem” com o Evangelho. Os ensinamentos do Reino também não se alinham com a visão normal que temos de perda, prejuízo ou derrota, pois constantemente essas coisas são chamadas de “momentânea tribulação” que nos dignificam ao invés de nos destruir.

Muitas maravilhas e obras foram produzidas não como resultado do que sobeja, mas do que falta. Em Cristo, deficiência não é impedimento e limitação não é desculpa. Fanny Crosby, cega desde a infância por conta de um erro médico faleceu aos 94 anos como a maior autora de hinos sacros de toda a história. Sua vida foi tão impressionante quanto a qualidade e quantidade de seus quase nove mil hinos e poemas compostos. Pouco antes de sua morte ela escreveu...

“Creio que a maior bênção que o Criador me proporcionou foi quando permitiu que a minha visão externa fosse fechada. Consagrou-me para a obra para a qual me fez. Nunca conheci o que é enxergar, e por isso não posso compreender a minha perda. Mas tive sonhos maravilhosos. Tenho visto os mais lindos olhos, os mais belos rostos e as paisagens mais singulares. A perda da minha visão não foi perda nenhuma para mim”.

Até a natureza nos ensina: a mais preciosa pérola só pode ser produzida pela ostra se houver nela uma incessante irritação provocada por um grão de areia. Ela se defende do incômodo produzindo uma secreção – o nácar – que recobre o corpo estranho para anular aquele mal. Então se compreende porque ostra feliz não produz pérola.

Os produtores dos melhores vinhos do mundo sabem que, de um modo geral, a videira não gosta de solo fértil. Ela precisa “sofrer” para produzir fruto de qualidade. Outonos secos e verões quentes vão também contribuir para a maturação das uvas. A região de Borgonha, na França, apresenta todas as condições ideais para produzir os melhores vinhos do mundo. E o que essa região tem de especial? Justamente os preceitos “negativos” que vão estimular o fruto a fazer um esforço extra que vai resultar num vinho de qualidade inigualável.

No rigor do inverno, a neve acumulada sobre os galhos fortes das grandes árvores irremediavelmente os quebram. Mas são justamente os pequenos arbustos que sobrevivem, pois seus galhos frágeis se curvam sob o peso da neve. Quem endurece quebra, quem verga passa incólume. Faz-me lembrar a advertência: aquele que, diante de Deus, endurece sua cerviz será quebrantado de repente sem que haja cura (Pv 29.1).

O povo hebreu ficou no deserto muito mais tempo do que a distância realmente requeria. Mas havia muito a aprender com o desconforto, com a falta de provisão, com o clima ruim, com o viver em comunidade. Se desde o nosso nascimento não houvesse um só problema ou contrariedade, e no decorrer do crescimento tudo o que se desejasse fosse alcançado, não chegaríamos jamais à maturidade, mas seríamos seres afetados, presunçosos, egocêntricos e permaneceríamos num infantilismo crônico por toda a vida.

Nem tudo que nos acontece de mal é de fato mal. Depois de passar por um longo período de necessidades, isolamento ou incompreensão, você certamente eliminará de sua lista uma série de amigos que lhe viraram as costas, mas terá descoberto pessoas maravilhosas pelas quais você agradecerá a Deus por tê-las conhecido. Depois de passar pelo vale da sombra da morte, por uma doença ou acidente quase fatal, você nunca mais será o mesmo: seus valores mudarão, e não terá mais paciência com picuinhas ou perderá tempo com futilidades.
No Reino de Deus se o grão de trigo não cai e morre, não frutifica. Se cair, produz.

Antes de reclamar com Deus porque perdeu, porque sofreu ou adoeceu, veja o que Ele lhe propõe, mesmo sem tirar o infortúnio. Talvez nasça em você algo que nunca perceberia se não tivesse perdido. Espere para ver, mas não chore além do que deve. Afinal, nem tudo que a princípio parece ser mal, de fato é.

Certamente não é motivo de comemoração a perda de um emprego, a descoberta de uma doença, ou um prejuízo inesperado. Porém, é certo que as vicissitudes da vida virão quer gostemos ou não. Mas ao viver na fé saiba que nada, absolutamente nada, pode nos separar do amor de Cristo – nem mesmo as coisas ruins.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br