terça-feira, 16 de setembro de 2008

Sobre Fé e Razão

Existe um considerável número de vídeos de Pat Condell divulgados em vários endereços na internet. Alguns de conteúdos mais densos e controversos e outros menos. Andei pensando muito sobre o que a figura dele representa hoje para nós cristãos. E mais, para a Igreja. Imaginei se nos encontrássemos com ele, e fôssemos arguidos sobre a razão da nossa fé e esperança. Seria suficiente diminuí-lo, ou tentar desqualificar a fala dele com alguns de nossos tantos jargões religiosos? Ou vincular a imagem dele como "mais um filho do diabo"!?

Não .. não .. acho que não!

Guardando as devidas proporções de contexto, acho que é mais ou menos sobre isso que nos adverte as escrituras em 1Pe 3. 14b-16: "Não vos amedronteis, portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados; antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal".

A palavra "razão" nesse texto é do [gr.]"logos" (aqui, ato de falar). A intensão não é fazer uma exegese do texto, mas mostar que somos exortados a não nos calar, ainda que diante de argumento contundentes, que parecem fazer todo o sentido - mesmo quando nos questionam sobre a nossa fé, (...) nossa esperança. Muitas pessoas hoje "se santificam", mas poucos sabem de que forma argumentar sobre o que vivem. Talvez eu esteja enganado, e preferiria estar, mas a sensação que tenho é que nossa geração é pouco preparada para argumentar sobre a opção que fez por Jesus, principalmente sobre o que tange a Bíblia.

Por um longo tempo no campo teológico a fé competiu com a razão, e não só por isso, mas por vários fatores, hoje parece que as Igrejas se fecharam à reflexão e preferem viver uma religiosidade sem sentido, porque é vazia de conteúdo reflexivo - sem sentido lógico. Não que a lógica salve tudo aqui, mas seria um bom começo casarmos nossas práticas cristãs com um discurso coerente. O discurso cristão coerente convertido à pratica cristã coerente, e vice versa, liberta as pessoas de uma "lógica ignorante" que supõem ser o paradigma do que poderia gerar em nós, adeptos do Movimento de Jesus, uma crise.

Pense nisso.

E-M@IL PARA O APÓSTOLO PAULO


Amado apóstolo:
Estou escrevendo para colocá-lo a par da situação do Evangelho que um dia você ajudou a propagar para nós gentios, e que lhe custou a própria vida. As coisas estão muito difíceis por aqui. Quase tudo o que você escreveu foi esquecido ou deturpado.

Você foi bastante claro ao despedir-se dos irmãos em Éfeso, alertando que depois de sua partida lobos vorazes penetrariam em meio à igreja, e não poupariam o rebanho [1]. Palavras de fato inspiradas, pois isso se concretiza a cada dia.

Lembra-se que você escreveu ao jovem Timóteo, que o amor ao dinheiro era a “raiz de todos os males”[2]? Quero que saiba que suas palavras foram invertidas, e agora se prega que o dinheiro é a “solução” de todos os males.

Também é com tristeza que lhe digo que em nossa época ninguém mais quer ser chamado de pastor, missionário ou evangelista, pois isso é por demais humilde: um bom número almeja levar o título de apóstolo. Sei que em seu tempo, os apóstolos eram “fracos... desprezíveis... espetáculo para os homens... loucos... sem morada certa... injuriados... lixo e escória” [3]. Agora é bem diferente. Trata-se de uma honraria muito grande: acercam-se de serviçais que lhes admiram, quando viajam exigem as melhores hospedarias e são recebidos nos palácios pelos governantes.

Eles não costumam pregar seus textos, pois você fala muito da “Graça” e da “liberdade que temos em Cristo” [4]. Isso não soa bem hoje, pois a Igreja voltou à “teologia da retribuição” da Antiga Aliança (só recebe quem merece), e liberdade é a última coisa que os pastores querem pregar à suas ovelhas.

Você não é bem visto por aqui, pois sempre foi muito humano, sem jamais esconder suas fraquezas: chegou até reconhecer contradições internas, dizendo que não faz o bem que prefere, mas o mal, esse faz [5]. Eles não gostam disso, pois sempre se apresentam inabaláveis e sem espinhos na carne como você. A presença deles é forte, a sua fraca [6], eles são saudáveis, você sofria de alguma coisa nos olhos [7], eles jamais recomendariam a um irmão tomar remédio, como você fez com Timóteo [8], mas aqui eles oram e determinam a cura – coisa que você nunca fez.

Você dizia que por amor de Cristo perdeu “todas as cousas” considerando-as refugo [9]. As coisas mudaram, irmão. Agora cantamos: “Restitui, quero de volta o que é meu!”.

Vivo em uma cidade que recebeu o seu nome, e aqui há um apóstolo que após as pregações distribui lencinhos vermelhos encharcados de suor, e as pessoas levam pra casa, como fizeram em Éfeso, imaginando que afastarão enfermidades [10]. Sim, eu sei que você nunca ordenou isso, nem colocou como doutrina para a igreja nas epístolas, mas sabe como é o povo....

Admiro sua coragem por ter expulsado um “espírito adivinhador” daquela jovem [11], embora isso tenha lhe custado a prisão e açoites. Você não se deixou enganar só porque ela acertava o prognóstico. Hoje há uma profusão de pitonisas e prognosticadores no meio do povo de Deus, todavia esses espíritos não são mais expulsos, ao contrário, nos reunimos ansiosos para ouvir o que eles têm a dizer para nós.

Gostaria de ter conhecido os irmãos bereanos que você elogiou. Infelizmente, quase não existem mais igrejas como as de Beréia, que recebam a palavra com avidez e examinem as Escrituras “todos os dias para ver se as coisas são de fato assim”[12].

Tem hora que a gente desanima e se sente fragilizado como Timóteo, o seu companheiro de lutas. Mas que coisa bonita foi quando você o reanimou insistindo para que reavivasse “o dom de Deus” que havia nele [13]. Estou lhe confessando isso, pois atualmente 90% dos pregadores oferecem uma “nova unção” para quem fraqueja. Amo esta sua exortação, pois você ensina que dentro de nós já existe o poder do Espírito, dado de uma vez por todas, e não precisamos buscar nada fora ou nada novo!

Nossos cultos não são mais como em sua época, onde a igreja se reunia na casa de um irmão, havia comunhão, orações, e a palavra explanada era o prato principal.... as coisas mudaram: culto agora é como fosse um show, a fumaça não é mais da nuvem gloriosa da presença de Deus, mas do gelo seco, e a palavra é só para ensinar como conseguir mais coisas do céu.

O Espírito lhe revelou que nos últimos tempos alguns apostatariam da fé “por obedecerem a espíritos enganadores” [14]. Essa profecia já está se cumprindo cabalmente, e creio que de forma irreversível.

Amado apóstolo, sinto ter lhe incomodado em seu merecido descanso eternal, mas eu precisava desabafar. Um dia estaremos todos juntos reunidos com a verdadeira Igreja de Cristo.

Maranata!
Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

[1] At 20.23
[2] 1Tm 6.10
[3] 1Co 4.-9-13
[4] Gl 2.4
[5] Rm 7.19
[6] 2Co 10.10
[7] Gl 4.13-15
[8] 1Tm 5.23
[9] Fp 3.8
[10] At 19.12
[11] At 17.18
[12] At 17.11
[13] 2Tm 1.6
[14] 1Tm 4.1