quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O jeito de contar uma história faz toda diferença

Diz o refrão da música: “Palavra não foi feita para dividir ninguém. Palavra é a ponte onde o amor vai e vem.” Cabe, então, a pergunta: a palavra na Igreja tem dividido ou servido de ponte para o amor?.Saber receber (ouvir/ler) e usar (falar/escrever) a palavra é fundamental para qualquer um que queira seguir a Cristo. No entanto, lidar com a palavra não é fácil. Por exemplo, quantas correntes religiosas existem hoje dentro do Cristianismo, dentro da Igreja Metodista ou dentro da igreja local? Os motivos para tantas divisões podem ser diversos, mas com certeza um em especial nos chama a atenção: usamos a palavra de formas diferentes.
A história do Menino que nasceu em Belém todos conhecem. O problema é como cada um conta essa história e as conseqüências dos diferentes relatos.O poder das histórias que contamos e a maneira como as contamos não podem ser menosprezados. É preciso ter responsabilidade e compromisso ético no uso da palavra. De maneira geral, as várias religiões que conhecemos são, em parte, frutos de relatos que se contam sobre Deus. De forma um tanto paradoxal, cada uma ao seu jeito tenta dar conta de explicar o mistério da ação divina que se manifesta a todos -- a Graça Previniente, como diria John Wesley. No entanto, se Deus é único, as diferentes correntes são, ao que tudo indica, uma grande confusão humana.
Poderíamos ser ingênuos e dizer: “Ah, mas a história de Jesus está na Bíblia, basta e deixar as especulações filosóficas de lado.” Tal atitude não resolve o problema. Eu li, você leu, identificamos o mesmo conteúdo e ainda assim podemos ter visões discordantes sobre vários pontos. É fácil perceber que aplicamos os ensinamentos bíblicos de formas diferentes, ou alguém tem dúvidas de que as igrejas Luterana, Católica, Metodista, Universal e tantas outras, inclusive fora da tradição cristã, falam do mesmo Jesus, personagem histórico revelado nos Evangelhos? Isso para não entrar na questão das várias correntes dentro do próprio Metodismo: conservadores, carismáticos, progressistas e por aí vai.
Numa tentativa desesperada de resolver o problema, poderíamos ainda utilizar o seguinte argumento: “Mas eu sinto no meu coração que esta é a versão correta.” Tampouco essa seria a solução, pois o outro também poderia imaginar ter a interpretação mais adequada. E agora? Cada um deve abrir a sua igreja?
Não. O apóstolo Paulo nos alertou que, por enquanto, “vemos em águas turvas”. Em outras palavras, há espaço para dúvidas, para o mistério da ação de Deus. Enquanto houver essa brecha continuaremos contando histórias que por vezes se encontram e por vezes entram em conflito. De alguma maneira, a solução para esse problema passa pela humildade no uso e no recebimento da palavra. Mesmo com idéias discordantes, podemos nos amar, já nos ensinava John Wesley.
Nesse caso, nossa união se revela na busca pela compreensão dos mistérios divinos, pela fé em Deus e pelo amor que manifestamos, ou seja, na Aliança que estabelecemos. O uso da palavra (receber ou levar) representa apenas o momento quando nossas histórias se encontram. No ir e vir desses relatos, o objetivo não é vencer o outro, mas procurar a comunhão de idéias e deixar se surpreender pela presença de Deus na vida do outro. Precisamos, porém, estar conscientes de que muitas vezes não somos capazes de reconhecer Deus nas ações do próximo dada a nossa formação cultural. Esse limite imposto pela cultura pode ser um grande empecilho para a compreensão da ação do Espírito do Santo na vida dos outros.
A Bíblia apresenta inúmeros exemplos dessa cegueira social: Raab, a prostituta usada por Deus na entrada do povo dos judeus na Terra Prometida (Js 2); a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25); o oficial romano que fez Jesus exclamar “Nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (Lc7.9) e outros. O movimento do Espírito Santo sempre surpreendeu os crentes.Fica, então, a pergunta: será que estamos abertos para a surpresa da ação divina? E como ter essa abertura sem se deixar levar por qualquer história? Essa não é uma tarefa fácil. Exige humildade para ouvir, mas também coragem para falar.
Assim como a experiência do próximo pode revelar de maneira surpreendente a presença de Deus, nossa experiência com Cristo também pode ser decisiva na vida de outras pessoas. Trata-se de um exercício difícil para aqueles que se sentem os "donos da verdade"; fácil para os que são capazes de amar o próximo.É por estas e outras razões que talvez a música com que abrimos esta breve reflexão insista em seu refrão que a palavra é “a ponte onde o Amor vai e vem”.
Escrito assim mesmo, Amor com letra maiúscula. Nas histórias que contamos Deus se revela. No entanto, precisamos estabelecer o diálogo e não usar a palavra para dividir e fazer do relato de nossas experiências uma tentativa de silenciar o próximo que devemos amar.
Por Fábio Josgrilberg.
Fabio B. Josgrilberg é editor do Portal Fundição, membro de Igreja Metodista de Rudge Ramos (SP), jornalista, doutor em Ciências da Comunicação (USP), membro da World Association for Christian Communication (WACC). Site pessoal: Metaphorai.Fonte/diponível em: <http://fundicao.jor.br/modules/news/article.php?storyid=17>. Acesso dia 24 de setembro de 2008.

