sexta-feira, 18 de junho de 2010

RAZÃO E SENSIBILIDADE

“Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10.16)

O filme inglês Razão e Sensibilidade (1995) narra a história de duas irmãs que diante das dificuldades financeiras da família adotaram formas diferentes de enfrentar a vida: uma, mais prática, valeu-se da razão como condutora de suas decisões e a outra apoiou-se na emotividade como resposta. Na verdade, e a grosso modo, este é um pêndulo que todos nós precisamos aprender a nos equilibrar.
Carl Gustav Jung desenvolveu a teoria que possuímos quatro funções psicológicas fundamentais: pensamento, sentimento, sensação e intuição. A seu ver, saudável é aquele capaz de transitar bem em cada uma dessas funções, para poder dar a melhor resposta que o momento exige. Coisa difícil, pois o problema é que costuma haver a preponderância de uma delas, que ele chama de “função superior”, e uma conseqüente dificuldade de transitar pelas outras funções.
Jesus deseja trazer unidade, equilíbrio e estabilidade à nossa personalidade. Da mesma forma que o Eterno organizou o caos do Universo, ele também pode trazer harmonia e beleza a cada um de nós. Ao preparar seus discípulos para enfrentar as duras experiências da vida de fé, Jesus adverte-lhes para que fossem “prudentes como as serpentes e simples como as pombas”. Ou seja, o Mestre os instrui para combinar a prudência, sagacidade e inteligência própria dos ofídicos, aliada à simplicidade das pombas. Numa tradução mais livre, que complementassem a razão com a sensibilidade.

Quando não desenvolvemos adequadamente a razão, tornamo-nos presas fáceis dos enganos e sofismas, e alguns, “tendo rejeitado a boa consciência, vieram a naufragar na fé" (1Tm 1.19). Somente crer não basta: também é preciso pensar corretamente.

Abandonando a razão e a boa consciência, nos tornamos como irracionais, e foi isso que quase levou o salmista Asafe a “escorregar”. Mas ele confessa e reconhece a origem de seu problema: “eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à Tua Presença” (Sl 73.22).

A irracionalidade nos aproxima dos animais e nos leva a agir mediante impulso. “Não sejais como o cavalo ou a mula, sem entendimento” (Sl 32.9), diz a bíblia. Confesso que os erros cometidos em minha vida – e não foram poucos – quase sempre ocorreram quando deixei a razoabilidade de lado. Ao abandonar a racionalidade, passamos a decidir com o fígado. Creiam-me: a bílis é uma péssima conselheira.

A primeira vítima do agir irracional é o diálogo. Já tentou conversar, num bom nível, com alguém exasperado? Desista, pois as palavras que você diz nunca serão as palavras ouvidas. Muitos confessam depois: “fiquei como fora de mim”. Ora, quem está “fora de si” não tem como analisar corretamente o que estão lhe falando. Peça para alguém irado definir algumas pessoas ao qual não mantém bom relacionamento, e você verá o quanto a raiva “deforma” e “demoniza” o outro. É por isso que Paulo pede que sempre “a paz de Cristo seja o árbitro no coração”.

Há sempre a possibilidade de o pensamento tornar-se a “função superior”. Até aí nada demais, porém se ele estiver desacompanhado da sensibilidade, para lhe dar equilíbrio, sensatez e temperança, o resultado pode ser nefasto. A posse da razão, sem o freio da sensibilidade, torna as pessoas cruéis, cheias da “verdade”. Deus nos livre dos cheios de razão.
Quando os aspectos saudáveis da sensibilidade são rejeitados, sem possibilidade de aflorar para fazer parte da personalidade, acaba por deixar a pessoa “pesada”, faltando-lhe a leveza, o bom-humor, o chiste. Ora, tudo que é rejeitado em nós ou impedido de se manifestar não pode contribuir no desenvolvimento do ser. E o que é pior: adoenta.

Por outro lado, possuir sensibilidade sem o apoio da razão produz gente “hipersensível”, que faz drama dos menores e irrelevantes acontecimentos, dá um valor excessivo aos seus sentimentos, e o mundo é visto e julgado – não a partir da realidade – mas do que ele está sentindo. É claro que se decepciona facilmente com todos que o cercam, e vive em constante flutuação emocional.

