terça-feira, 25 de outubro de 2011

O cristão e a música secular: breve aprofundamento para estudo


Dentre muitos pontos de vista,
(1) Um ponto de vista pastoral (...)

Petrópolis, 22 de outubro de 2011

Considerações iniciais: fundamentais

Não podemos “usar” a Bíblia “aleatoriamente”, conforme nossos ânimos; simplesmente para comprovarmos “teorias”, ou dar mais legitimidade ao nosso discurso. Enquanto Palavra Inspirada por Deus, a Bíblia precisa falar a nós antes de tudo; se antecipar inclusive aos nossos “achismos”. Devemos cuidar do nosso ímpeto de coisificá-la e instrumentalizá-la, uma vez que não podemos fazê-la refém dos nossos maus hábitos.

Quando nos aproximamos da “Palavra de Deus”, precisamos permitir que o texto inspirado, por si só, nos oriente quanto aos dias de hoje; e nos oriente sobre qual é a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (leia Rm 12.2). Que o texto exige interpretação da nossa parte: isso é fato. Buscamos um sentido hermenêutico, no texto e para o texto, de acordo com nossa realidade e conseqüentemente nossas experiências e expectativas quanto ao que está por vir da parte de Deus. Nossa “bagagem” nos aproxima do texto bíblico e o texto bíblico à nós; no entanto, não podemos perder de vista, que embora instados à interpretar, cada texto tem um contexto; uma intenção clara e objetiva.

Nesse sentido, discussões que estão fora de um determinado texto, ou textos que estão fora de determinadas discussões, quando “ligados” (associados) forçosamente por nós a fim de “verdadeirizarmos” nossas experiências pessoais, pura e simplesmente, só geram mais dúvidas. Nunca se poderá concluir objetivamente nada, uma vez que a interpretação vai variar de acordo com a experiência de cada indivíduo – fica, portanto, subjetivada. É aqui que vence quem tem mais argumentos, ou maior poder de persuasão; quem já leu mais livros, quem tem mais experiência e facilidade de falar em público; etc!

Mas e a essencialidade bíblica? Ficou perdia em meio à discussão, embaraçada no labirinto de argumentações pessoais das partes que se digladiam em busca de firmar sua posição pessoal.

Um breve parêntese: é “disso”, um tipo comportamental, que surge os atuais cultos ao personalismo; das celebridades que disputam com Deus um lugar no palco, no trono ... tiramos o texto do seu contexto para impormos nossa pessoalidade como verdade absoluta e universal, nasce o pretexto.
Primeiro. A discussão sobre “o cristão e a música secular” requer muito cuidado, exatamente para não cairmos no referido erro; não podemos “torturar o texto bíblico” e fazê-lo assumir aquilo que ele não diz.

Sobre uma fé que nasce sob as bases do individualismo e subjetivismo

Muitos/as chegam a perder a coerência cristã na vida prática; uma vez que a ênfase no indivíduo e conseqüentemente uma interpretação subjetiva e particularizada das escrituras, deixa-nos vulneráveis à distorções;  verdadeiros desvios, quanto à experiência do Evangelho de Jesus Cristo. Soma-se à isso, uma fé pouco dinâmica e “eu-centrada”, e o ânimo dobre passa a ser uma epidemia moderna  (leiam Tg 4.8). Comportamento, que na composição psíquica do indivíduo, pode vir a ser, no mínimo, favorecedor de “bipolaridade”, ou “esquizofrenia”.

Vejam como é cada vez mais comum, que sob um mesmo assunto ou tema, a pessoa, a cada minuto tenha um posicionamento diferenciado; não porque amadureceu e/ou evoluiu em idéias, mas porque não consegue estabelecer com coerência um diálogo saudável e objetivo acerca de algo. Muitos não se dão ao trabalho: pensar! A celebridade, o referencial de sucesso, dita, e a platéia aplaude separando o dinheiro para simplesmente aderir à tendência.

Para muitos, longe de mim generalizar, da dita idade moderna, essa esquizofrenia cultural, sócio-econômica, política, religiosa e espiritual, já é uma realidade. São desnutridas com relação à Verdade que alimenta e sacia a sede por vida plena (Cf.: Jo 10.10 e Ap 21.6); desprovidas de um mínimo de espasmo que as faça querer ser  profundas e competentes.

Nossa sociedade parece fabricar pessoas superficiais, que não adquirem terreno sólido para edificar nada; e notem que os maiores princípios e valores de sobrevivência, aqueles fundamentais, foram relativizados. Sujeitos com condições limitadas de discernir o que lhes é bom, ruim, desejado, necessidade, essencial, básico, trivial; etc. (Cf.: Pv 1.32 e Jn 4.11/ Vale a pena estudar também o contexto de Lc 12.56).
É por isso que cada “suplemento” bíblico deve ser “ingerido” a seu tempo, e no seu contexto – só assim proverá nutrição ao corpo: físico e espiritual.