Projeto-Vida


A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos.
[John Lennon]
Precisamos aprender a viver os intervalos: cada um pequeno espaço de tempo. Precisamos aprender a viver intensamente as fases de nossa vida. Porque observar e aprofundar os detalhes faz toda a diferença. Principalmente quando se pensa em viver de forma abundante o que deveria ser um insignificante segundo berrado no relógio.
Viva!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Porque amo a vida

Amo a vida porque as cores me fascinam, os gênios me intrigam, as poetisas me seduzem, os santos me quebrantam, os justos me desafiam, os solidários me estimulam.

Amo a vida porque os sabores me esfomeiam, os silêncios me atraem, os mistérios me intrigam, os horizontes me instigam.

Amo a vida porque as mulheres me encantam, os altruístas me humilham, os sábios me instruem, os artistas me animam. Amo a vida porque não espero o previsível, não aceito a manipulação dos espertos e não convivo com o domínio dos poderosos. Acolho o insólito e enfrento o traumático para não fugir da realidade da dor. Se evito as atrocidades é para nunca afeiçoar-me com o mal.

Amo a vida porque sofro com angústias que não são minhas e abrigo felicidades alheias. Sou paradoxal, salto como a corça e me entoco como a lebre, rujo como o leão e danço como o colibri. Aprendi que posso orvalhar o papel com as lágrimas da poesia e encharcar a camisa com o suor dos ideais.

Amo a vida porque tento entupir o ralo por onde podem descer os poucos dias de minha vida banal. Dissimulo, não quero ver-me consumido com ódios que exigem tanta atenção. Caço as memórias para não deixá-las se esfumaçarem. Comparo-me com os amigos que envelheceram - Meu Deus, eles se desgastaram mais do que eu! Disponho-me a pagar o preço da longevidade. Não invejo o monumento ao soldado desconhecido que recebeu uma coroa de flores do imperador. Não desejo a sorte dos Camelots, John Kennedy, Che Guevara, James Dean, Lady Diana - todos morreram cedo.

Amo a vida porque engasgo com o semblante do noivo no instante em que a porta da igreja se abre para a amada. Emociono-me com o café que incensa a manhã pueril. Ouço a canção da menina desafinada como de uma soprano erudita. Leio o bilhete do presidiário como um tratado filosófico. Acolho as razões da avó como verdades absolutas.

Amo a vida porque perdi a pressa. Desisti das onipotências, abri mão da perfeição e comecei a perceber que Alguém me ama sem que precise provar nada.
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim.

domingo, 21 de setembro de 2008

O que estão fazendo da Bíblia?

“Se o patriotismo é o último refúgio do canalha; as escrituras são o primeiro refúgio dos ignorantes”. [Frase de Pat Condell, um cético].


Uma frase um tanto quanto inquietante, principalmente para nós cristãos. Mas, devo confessar que ultimamente tenho me sentido muito frustrado pelo que vejo as pessoas fazer com o livro que nos serve de base para o exercício da fé. Infelizmente, a Bíblia hoje, está refém de cientistas e/ou estudiosos, palestrantes animadores de platéia, entidades filantrópicas ou não, dentre outros. Ela foi reduzida a manual legitimador de argumentações; prevalece no final “a verdade bíblica” de quem argumentou melhor. O Deus, o Jesus [Cristo ou não, depende em que acredita quem argumenta], o Espírito, etc, tudo vai se tornando original na medida em que o argumentador fulmina a platéia, de uma academia por exemplo, com uma gama de “boas argumentações [quase] lógicas”. A partir do discurso de quem é mais hábil no texto, não sem a devida “base bíblica”, as pessoas vão vencendo umas às outras numa “intensa queda de braço”.
Meu argumento é que a Bíblia, com isso, vai sendo literalmente secularizada. Uma agressão à fé dos poucos, e ainda considerados “ingênuos”, que tocam nela e entram em contato com “o sagrado”.
Alguém um dia disse que “a Bíblia é a mãe de todas as heresias”. Isso não me admira hoje, tempo em que muitos recorrem à ela, para matar, roubar, e destruir “o que é outro”, diferente de mim mesmo.

Na minha opinião a Bíblia deveria ser mais preservada. A Bíblia é base de fé, e a fé vem pelo ouvir, ouvir “a Palavra de Deus”. A fé não vem pelo falar, antes, pelo ouvir; a Bíblia portanto deve servir de parâmetro para quem ouve e não para quem fala [ou argumenta] – aqui citando contexto mais acadêmico. “A palavra escrita da palavra revelada de Deus” [Cf. Barth], na minha opinião, deve estar muito mais ligada ao discipulado cristão, evangelismo seja como for, ao ato de construir pontes, ato concreto de se viver e experimentar a fé. Isso seria bem mais humano e inteligente. O "ide e pregai o evangelho à toda criatura", hoje está confundido e portanto escondido atrás de ideologias pessoais. Quando o eunuco disse a Filipe que não entendia porque não havia quem falasse, também o registro está estritamente relacionado ao falar de evangelho. “O falar” em toda Bíblia, principalmente em Jesus, implica em “metanóia” [conversão] e boas novas.

Hoje, utilizar-se da bíblia, instrumentalizá-la para dizer que fulano ou beltrano está certo e que “o outro está errado” e portanto “condenado ao inferno” é uma aberração – muito distante do que o próprio Jesus ensinou. Usar a Bíblia nesse contexto configura uma tremenda covardia, além de denotar certa ignorância e sinalizar uma possibilidade de que muitos não têm outros recursos enquanto base de argumentação. Ou que pelo menos colocam Deus no discurso para legitimar de uma vez por todas suas ideologias – absolutista e totalitarista, pois quem poderá argumentar contra “o que Deus falou?”. Hoje, citar a Bíblia, em tantos debates - verdadeiros embates, parece conferir status ao palestrante.