É preciso saber para que lado pendemos e que aspectos importantes da vida não estão sendo vivenciados. O Senhor espera de nós um desenvolvimento de todas as funções próprias de uma personalidade saudável. Se assim não for, ficaremos eternamente presos às reações infantis, e aos pensamentos próprios da adolescência.

As coisas espirituais são assim: requerem o empenho da totalidade da constituição de nosso ser, para que não sejamos cristãos “mancos” que vivem parcialmente de suas funções. É por isso que somente podemos amar a Deus de verdade se for de todo nosso coração, toda nossa alma, todo nosso entendimento e toda nossa força (Mc 12.30).

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Eliabe-“ismo”: Resquícios da personalidade de Eliabe, irmão de Davi, na geração chamada pós-moderna - somos seres funcionais, nada mais que isso

1Sm 17.28: Ouvindo-o Eliabe, seu irmão mais velho, falar àqueles homens, acendeu-se-lhe a ira contra Davi, e disse: Por que desceste aqui? E a quem deixaste aquelas poucas ovelhas no deserto? Bem conheço a tua presunção e a tua maldade; desceste apenas para ver a peleja.

A Bíblia é também uma inspiração divina que fala do ser humano nos seus momentos críticos-existenciais; situações que a humanidade se percebe exposta e vulnerável à inimigos maiores e melhor preparados. O caso de Eliabe e Davi ilustra muito bem isso, o cenário em que se desenrola o texto bíblico é de um exército com medo de um gigante filisteu chamado Golias.

Um momento de descontrole emocional causado por uma tensão, não necessariamente me faz agir descontroladamente, pode, pelo contrário, fazer pular de dentro de mim aquele meu jeito real de enxergar a vida, e de tratar cada pessoa conforme eu sempre achei que elas deveriam ser tratadas. O desabafo do irmão mais velho de Davi, Eliabe, quando se reportou ao mais moço da casa de seu pai Jessé, nos fala muito sobre o que Eliabe pensava dentro de si sobre seu irmão Davi.

O descontrole psicológico, gerado pela presença marcante do gigante, fez com que Eliabe colocasse para fora o que ele pensou sobre Davi talvez durante todos os anos de convivência familiar, desde a infância. E mais, na fala de Eliabe fica-nos revelado um problema social concreto: o perigo de olhar as pessoas a partir de suas funções – funcionalismo - à isso eu chamei de Eliabe-ismo - que não me queimem por isso nos caldeirões efervescentes dos laboratórios de filologia.

A tendência de Eliabe é a nossa tendência

Davi foi levar lanche para seus irmãos que estavam acampados preparando-se para a batalha contra os filisteus. Segundo o relato bíblico, o comentário de Davi sobre o gigante incircunciso de Gate ter afrontado o nome do seu Deus, enfureceu Eliabe.

A tendência de Eliabe é a nossa tendência: quando não podemos com “o maior” (gigante), focamos nossa raiva contra “o menor”; contra alguém que eu sei - vou conseguir exercer poder e domínio. Fazemos isso, conscientes ou inconscientes, às vezes pelo simples prazer ou necessidade de desabafar!

Numa atitude incontrolável na tentativa de aliviar a minha tensão, ou aquilo que me aflige e angustia, fujo do gigante: fujo dos problemas reais! Conseqüentemente eu ataco alguém que é um irmão, uma irmã da casa de meu pai.

A “geração Eliabe” também não aceita que um pastor de ovelhas, e/ou um entregador de lanches, derrube gigantes. Isso nos parece estranho demais aos olhos e soa desconectado nos nossos ouvidos.

Imagine o Jornal Nacional noticiando que um caseiro, zelador da fazenda do patrão, ou um entregador de pizza, conseguiu sozinho montar a defesa de seu filho acusado injustamente diante de um tribunal implacável – defesa que o libertou definitivamente. Isso sabemos ser possível, mas a verdade é que algo parece ficar fora dos seu “devido lugar”; a pergunta que salta é: mas e o/ advogado/a?

Pois foi algo semelhante que aconteceu com Davi, vítima da agressão de seu irmão mais velho que havia sido preparado para ser guerreiro. No manual de “Eliabe-ísmo”, guerreia quem foi preparado para guerrear; meu irmão mais novo do que eu, um menino, um cuidador de animais, um entregador de lanches, não derruba gigantes: sua função não é essa!

