quarta-feira, 27 de agosto de 2008

OS DOMINGOS PRECISAM DE FERIADOS (Rabino Nilton Bonder)


Toda sexta-feira à noite começa o Shabat para a tradição judaica.Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação.

Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo.

A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.

Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de "pausa" é preenchido por diversão e alienação.Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações para não nos ocuparmos. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições.

Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo...

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.
Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente.

As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado...
Nossos namorados querem "ficar", trocando o "ser" pelo "estar".

Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI - um dia seremos nossos?
Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.

Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos...
Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida.

A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é: o que vamos fazer hoje? Já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo.
Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande "radical livre" que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.
Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.
Autor: Rabino Nilton Bonder.
Fonte: <http://www.velhosamigos.com.br/Colaboradores/Damaris/damaris8.html,>, acesso dia 27 de agosto de 2008.

INCOMPLETO, FINITO, LIMITADO, MAS FELIZ

“O Senhor te porá por cabeça e não por cauda...” (Dt 28.13), “você nasceu para ser vencedor....”, “você dominará sobre outros....”, são frases cuidadosamente pinçadas da bíblia pelos pregadores da felicidade para apresentar uma forma de vida vitoriosa e sem percalços aos seus ouvintes. A razão disso? Em nosso meio de fé há uma grande dificuldade em lidar com qualquer coisa que se assemelhe a decepção, tragédia, dor, tristeza, ou separação. Então, se constrói toda uma teologia de como evitar que coisas desagradáveis nos aconteçam.

Testemunhos contando vitórias, ganhos e novas aquisições são comuns e apontam ao inconsciente coletivo que há algo errado quando isso não é uma realidade também em sua vida. No seio de uma igreja ninguém mais pode estar triste, choroso, pensativo ou melancólico, pois vivemos numa cultura cristã-hedonista, onde ter fé em Deus é a senha para buscar o prazer o tempo todo, como se tal fosse possível ou mesmo saudável para a alma. Diante desta geração de novos crentes, sinto-me como o poeta Álvaro de Campos em seu “Poema em Linha Reta ”:

(...)
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
(...)Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Vendeu-se a idéia de que crente tem de “funcionar” bem em tudo, ser belo, saudável, contas em dia, qualidade total, como um produto exposto na prateleira. Enquanto o mundo procura fórmulas para suprimir a tristeza e aniquilar o vazio em livros de auto-ajuda, no meio cristão surgiu uma coqueluche para participar de “Encontros” que pretendem ser a panacéia universal para os problemas existenciais, e prometem em alguns dias devolver uma nova pessoa para a comunidade. Isso é realmente tremendo (ludíbrio)! Engraçado como ninguém pensou em criar encontros ensinando como ser simplesmente servo (talvez por falta de público interessado).

Sempre haverá uma incompletude e certa insatisfação na vida do cristão. Nenhum culto, nenhum encontro da comunidade de fé, nenhuma pregação ou apresentação musical pode trazer satisfação completa. Se a saciedade fosse total não haveria o desejo de buscar mais. O salmista, mesmo conhecendo Deus, mesmo partilhando de Sua intimidade, ainda assim revela sua incessante busca: “a minha alma tem sede de Deus”. Ou seja, bebemos, mas queremos beber mais (não confundir com “anedonia”, que é um distúrbio da alma, uma incapacidade de sentir prazer ou satisfação).

Se todos vivessem satisfeitos e plenos ninguém produziria nada, bastaria se apropriar do que já é dado. O músico, o pintor, o escritor e o poeta realizam sua obra, não porque têm respostas, mas porque têm muitos questionamentos. É o mal-estar diante do mundo que nos leva a compor, a pintar e escrever, como estou fazendo agora. Os conformados, os bem-ajustados, os ricos, os medrosos.... estes nada querem mudar ou fazer – estão tristemente contentes em suas mediocridades e convicções. Mas é justamente a consciência que somos imperfeitos que nos impulsiona a realizar algo melhor.

Até a tristeza tem o seu lugar na vida: a bíblia ensina que há tristeza para a vida e há tristeza para a morte (2Co 7.10). Se forem lágrimas originadas do coração de Deus, essa dor será bem-vinda pois levará a alma a bom termo.

Paradoxalmente, tudo que é belo é triste, seja um pôr do sol ao entardecer, que é uma metáfora da vida que se esvanece, seja a beleza de uma música ou de uma flor, por não podermos perpetuar aquele momento. Fica então compreensível para nós quando Paulo diz que tem o desejo de partir e estar com Cristo que é “incomparavelmente melhor” (Fp 1.23). E por quê? Ora, ele mesmo responde que enquanto no corpo, estamos “ausentes do Senhor” (2Co 5.6), porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente.... agora, conhecemos em parte.... (1Co 13.12).

É preferível a humanidade hesitante dos que tem dúvidas aos que esbanjam convicções. Eu não teria paciência em conversar um minuto com o irmão mais velho do filho pródigo, mas me deliciaria em passar horas trocando idéias com aquele jovem cheio de vida.

Também não quero ficar perto de quem se diz sempre contente – duvido que entenderia uma dor.

Não quero papo com evangélicos que fazem da fé um escambo com o Eterno: dá-se uma “notinha” pra Deus e Ele, em troca, atende o seu desejo.

Não quero orar por gente descontente porque ainda não possui o novo Ipod de 160Gigas.

Não quero marchar com multidões que depositam uma fé cega em homens e fazem qualquer sacrifício para ver seus ídolos de perto. Aliás, não quero nem marchar, mas andar pelo caminho olhando as aves do céu e os lírios do campo.

Felizmente encontro no apóstolo Paulo um ombro de lucidez espiritual: Se tenho de gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza (2Co 11.30). Sou incompleto, finito, limitado... mas, não trocaria de lugar com ninguém.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br