Para mim isso é uma vergonha, o que fizeram do evangelho? Um "des"-evangelho[!]

O que proponho é que a Bíblia esteja garantida como Bíblia e que não seja mais utilizada como um outro livro qualquer, porque isso sim é que a equipara a um outro livro: de auto ajuda, receitas de bolo, a arte de comunicar-se, dentre outros. Talvez isso ajude um pouco, minha preocupação é que, assim como já aconteceu antes, e por várias vezes na história, ela seja o argumento legitimador de duras cruzadas, ou de golpes letais contra aquele(a) que pensa diferente de mim. Fico admirado como as pessoas utilizam-se do que está escrito na Bíblia e absolutizam suas falas para diminuir quem está “do outro lado da mesa”; e sendo assim, talvez, e só talvez, a frase supra citada de Pat Condell faça algum sentido.

Sei bem da complexidade da temática e no geral, imagino como esse texto poderá ser interpretado. Mas não tenho responsabilidade sobre o que vão pensar, a não ser sobre as palavras que saem da minha boca e conseqüentemente o texto que vai sendo redigido. É a reflexão de alguém que já está cansado de ver tantas guerras frias dentro da Igreja de Cristo, em nome de Deus, e com base nas Santas Escrituras. Chega de uma vez por todas de tanta violência e “des”-envangelho. O assunto é amplo e de extrema complexidade, reconheço que talvez merecesse uma reflexão bem mais aprofundada, mas, por questões estéticas e de delimitação não vou prosseguir. O interessante será conhecer a sua opinião sobre isso, e assim quem sabe poderemos dialogar em mais algumas linhas de texto.

Abraço, do sempre amigo.

Teologia Cantada [Convite à Reflexão]

Música "Carne e Osso". [Zélia Duncan]
Composição: Moska e Zélia Duncan




Alegria do pecado às vezes toma conta de mim
E é tão bom não ser divina
Me cobrir de humanidade me fascina
E me aproxima do céu
E eu gosto de estar na terra cada vez mais
Minha boca se abre e espera
O direito ainda que profano
Do mundo ser sempre mais humano
Perfeição demais me agita os instintos
Quem se diz muito perfeito
Na certa encontrou um jeito insosso
Pra não ser de carne e osso.

Fonte: disponível em <http://letras.terra.com.br/zelia-duncan/303153/>. Acesso dia 21 de setembro de 2008.

Você pode registrar sua opinião e refletir sobre ela, tendo por base a teologia embutida na música?

Obrigado, e abraços do sempre amigo.

Dependência e Liberdade

Psicologicamente, no íntimo, somos dependentes de rituais, de idéias, de pessoas, de coisas, das posses - ou não somos? Somos dependentes e queremos nos libertar dessa dependência porque ela nos faz sofrer. Enquanto essa dependência é satisfatória, enquanto encontro felicidade nela, não quero ser livre. Mas quando a dependência me faz sofrer, quando a coisa de que dependo foge de mim, fenece, murcha, olha para outra pessoa, desejo libertar-me.

Mas será que quero me libertar por inteiro de todas as dependências psicológicas ou somente daquelas que me fazem sofrer? Obviamente, das dependências e lembranças que me fazem sofrer. Não quero me libertar por completo de todas as dependências; quero apenas me ver livre de alguma dependência particular. Assim, busco meios de me libertar ou peço a outras pessoas que me ajudem a ficar livre de uma dependência específica que me traz dor.
Não quero ficar livre do processo total de dependência.Pode alguém me ajudar a ficar livre, tanto da dependência específica como da total? Será que posso mostrar a vocês o caminho - sendo o caminho a explicação, a palavra, a técnica? Se eu lhes mostrar o caminho, a técnica, se eu lhes der uma explicação, vocês vão ficar livres? Vocês ainda terão um problema, ainda vão ter a dor da dependência, não? Nenhuma demonstração minha, nenhuma discussão sua comigo vai libertá-los da dependência. E o que se deve fazer?Percebam, por favor, a importância disso.
Vocês pedem um método que os liberte de uma dependência particular ou total. O método é uma explicação que vocês vão praticar e viver a fim de se libertarem, não é? Assim, o método se torna uma nova dependência. Tentando se libertar de uma dependência específica, vocês introduzem outra forma de dependência.Mas se estiverem de fato preocupados com a liberdade total de todas as dependências psicológicas, se realmente estiverem voltados para isso, vocês não vão me pedir um método, o caminho. Nesse caso vocês vão fazer uma pergunta bem diferente, não?
Vocês vão perguntar se têm capacidade para lidar com isso, a possibilidade de fazer algo a respeito dessa dependência. Logo, a pergunta não é como se libertar de uma dependência, mas “Posso ter a capacidade de tratar do problema como um todo?” Se tenho a capacidade, não dependo de ninguém. É só quando digo que não tenho a capacidade que peço: “Ajude-me, por favor; mostre-me o caminho.” Mas se tenho a capacidade para tratar do problema da dependência, não peço a ninguém que me ajude a dissolvê-lo.Espero estar sendo claro.
Julgo muito importante não perguntar “Como?” mas “Posso ter a capacidade de tratar do problema?” Porque, se sei lidar com ele, estou livre do problema; não procuro mais um método, o caminho. Posso ter a capacidade de tratar do problema da dependência?Ora, em termos psicológicos, quando vocês fazem essa pergunta a si mesmos, o que acontece? Quando fazem conscientemente a pergunta: “Posso ter a capacidade de me libertar dessa dependência?” o que acontece psicologicamente. Vocês já não estão livres dela? Vocês eram dependentes em termos psicológicos e agora perguntam: “Tenho a capacidade de me libertar?”
Está claro que, no momento em que fazem essa pergunta com vigor a si mesmos, já há liberdade com relação a essa dependência (…)Quando sei que tenho essa capacidade, o problema deixa de existir. Mas como não a tenho, quero alguém que me mostre. Assim, crio o Mestre, o guru, o Salvador, alguém que vai me salvar, que vai me ajudar. Logo, torno-me dependente deles. Mas se tiver a capacidade de resolver, de compreender a questão, tudo fica muito mais simples e deixo de ser dependente.Isso não quer dizer que eu esteja cheio de autoconfiança. A confiança que vem a existir através do eu, do “si mesmo”, não leva a lugar algum, visto fechar-se em si mesma. Mas a própria pergunta “Posso ter a capacidade de descobrir a realidade?” dá uma introvisão e uma força fora do comum.
A pergunta não é se tenho a capacidade - eu não a tenho - mas “Posso ter a capacidade?” Então saberei abrir a porta que a mente sempre vem fechando com suas próprias dúvidas, com suas próprias ansiedades, seus medos, suas experiências, seu conhecimento.Portanto, quando todo o processo é percebido, a capacidade está presente. Mas essa capacidade não há de ser encontrada mediante nenhum padrão particular de ação (…) Dispondo dessa capacidade, posso tratar de todos os problemas que surgirem. Sempre haverá problemas, incidentes, reações; isso é a vida.
Como não sei o que fazer com eles, procuro outras pessoas a fim de descobrir, para perguntar qual a maneira de tratar desses problemas. Mas quando faço a pergunta “Posso ter a capacidade?” isso já é o começo daquela confiança que não é a do “si mesmo”, do eu, que não é a confiança que vem à existência por meio da acumulação, mas a confiança que se renova constantemente a si mesma, não através de alguma experiência ou incidente particular, mas da compreensão, da liberdade, de modo que a mente possa descobrir aquilo que é real.
J. Krishnamurti
Fonte: http://pavablog.blogspot.com. Acesso dia 21 de setembro de 2008.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Verdade versus alucinação.