Outra questão importante
O cuidado para não reduzirmos o tema a quaisquer dualismos possível

O uso constante de “dualismos na vida cristã, “ou-isso-ou-aquilo”, pode ser prejudicial e inibidor de reflexão. Dualismos praticamente nos privam de experimentar os frutos advindos de uma discussão mais ampla com relação a determinado tema; fica cada vez mais complexo estabelecer diálogo sem os devidos aprofundamentos. Se por um lado facilita na tomada de decisão, uma vez que são duas as opções disponíveis, ao mesmo tempo dificulta a reflexão com relação à uma escolha, já que as possibilidades são limitadas em 2 (dois): sim ou não.

Os textos bíblicos registrados em Mateus 5.37, e Tiago 5.12, muitas vezes utilizados fora dos respectivos contextos, acabam atropelando os processos que são importantes na nossa vida: maturação e desenvolvimento; processos de Deus. E acabamos prosseguindo, incompletos, sofrendo os “bloqueios” de um “sim” ou de um “não” que vieram à nós e/ou através de nós fora de tempo; como que um pacote lacrado.

Certos dualismos aparecem sim na Bíblia, embora em temas, muitas vezes, isolados. Isso é possível! Mais cedo ou mais tarde, teremos que escolher entre “um” e/ou “outro”. No entanto, a própria Bíblia nos permite a ampliação de possibilidades, e nos incentiva a refletir: favorece o nosso poder de escolha na tomada de decisão, e aumenta nossas possibilidades de acerto (alguns exemplos, dentre vários: Pv 19.2; Lc 14.25-32).
Nesse sentido (...)

A pergunta: “é pecado: sim ou não?”, é um dualismo. Pode nos fazer incorrer, por exemplo, no erro de Pedro e dos Apóstolos (leiam Atos 10.9 - 11.18). Muitas vezes acreditamos estar na direção de Deus, mas aí Ele se manifesta e nos constrange à refletir sobre nossas atitudes  e à mudar pelo menos nosso trajeto – essa é a questão: assim percebemos quando abençoamos o que Ele amaldiçoa e o risco de amaldiçoarmos o que Ele abençoa (leiam Is 55.8-9).

Deus nos dotou com a capacidade de estabelecer diálogo e com notável potencial para reflexão; no entanto a pergunta [é pecado: sim ou não?] não nos deixa outra escolha, se não, responder “sim” ou “não”. Em questão de segundos tudo estará pronto nos limites da afirmação aprovativa, sim; ou reprovativa, não. No entanto, nem tudo se resume à isso; e enquanto isso, muitas perguntas vão ficando sem as devidas respostas; concorda?

Complexo, não é verdade? Lembrem-se dos/as que perdem anos de suas vidas acreditando fazer o bem e/ou o certo; derrepente são confrontados e convidados à uma mudança radical, a se converter ao Verdadeiro Caminho (Jo 14.6 e Gl 1.9). Pessoas que percebem, que mesmo felizes e galgando sucesso, não estavam na rota de Deus; no trajeto que nos conduz ao centro da vontade do nosso Pai Celeste.
Lembram-se de Saulo quando perseguia os cristãos acreditando fazer a vontade de Deus? Conforme narrativa de Atos 9 (nove), após uma experiência profunda e verdadeira com Deus no caminho [o Saulo perseguidor precisou ir ao chão para que um novo homem, missionário, fosse levantado], ele é chamado à assumir outra postura; caso quisesse de fato fazer a vontade de Deus. 

Mas então, como discutir temas essenciais como esses sem incorrermos nos dois erros comuns aos cristãos? Ambos gravíssimos, primeiro: o de nos “abrir, enquanto Igreja, ao secularismo e aderirmos ao mundanismo desenfreado perdendo o poder de fazer a diferença (leiam Ez 22.26 e Ml 3.18; Mt 5.13)”; segundo, o contrário, nos “fecharmos nos nossos guetos e tribos, sem um mínimo de coerência cristã nos relacionamentos interpessoais em termos de postura frente a elementos profundos e da vida secular”.

Fico mexido com a afirmativa de Paulo, e na minha concepção ela tem valor inestimável frente à questões impostas aos cristãos na dita “idade pós-moderna”; observem :

Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam. Ninguém busque o seu próprio interesse, e sim o de outrem (1Co 10.23-24).