A atitude de Davi nos serve de inspiração
Nesse mesmo capítulo 17, no versículo 30, percebemos uma atitude fantástica da parte de Davi. Ele não argumentou com seu irmão numa tentativa de prová-lo alguma coisa; ele simplesmente desviou-se de Eliabe. Desviar-se? nós precisamos aprender mais sobre isso!

Tempos modernos exigem de nós que nos especializemos cada vez mais num montão de coisas. Exige de nós habilidades diversas, e mais do que isso, nos faz ser o que sabemos fazer. “Funcionamos” nos confundindo com as máquinas, transformando-nos em seres funcionais, e somente isso. Recebemos pela nossa função, nos relacionamos por elas, nos organizamos à partir delas, sobrevivemos por elas; etc, etc, etc.

Davi nos mostra que podemos sim: cuidar de ovelhas, e entregar o lanche quando nosso pai mandar; mas podemos também derrubar gigantes. Não existe aqui a discussão da “função”, a questão é se estou ou não disposto à derrubar “o gigante de cada dia”. O exército de Israel, embora preparado, amedrontado pelo tamanho do gigante se escondeu; não estavam dispostos e determinados a derrubá-lo. Davi, além de determinado, tinha a fé em Deus de que aquele gigante cairia por terra.

O que precisamos aprender e guardar é que, antes de partir para a luta contra o gigante Davi precisou cuidar da fúria do seu irmão; um de dentro da própria casa. Muitas vezes nos vemos nessa situação, saímos para derrubar o gigante, mas perdemos a batalha porque alguém “de dentro” ainda acha que eu não deveria ou não poderia fazer isso.

Antes de sair para derrubar o Golias, desvie-se dos iracundos que teimam em te dizer onde é o seu lugar, de onde nunca deveria ter saído. Isso parece um detalhe bobo, mas ninguém vence o gigante que está “lá fora”, se antes não se desviar dos irmãos de dentro, aqueles que querem te amarrar nas suas funções e ler você à partir do que você sabe ou não fazer.

Conclusão

Deus quer usar você, não importa a sua função, antes sim sua fé disposição em derrubar gigantes. Mas antes disso você precisa de disposição de se desviar dos que tentam te aprisionar nas funções e fazer dela sua camisa de força.

Frase: uma daquelas que mexe com a gente ...

"O verdadeiro sinal do cristianismo não é uma cruz, mas uma língua de fogo" (S. Chadwick).

Não que eu concorde plenamente com ela, mas a verddade é que ela nos faz pensar ....

Frase: uma daquelas que mexe com a gente ...

"O verdadeiro sinal do cristianismo não é uma cruz, mas uma língua de fogo" (S. Chadwick).

Não que eu concorde plenamente com ela, mas a verddade é que ela nos faz pensar ....

sábado, 12 de junho de 2010

NEM TUDO VAI DAR CERTO (BEM-VINDO À FÉ)

Seu mundo caiu, a doença chegou, a oração não vingou, a esperança falhou? Mas você ergueu a cabeça, enxugou as lágrimas e agradeceu a Deus pela vida? Bem-vindo à fé.

Acabaram-se as certezas, não há garantias, e os amigos sumiram? E mesmo assim você sorri à criança que passa, e de repente se pega cantando? Então, você adentrou ao círculo da fé.

A família lhe questiona: “O teu Deus, onde está?”, e quando você ora, costuma pedir: “Senhor, ajuda-me na minha falta de fé”? Então saiba que você foi admitido a um restrito grupo de pessoas espalhadas pelo mundo afora, que nos últimos dois mil anos se uniram em torno de uma cruz.

Que fique claro: não se trata de “fé na fé”, e nem de “fé em si mesmo”, como tentam nos passar os livros de auto-ajuda, mas fé no Deus da vida que é Senhor sobre todas as coisas.
Esqueça aquela visão do “venha para Jesus e dê adeus aos seus problemas”. Não dê ouvidos se lhe disserem que agora é só vitória, alegria e ausência de dificuldades. Jesus nunca prometeu que elas acabariam, mas pediu que tão somente crêssemos Nele.