O culto pegava fogo. O frenesi do povo crescia, estimulado por um pastor quase grisalho, engravatado e com bastante brilhantina nos cabelos.

Mesmo acostumado a ambientes pentecostais, estranhei o exagero dos gestos e das palavras. Concentrei-me para entender o que o pastor dizia em meio a tantos gritos. Percebi que ele literalmente dava ordens a Deus. Exigia que honrasse a sua Palavra e que não deixasse "nenhuma pessoa ali sem a bênção".

Enquanto os decibéis subiam, estranhei o tamanho da sua arrogância. A ousadia do líder contagiou os participantes. Todos pareciam valentes, cheios de coragem. Assombrei-me quando ouvi uma ordem vinda do púlpito: "chegou a hora de colocarmos Deus no canto da parede; vamos receber nosso milagre e exigir os nossos direitos". Foi a gota d'água. Levantei-me e fui embora.

Os ambientes religiosos neopentecostais se tornaram alucinatórios porque geram fascínio por poder e pela capacidade de criar um mundo protegido e previsível. Por se sentirem onipotentes, buscam produzir uma realidade fictícia. Para terem esse mundo hipotético, os sujeitos religiosos chegam ao cúmulo de se acharem gabaritados para comandar Deus.
É próprio de a religião oferecer segurança, mas os neopentecostais buscam produzir garantia existencial com avidez.

Em seus cultos, procuram eliminar as contingências, com a imprevisibilidade dos acidentes e os contratempos do mal. Acreditam-se capazes de domesticar a vida para acabar com possibilidade dos seus filhos adoecerem, das empresas que dirigem falirem e de se safarem, caso estejam no ônibus que despenca no barranco. Almejam uma religião preventiva, que se antecipa aos solavancos da vida. Imaginam-se aptos para transformar a aventura de viver em um mar de almirante ou em um céu de brigadeiro.

Acontece que essa idéia de um mundo sem percalços não passa de alucinação. Por mais que se ore, por mais que se bata o pé dando ordens a Deus, o Eclesiastes adverte: "o que acontece com o homem bom, acontece com o pecador; o que acontece com quem faz juramentos acontece com quem teme fazê-lo" (9.2).

Mas a pergunta insiste: por que os cultos neopentecostais lotam auditórios e ganham força na mídia? Repito, pelo simples fato de prometerem aos fiéis o poder de controlar o amanhã; de eliminar os infortúnios e canalizar as bênçãos de Deus para o presente. Quando oram, pretendem gerar ambientes pretensiosamente capazes de antever quaisquer problemas para convertê-los em fortuna e felicidade.

Esta premissa deve ser contestada. Pois, pedir a Deus para nunca se contrariar, ou para ser poupado de acidentes, significa exigir que Ele coloque os seus filhos em uma bolha de aço. A vida é contingente. Tudo pode ocorrer de bom e de ruim. Uma existência sem imprevisibilidade seria maçante. O perigo da tempestade, a ameaça da doença, a eminência da morte fazem, inclusive, o dia a dia interessante.

A verdade não produz necessariamente felicidade. Verdade conduz à lucidez. O delírio, porém, tranqüiliza e gera um contentamento falso. Muitos recorrem à religião porque desejam fugir da verdade existencial e se arrasam porque a paz que a alucinação produz não se sustenta diante dos fatos.