Vejam que fantástica a estratégia de Paulo, um grande plantador e consolidador de Igrejas. Nesse sentido bíblico, a pergunta coerente, seria: ouvir música secular convêm e/ou edifica? É aqui que a discussão se expande de maneira saudável, longe da mordaça do “sim” e/ou do “não”.

O cristão e a música secular: é uma questão de conveniência e de edificação, e não de pecado

Trabalhar no âmbito do que convém e do que edifica é trabalhar diretamente a comunhão entre partes diferentes; é onde o plural se manifesta. Ao passo que discutir sobre o que é pecado ou não o é, nos transporta naturalmente à realidade onde as discussões ficam restritas à foros íntimos – de manifestação singular, e portanto em muitos casos unilateral. Entra agora a responsabilidade humana diante das outras pessoas; isso é o Evangelho de Boas Novas deixado por Jesus (Leiam 1Co 10.23-33).

O discurso paulino muda o eixo da discussão; faz-nos repensar nossa caminhada enquanto pessoas chamadas à fazer a diferença; convida-nos a mudar o nosso foco, a fazer de Cristo nossa aspiração (Fp 3.12-14).

Percebam que ele ataca algumas bases do secularismo atual que intentam contra a Igreja de Cristo: o egocentrismo (subjetivismo); o que desmascara o culto à personalidade; e a redução de temas importantes à dualismos frágeis. A resposta não é mais “sim” ou “não”, antes: convém? edifica? E o critério para minha tomada de decisão não sou “eu mesmo”; não é o que eu penso e/ou desejo, e muito menos o que eu 
classifico como “bom”; o critério agora é “o outro” (o diferente de mim).

O outro é o parâmetro para minha resposta e postura frente à vida.

Leiamos os seguintes textos bíblicos: 1Co 10.15; Tt 2.6; 1Pe 4.7; Gl 5.25 e Filipenses 1.22; Tg 4.4; 1Co 6.19; Gl 2.20 e Fil 1.21; Rm 11.36; Mt 12.33; Tg 3.12; (monte um grupo de estudo e discussão onde todos/as leiam esses textos propostos; cada um/a ode sinalizar o que entendeu que o texto ajuda na reflexão sobre o tema: o cristão e a música secular). 

Aprofundamentos: Sobre a relação entre cristão e música secular

Não estamos discutindo o perigo de sofrer “influências mundanistas”; seria mais uma vez minimizador de reflexão. Concordo que coisas desprovidas da graça de Deus podem ser encontradas também dentro da Igreja (não vou aprofundar essa discussão aqui pois fugiríamos do tema e o espaço não é suficiente); e que coisas de valor podem ser achadas também fora dela! Mas a questão não é essa; a discussão é: com quais valores quero me comprometer? E sob quais alicerces, enquanto empreendedor do Reino, me lanço à edificação de casas e lares? (leiam Mt 7.24-27).

Alicerces originais e profundos, ou os plágios e aqueles superficiais? Onde busco meus referenciais para experimentar a vida abundante? De qual fonte me aproximo para saciar minha sede? Valores sedimentados no Reino de Deus; ou valores infinitamente variados, muitos subversivos nascidos em berço de revoltas, os relativizados que na essência nada têm à ver com determinada lógica e sequência de Deus para minha vida?
O alicerce de uma casa determina a altura à que posso levar a estrutura! Se quero Deus, preciso buscar as coisas que trazem em si valores eternos, não é isso o que a Bíblia nos sinaliza como parâmetro? (Cf.: Mt 6.21 e 2Co 4.18).

Olhar diretamente para a fonte ou buscar em meio à enxurrada de porcarias algo que me pareça ter valor?

Certamente preciso ir à fonte! (leiam Tg 3.12).

Nossa fonte é Jesus, sempre. A base da nossa inspiração ... Não nos esqueçamos que o nosso Deus é Senhor de coisas originais.

Muitos dizem ter critérios bem claros para selecionar a música secular que vão ouvir! Aquelas que falam de amor; de carinho; de belos valores. Outros dizem que ouvem porque o grupo de convivência e identificação o faz; mesmo sendo um escândalo para sua família ou irmãos/ãs do contexto religioso, continua a praticar para não se sentir “um peixe fora do aquário”. Não podemos perder de vista, que tudo isso pode ser um plágio barato do original do Deus criador. Um discurso frágil e enganoso, bem elaborado, acrescido de elementos atraentes, mas que muitas vezes não passam de iscas no anzol!

Responda você mesmo/a: Quantas vezes entramos em desavença com nossos pais, pastores, amigos/as, namorados/as, por temermos fazer a diferença no nosso espaço de convivência? E escandalizamos aqueles/as que buscam em nós um referencial para suas vidas vazias. A verdade é que precisamos nos comprometer com os valores do Evangelho de Jesus Cristo; à ponto de Cristo aparecer em cada um de nossos atos (Cf.: Gl 2.20; leiam 2Co 3.2).