Confesso que é bastante tentador viver a fé no modo condicionante, à maneira de Jacó:
“Se Deus for comigo, e me guardar na jornada... e me der pão para comer.... e me der roupa para vestir... e eu volte em paz para casa, então o Senhor será o meu Deus” (Gn 28.20-22).

Ou seja, Jacó apresentou um “pacote” a Deus: pediu a Sua presença, proteção, roupas, provisão, e sucesso na empreitada.... e caso recebesse, então, o Senhor seria o seu Deus. É a fé que coloca Deus contra a parede.

Mesmo com todas as promessa divinas estampadas claramente nas páginas das Sagradas Escrituras a todo aquele que crê, também somos como “Jacós” modernos, e fazemos lá nossas propostas para arrancar algo de Deus, numa clara demonstração que ainda não compreendemos muita coisa do seu amor.

Os pregadores da prosperidade vivem barganhando com Deus. E multidões indo atrás. Não se impressione com aqueles testemunhos de gente que tirou a “sorte grande” com Deus. Pra cada um que vai lá falar, há milhares que estão virando as costas ao Eterno por Ele não ter “cumprido” sua parte. Mas isso jamais será mostrado.

Tudo vai dar certo? Não, nem tudo vai dar certo! Coisas ruins podem acontecer a pessooas. Habitamos um mundo decaído, onde a morte, as doenças, e a injustiça podem resvalar em nós.

O profeta Habacuque nos leva para uma trilha dos que já entenderam melhor o amor de Deus. É a fé dos que não precisam de provas constantes da fidelidade divina, é a fé dos que perderam, mas na derrota ganharam, é a fé dos que nada tem, mas vivem como se tivessem tudo, e se aquietam mesmo diante do mais absoluto silêncio dos céus. Amar ao Eterno também é compreender a Sua ausência e os seus “nãos” para a nossa vida.
Esses são os que foram “apedrejados, provados, afligidos, maltratados” (Hb 11.37) e que não obtiveram a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a eles (Hb 11.39-40). Sim, é isso: aos nossos olhos, fracassaram, perderam. Aos olhos da fé, venceram.
A palavra-chave na vida desses cavaleiros da fé não é “se”, mas “ainda que”:

Ainda que a figueira não floresça,

Ainda que não haja fruto na videira;

Ainda que os campos não produzam mantimento....

Todavia, eu me alegro no Senhor.

Normalmente ficamos nos perguntando o porquê de certos acontecimentos, se é ação do Mal ou mera contingência da vida.... mas como explicar alguma coisa se a própria bíblia diz que “há justo que perecerá na sua justiça, e há perverso que prolongará os seus dias na perversidade” (Ec 6.15)?

Não se sustenta a idéia de que os filhos de Deus só receberão "coisas boas" na vida. Quando Paulo diz que “todas coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”, esse “bem” não significa necessariamente vida confortável, riqueza ou saúde, mas um “bem” que não está restrito à nossa limitada e finita visão material... Charles Spurgeon sofreu de gota e artrite a maior parte de sua vida, Calvino de uma dor de cabeça crônica, John Wesley não teve propriamente um casamento feliz, e Lutero lutava diariamente contra a depressão. Isso apenas para ficarmos em alguns homens de fé do passado.

Por isso, quando você orar, não espere que somente as coisas exteriores sejam passiveis de mudança. Possivelmente a resposta de Deus já foi dada, onde não foi mudado “lá fora”, mas “dentro” de você.

No mundo sempre haverá aqueles como Jacó que crerão em Deus somente se forem “abençoados” Há os como Habacuque que não se importarão e dirão sob quaisquer circunstâncias: “ainda que”. Estes aprenderam a viver contente em qualquer circunstância.

Viver pela fé é reconhecer que o Eterno de alguma forma estará por perto quando os dias maus chegarem.... e eles vão chegar. É saber que mesmo andando no deserto, às vezes Deus coloca um oásis para nós, para renovar nossas forças e nos alegrar. E nada neste mundo, nem morte, dor, doenças, solidão, incompreensão, poderá nos separar do amor de Cristo.
Deus é sensível aos mais leve movimento do coração em sua direção. Faça isso agora. Ele se agrada dos que esperam por Ele.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br