Cedo ou tarde, a tempestade chega, o "dia mau" se impõe e o arrazoamento do religioso cai por terra. Interessante observar que Jesus nunca fez promessas mirabolantes. Como não se alinhou aos processos alienantes da religião, Jesus não garantiu um mundo seguro para os seus seguidores. Pelo contrário, avisou que os enviaria como ovelhas para o meio dos lobos e advertiu que muitos seriam entregues à morte por seus familiares. Sem qualquer rodeio, afirmou: "no mundo vocês terão aflições".

Quando o Espírito conduziu Jesus para o deserto, o Diabo lhe ofereceu uma vida segura, sem imprevistos. As três tentações foram ofertas de provisão, prevenção e poder. Ciristo, porem, as rechaçou porque eram mentiras. O mundo que o Diabo prometieu não existe.

Acontece que as pessoas preferem acreditar nas suas ilusões. Fugir da crueza da vida é uma enorme tentação. Em um primeiro momento, parece cômodo refugiar-se da realidade, negando-a. É bom acreditar que a riqueza, a saúde, a felicidade estão pertinho dos que conseguirem manipular Deus.

O mundo neopentecostal se desconectou da realidade. Seus seguidores vivem em negação. Não aceitam partilhar a sorte de todos os mortais. Confundem esperança com deslumbre, virtude com onipotência mágica, culto com manipulação de forças esotéricas e espiritualidade com narcisismo religioso.

Os sociólogos têm razão, o crescimento numérico dos evangélicos não arrefecerá nos próximos anos. O problema, entretanto, é qualitativo. Assim, o rastro de feridos e decepcionados que embarcaram nessas promessas irreais já é maior do que se imagina.

A demanda por cuidado pastoral vai aumentar. Os egressos do "avivamento evangélico" baterão na porta dos pastores perguntando: "por que Deus não me ouviu?" ou "o que fiz de errado?". Será preciso responder carinhosamente: "não houve nada de errado; Deus não lhe tratou com indiferença; você apenas alucinou sobre o mundo e misturou fé com fantasia".

Soli Deo Gloria.
Por Ricardo Gondim.
Fonte: Disponível em <http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=1981>, acesso dia 20 de setembro de 2008.

Inspirações [...]


"Por mais que venhamos a ser; por mais que venhamos a ter; por mais que venhamos a conhecer, o Senhor estará sempre além de nós!"


Rev. Antônio Luiz.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Sobre Fé e Razão

Existe um considerável número de vídeos de Pat Condell divulgados em vários endereços na internet. Alguns de conteúdos mais densos e controversos e outros menos. Andei pensando muito sobre o que a figura dele representa hoje para nós cristãos. E mais, para a Igreja. Imaginei se nos encontrássemos com ele, e fôssemos arguidos sobre a razão da nossa fé e esperança. Seria suficiente diminuí-lo, ou tentar desqualificar a fala dele com alguns de nossos tantos jargões religiosos? Ou vincular a imagem dele como "mais um filho do diabo"!?

Não .. não .. acho que não!

Guardando as devidas proporções de contexto, acho que é mais ou menos sobre isso que nos adverte as escrituras em 1Pe 3. 14b-16: "Não vos amedronteis, portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados; antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal".

A palavra "razão" nesse texto é do [gr.]"logos" (aqui, ato de falar). A intensão não é fazer uma exegese do texto, mas mostar que somos exortados a não nos calar, ainda que diante de argumento contundentes, que parecem fazer todo o sentido - mesmo quando nos questionam sobre a nossa fé, (...) nossa esperança. Muitas pessoas hoje "se santificam", mas poucos sabem de que forma argumentar sobre o que vivem. Talvez eu esteja enganado, e preferiria estar, mas a sensação que tenho é que nossa geração é pouco preparada para argumentar sobre a opção que fez por Jesus, principalmente sobre o que tange a Bíblia.

Por um longo tempo no campo teológico a fé competiu com a razão, e não só por isso, mas por vários fatores, hoje parece que as Igrejas se fecharam à reflexão e preferem viver uma religiosidade sem sentido, porque é vazia de conteúdo reflexivo - sem sentido lógico. Não que a lógica salve tudo aqui, mas seria um bom começo casarmos nossas práticas cristãs com um discurso coerente. O discurso cristão coerente convertido à pratica cristã coerente, e vice versa, liberta as pessoas de uma "lógica ignorante" que supõem ser o paradigma do que poderia gerar em nós, adeptos do Movimento de Jesus, uma crise.

Pense nisso.

E-M@IL PARA O APÓSTOLO PAULO


Amado apóstolo:
Estou escrevendo para colocá-lo a par da situação do Evangelho que um dia você ajudou a propagar para nós gentios, e que lhe custou a própria vida. As coisas estão muito difíceis por aqui. Quase tudo o que você escreveu foi esquecido ou deturpado.

Você foi bastante claro ao despedir-se dos irmãos em Éfeso, alertando que depois de sua partida lobos vorazes penetrariam em meio à igreja, e não poupariam o rebanho [1]. Palavras de fato inspiradas, pois isso se concretiza a cada dia.

Lembra-se que você escreveu ao jovem Timóteo, que o amor ao dinheiro era a “raiz de todos os males”[2]? Quero que saiba que suas palavras foram invertidas, e agora se prega que o dinheiro é a “solução” de todos os males.