[Meditem em 2Co 10]

Concordo, que os parâmetros humanos são insuficientes para classificarmos o que é bom ou ruim! Mas Deus em Jesus, o Cristo, nos orientou muito bem sobre quais devem ser nossos parâmetros e crivos; alguns deles, dentre muitos, Paulo deixa relatado em Fp 4.8 e Gl 5.16-26 (leiam).

Não podemos perder de vista que o ser humano é essencialmente dotado de atributos espirituais, e que traz em sua composição o DNA de Deus [somos criação d’Ele]; é portanto um ser religioso. Nesse caso, a busca espiritual, o louvor e a adoração, a oração, a contemplação, a caridade, dentre outros; são elementos inerentes à nossa natureza, e isso independente da nossa escolha denominacional. Ao abandonarmos ou ignorarmos essa realidade, e quando começamos à negociar esses valores, entramos numa crise existencial profunda; especialmente porque passamos a não discernir, na luta entre carne e espírito, o que é inerente a um e outro (Cf.: Gl 5.16-26): é onde “as naturezas” se misturam e se confundem, e de fato, nutrir fé, esperança e amor [pilares da nossa existência] perde todo sentido (1Co 13.13). A vida perde o sentido.  
Entramos em crise e depressão [o mal do século], principalmente quando deixamos de ser referencial de vida para nós mesmos e para o próximo; mas quando perdemos do cerne da existência humana, a vontade de nutrir os pilares da existência, a vida não só fica restringida à um corpo mortal [temporal e limitado], mas se encurta num amedrontador labirinto do eu mesmo.

Uma questão de lógica: simples, mas longe de ser simplista (...)

Se eu deixo de ouvir tais músicas como atitude, alguns podem não entender; mas tendem, ou pelo menos devem, respeitar minha decisão; aliás é uma opção clara de abster-me em favor de outros/as![não quero ser fator de escândalo e muito menos pedra de tropeço para ninguém (Mt 18.7 e 2Co 6.3)]. No entanto, se eu ouço, posso sim escandalizar àqueles/as que fazem a opção de não ouvir; independente de seus motivos.
Há certas coisas, que é mais saudável e coerente de minha parte que eu me abstenha! Não só julgando se quero ou não quero, mas sim se será bom para os/as que estão ao meu redor. Outra grande característica da essência humana, em termos de potencial à que fomos dotados quando na criação, é a necessidade de busca de coletividade para interação e conseqüente desenvolvimento. No entanto, esses laços e relacionamentos, precisam ser preservados de maneira tal que “o corpo” cresça e se desenvolva de maneira saudável.

Algumas situações fazem dessa relação interpessoal um desafio; uma convivência pouco saudável: o álcool, o tabaco; a fofoca, a mentira; o palavrão, o “consumismo”, a apropriação desordenada; dentre outros (...). É possível que sejam coisas que nunca vão matar; mas e quanto aos outros, uma vez que temos a rodearnos tão grande nuvem de testemunhas? (Leiam Hb 12.1). Pessoas às quais precisamos testemunhar o amor de Cristo (Cf.: At 1.8)? Qual tem sido nossa atitude para com o próximo? De compromisso? De zelo ou desmazelo?

A música secular é um desses elementos que pode intensificar muito mais os níveis de limitação num relacionamento, descartando toda, ou parcelas, da potencialidade de interação.

A conclusão foi-se deixando evidenciar na própria dinâmica de desenvolvimento do texto; no entanto, os próximos pequenos parágrafos, podem ser visto como a síntese do exposto até então

Essa discussão é profundamente complexa, e o tema um desafio, mas não podemos deixar de trabalhá-lo. Não deve ser discutido restritamente sob parâmetros morais e/ou éticos, e muito menos em termos de “pecado”. A questão sobre “o cristão e a música secular” precisa ser discutida sob o crivo do Evangelho; no sentido do que eu faço com a minha vida, e como eu interajo, uma vez que as pessoas estão olhando para mim em busca de um referencial de ânimo [do latim animu = alma, espírito, mente].
Nesse sentido, as perguntas: Convém?  Edifica? São fundamentais, pois preciso cuidar para que minha vocação e interação não venha a ser motivo de escândalo e pedra de tropeço à ninguém (Mt 16.23 e 1Pe 2.8).

Precisamos permanecer ligados à videira, frutificando (leiam Jo 15).

Pr. Antônio Luiz de Freitas Junior
Pastor responsável pela Congregação da Igreja Metodista no Alto Independência
Igreja Metodista Central em Petrópolis/RJ