Também é com tristeza que lhe digo que em nossa época ninguém mais quer ser chamado de pastor, missionário ou evangelista, pois isso é por demais humilde: um bom número almeja levar o título de apóstolo. Sei que em seu tempo, os apóstolos eram “fracos... desprezíveis... espetáculo para os homens... loucos... sem morada certa... injuriados... lixo e escória” [3]. Agora é bem diferente. Trata-se de uma honraria muito grande: acercam-se de serviçais que lhes admiram, quando viajam exigem as melhores hospedarias e são recebidos nos palácios pelos governantes.

Eles não costumam pregar seus textos, pois você fala muito da “Graça” e da “liberdade que temos em Cristo” [4]. Isso não soa bem hoje, pois a Igreja voltou à “teologia da retribuição” da Antiga Aliança (só recebe quem merece), e liberdade é a última coisa que os pastores querem pregar à suas ovelhas.

Você não é bem visto por aqui, pois sempre foi muito humano, sem jamais esconder suas fraquezas: chegou até reconhecer contradições internas, dizendo que não faz o bem que prefere, mas o mal, esse faz [5]. Eles não gostam disso, pois sempre se apresentam inabaláveis e sem espinhos na carne como você. A presença deles é forte, a sua fraca [6], eles são saudáveis, você sofria de alguma coisa nos olhos [7], eles jamais recomendariam a um irmão tomar remédio, como você fez com Timóteo [8], mas aqui eles oram e determinam a cura – coisa que você nunca fez.

Você dizia que por amor de Cristo perdeu “todas as cousas” considerando-as refugo [9]. As coisas mudaram, irmão. Agora cantamos: “Restitui, quero de volta o que é meu!”.

Vivo em uma cidade que recebeu o seu nome, e aqui há um apóstolo que após as pregações distribui lencinhos vermelhos encharcados de suor, e as pessoas levam pra casa, como fizeram em Éfeso, imaginando que afastarão enfermidades [10]. Sim, eu sei que você nunca ordenou isso, nem colocou como doutrina para a igreja nas epístolas, mas sabe como é o povo....

Admiro sua coragem por ter expulsado um “espírito adivinhador” daquela jovem [11], embora isso tenha lhe custado a prisão e açoites. Você não se deixou enganar só porque ela acertava o prognóstico. Hoje há uma profusão de pitonisas e prognosticadores no meio do povo de Deus, todavia esses espíritos não são mais expulsos, ao contrário, nos reunimos ansiosos para ouvir o que eles têm a dizer para nós.

Gostaria de ter conhecido os irmãos bereanos que você elogiou. Infelizmente, quase não existem mais igrejas como as de Beréia, que recebam a palavra com avidez e examinem as Escrituras “todos os dias para ver se as coisas são de fato assim”[12].

Tem hora que a gente desanima e se sente fragilizado como Timóteo, o seu companheiro de lutas. Mas que coisa bonita foi quando você o reanimou insistindo para que reavivasse “o dom de Deus” que havia nele [13]. Estou lhe confessando isso, pois atualmente 90% dos pregadores oferecem uma “nova unção” para quem fraqueja. Amo esta sua exortação, pois você ensina que dentro de nós já existe o poder do Espírito, dado de uma vez por todas, e não precisamos buscar nada fora ou nada novo!

Nossos cultos não são mais como em sua época, onde a igreja se reunia na casa de um irmão, havia comunhão, orações, e a palavra explanada era o prato principal.... as coisas mudaram: culto agora é como fosse um show, a fumaça não é mais da nuvem gloriosa da presença de Deus, mas do gelo seco, e a palavra é só para ensinar como conseguir mais coisas do céu.

O Espírito lhe revelou que nos últimos tempos alguns apostatariam da fé “por obedecerem a espíritos enganadores” [14]. Essa profecia já está se cumprindo cabalmente, e creio que de forma irreversível.

Amado apóstolo, sinto ter lhe incomodado em seu merecido descanso eternal, mas eu precisava desabafar. Um dia estaremos todos juntos reunidos com a verdadeira Igreja de Cristo.

Maranata!
Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

[1] At 20.23
[2] 1Tm 6.10
[3] 1Co 4.-9-13
[4] Gl 2.4
[5] Rm 7.19
[6] 2Co 10.10
[7] Gl 4.13-15
[8] 1Tm 5.23
[9] Fp 3.8
[10] At 19.12
[11] At 17.18
[12] At 17.11
[13] 2Tm 1.6
[14] 1Tm 4.1

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

VOLTANDO PARA JERUSALÉM (Lucas 10. 30-37)

Nem sempre somos capazes de extrair a essência das coisas que vemos, que ouvimos ou que lemos. Elas são muito mais complexas do que sua simples aparência. Há, por detrás delas, todo um processo antes de se tornarem como são. Por exemplo: Uma flor; um passarinho; uma borboleta; Ah!, um ser humano... !!! Imagine o processo pelo qual passaram antes de se tornarem como que são. Não surgiram prontas, de imediato, na forma que as vemos.

Tenho uma admiração especial pelas parábolas de Jesus, não apenas pela simplicidade das coisas de que ele se utiliza para ensinar, mas, acima de tudo, porque ele não as entrega prontas, hermeticamente fechadas; na forma da maioria de nossos discursos modernos. Esta é a razão principal pela qual nós, pregadores do evangelho, não temos nossos repertórios expirados e podemos renová-los sempre, embora os textos continuem lá, escritos da mesma forma, como da primeira vez que os lemos. Esta é, para mim, a maior beleza das parábolas!

Creio já ter pregado sobre todas as parábolas de Jesus e verdade é que tenha explorado algumas muito mais que outras. O que podemos então tirar da parábola do “Bom Samaritano”, exaustivamente tão pregada? Ajude-me a conferir e perdoe-me em meus “devaneios”.

Jesus inicia sua narrativa com a seguinte expressão: “Certo homem...”. Se posso continuar afirmando que os detalhes mais importantes passam despercebidos aos nossos olhos, então dissequemos um pouco mais este “certo homem”: Com certeza, ele tinha um nome; era filho de algum casal que um dia se alegrou com o seu nascimento e cuidou dele até que ele se tornasse independente; deveria ganhar a vida de alguma forma; talvez tivesse uma esposa e alguns filhos esperando que ele voltasse para casa naquela fatídica tarde; ele já havia escrito centenas, senão milhares, de seus feitos nas páginas do “livro da história de sua vida” (...). E Jesus nem ao menos menciona o seu nome?!. Por quê? Isso não era importante para Jesus?

É possível que você, neste exato momento, esteja se perguntado: “Será que o pastor é o único que não sabe que uma parábola é uma narração alegórica, na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior e, por este motivo não se atribui nomes aos personagens? Minha resposta é não. É claro que sei destas coisas, porém, no melhor da minha humildade pediria a você que ponderasse comigo nestas questões. Sei que você conhece muito bem esta história e pode até me ensinar muitas lições a respeito dela. Ninguém jamais foi capaz de valorizar o ser humano além de Jesus. Todas estas coisas que dissemos, Jesus conhece infinitamente mais que nós e, como você sabe, seu foco nesta parábola era confrontar o legalismo e o ritualismo da religião por parte da classe dominante do Templo. Porém, permita-me desviar este foco para o terreno pastoral, por ser este o meu ministério. Tenho ouvido muitas pessoas eruditas afirmar que “texto fora de contexto torna-se pretexto para heresias” e não posso contestar esta verdade, mas tentarei ser uma exceção, ou seja, usar o texto como pretexto sem cometer as heresias.

Após a expressão “certo homem”, Jesus emenda: “descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair nas mãos dos salteadores...”. Sob a ótica pastoral, ao ler esta frase, salta-me aos olhos outra mensagem pouco explorada pelos pregadores. Ela é um dos órgãos vitais dentro deste texto.

Jerusalém > (Hb) “Habitação da Paz”, estava situada a uns 50 km do Mar Mediterrâneo e a 22 km do Mar Morto, a uma altitude de 765m. Na bíblia é também chamada de Salém (Gn 14. 18), cidade de Davi (I RS 2. 10), Sião (I RS 8. 1), cidade de Deus (Sl 46. 4), cidade do Grande Rei (Sl 48.2), Cidade de Justiça (Is 1. 26), Lareira de Deus (Is 29. 1). Jerusalém era também chamada “A Cidade Santa”. Era a cidade que abrigava o “Grande Templo”. Em Jerusalém estava a bênção de Deus. Quem sabe se aquele homem não fora alguém criado em Jerusalém? Seus pais o haviam ensinado sobre os costumes do seu povo, a valorizar o templo como “o lugar da bênção de Deus”; “a não se misturar com os samaritanos, por serem impuros”. Certo é que para os judeus Jerusalém era a cidade santa, o lugar da adoração.

Por outro lado, Jericó > (Hb) “Lugar de Fragrância”, era uma cidade situada 9 km a oeste do Rio Jordão e 11 km ao norte do Mar Morto e ficava a 240 metros abaixo do nível do mar.
Era, provavelmente, a cidade mais antiga do mundo. Jericó era também chamada de “Cidade das Palmeiras” (Cf. Dt 34. 3). Imagino, talvez pela exuberante beleza das palmeiras, Jericó como uma cidade linda, porém, ao contrário de Jerusalém, Jericó era considerada “o lugar da maldição” (Cf. Josué 6. 26; I Reis 16. 34).

“veio a cair nas mãos de salteadores”: Aquele homem saiu do “lugar da bênção” para o “lugar da maldição”. Como pode perceber qualquer bom exegeta, começo aqui a distanciar-me um pouco mais do foco explorado pela maioria, mas como disse no início, não tenho a pretensão de apresentar nenhum tratado teológico., mas uma singela meditação pastoral. Pode alguém esperar algo de bom longe do lugar da bênção?
“depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto”.

Foi o próprio Senhor Jesus quem disse (João 10. 10): “O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.
Ele respirava, seu coração batia, porém, ele estava entre a vida e a morte. Um semimorto é alguém que precisa de socorro urgente. Precisa de alguém para cuidar dele, senão ele morre!

Enquanto aquele homem estava ali semimorto passou um sacerdote, depois um levita, mas não o socorreram. Os sacerdotes e os levitas eram homens da elite no judaísmo. Estavam a serviço do Templo, o orgulho dos judeus. Eles detinham o poder em suas mãos, mas faltava-lhes a compaixão! Certa vez, por ocasião de um ministerial de pastores, ouvi do bispo João Carlos uma expressão que nunca saiu de minha mente: “Não conheço nenhuma Igreja que não faça reuniões de “busca de poder”, mas nunca encontrei alguma que faça reuniões de “busca de misericórdia!”. Poder nas mãos de quem não tem misericórdia pode se tornar um grande desastre. Um bom exemplo disso talvez seja o caso de Hitler e de seus aliados. Às vezes pergunto em minha Igreja: Estamos conscientes do motivo pelo qual estamos pedindo poder?

Quem socorreu aquele homem? Um samaritano > natural de Samaria, a capital do Reino do Norte. Os samaritanos eram considerados estrangeiros e impuros pelos judeus. Jesus, sutilmente ironizando a conduta dos “poderosos” queria colocar em cheque a religiosidade ritualista dos judeus, mostrando que a compaixão deveria preceder ao ritualismo.
Uma das célebres frases de John Wesley foi: “Não tenho medo que os metodistas venham a sumir da face da terra, mas que se tornem em uma seita fria, com a aparência de religião, mas sem o poder dela”.

“O samaritano compadeceu-se dele”: O samaritano tinha o que faltava naqueles religiosos, a compaixão Jesus curava porque tinha compaixão e o amor ao próximo! É possível alguém estar cheio de poder, mas não estar fazendo a vontade de Deus. “Poder sem compaixão mata!”

“Aplicou-lhe óleo e vinho”: Óleo > Unção. Vinho > Alegria. Contextualizando, Jesus apanha um semimorto e aplica-lhe a unção do Espírito Santo e a alegria da salvação. Alguém, apenas com sua vida natural, é um semimorto! Há muita gente semimorta hoje! O coração está batendo, continuam respirando, mas estão semimortos. Quantos semimortos ainda não foram apanhados e tratados? São moribundos espirituais que irão morrer sem salvação porque os “modernos sacerdotes e levitas” estão passando sem se importar com eles. Muitas vezes nos gabamos de sermos o povo escolhido de Deus, porém, falhamos com o nosso próximo! Deixamos de fazer as obras de misericórdia, pois afinal de contas “elas não podem nos salvar”. Não podemos ser confundidos com os católicos e com os espíritas que as fazem por julgá-las meritórias à salvação! Seriam eles os samaritanos que fazem hoje o que estamos deixando de fazer?(!). Aquele homem teria morrido se não fosse socorrido a tempo. Quantos jazem semimortos tão perto de nós e, fatalmente, morrerão sem o nosso socorro?

“...e aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que gastares a mais, eu to pagarei quando voltar”.

A “hospedaria” aqui pode representar a “Igreja”, e o pastor, o “hospedeiro”. Mais uma vez salta-me aos olhos uma mensagem que transcende ao social e/ou ao religioso e aponta para o escatológico. Preocupa-me, tanto a forma quanto a “essência”, dos “discursos modernos”. Perdemos o foco do Evangelho de Jesus, da “Velha História”. Nossos eventos adotam muito mais um estilo festivo do que evangelístico. Preocupamo-nos muito mais com a promoção de “Shows Gospel” e, para isso pagamos uma boa soma de dinheiro para termos aqueles que estão na mídia, que arrastam atrás de si multidões histéricas em busca do imediato. Na verdade, muitos destes “artistas gospel” jamais tiveram uma experiência real com o Senhor Jesus. Plagiando o Rev. Caio Fábio: “Apenas pularam de um palco para o outro”. É certo que enchemos nossas Igrejas nestes dias, mas na maioria, são pessoas “professas”(?) arroladas nas mais diversas denominações. Estas, por sua vez, não buscam a Jesus, mas o “artista” e o saldo de convertidos é irrisório diante de tamanha mobilização. “Pastores” que mais se assemelham aos grandes empresários exibem suas “igrejas” (empresas?) onde conversões ficam em segundo plano e o parâmetro que avalia o sucesso do seu ministério é o capital. Para justificarem seus devaneios chegam a distorcer o genuíno sentido da Palavra de Deus em seu próprio benefício. Onde Jesus demonstra humildade ao montar um jumentinho, por ocasião de sua entrada triunfal em Jerusalém, justificam-se os modernos “apóstolos” que era um “animal 0 km”. É possível até que algum deles já tenha se arriscado a dizer a raça: “Mercedes Benz, Honda, Corola ou, quem sabe se não fora um da raça Ferrari?

Permitam-me retornar às minhas “extravagâncias teológicas”: ERRATA: Onde se lê, em sua Bíblia dois denários (o valor de dois dias de trabalho. Lucas 10. 35) leia-se qualquer outra cifra que você puder imaginar...

Um dia eu também estive semimorto! Meus pais criaram-me em “Jerusalém” (Igreja), mas eu desci para “Jericó”. Fui atraído pelo perfume e pela beleza das palmeiras de Jericó. Fui apanhado pelos “salteadores”, e eles me tiraram tudo (a alegria da salvação, minha comunhão com Deus e com os irmãos), e me deixaram “semimorto”. Eu respirava, meu coração batia, mas eu não conseguia enxergar! Não foi em um megaevento que Jesus me apanhou e cuidou de mim. Foi numa sexta-feira, numa reunião de oração em uma pequena igreja em Barra Mansa, por volta das 23h, no ano de 1972. Se havia ali algum artista, esse era o próprio Senhor Jesus. Ele restaurou-me a imagem e a semelhança de Deus que havia se corrompido, curou todas as minhas feridas emocionais com o óleo do Espírito aplicou-me o vinho da alegria da salvação. Jesus deu dois denários ao pastor para cuidar de mim e, creio mesmo que ele tenha gasto comigo bem mais que isso, porém, Jesus o recompensará quando voltar!

Hoje, pela misericórdia do Senhor, cuido de uma pequena hospedaria em um bairro carente de Volta Redonda, onde o Senhor tem-me confiado muitos feridos para serem tratados e me sinto muito abençoado por isso. Que o Senhor me ajude a ser encontrado fiel. SOLI DEO GLÓRIA!!!



Pr. Antônio Luiz.
03/09/08