quarta-feira, 3 de setembro de 2008

VOLTANDO PARA JERUSALÉM (Lucas 10. 30-37)

Nem sempre somos capazes de extrair a essência das coisas que vemos, que ouvimos ou que lemos. Elas são muito mais complexas do que sua simples aparência. Há, por detrás delas, todo um processo antes de se tornarem como são. Por exemplo: Uma flor; um passarinho; uma borboleta; Ah!, um ser humano... !!! Imagine o processo pelo qual passaram antes de se tornarem como que são. Não surgiram prontas, de imediato, na forma que as vemos.

Tenho uma admiração especial pelas parábolas de Jesus, não apenas pela simplicidade das coisas de que ele se utiliza para ensinar, mas, acima de tudo, porque ele não as entrega prontas, hermeticamente fechadas; na forma da maioria de nossos discursos modernos. Esta é a razão principal pela qual nós, pregadores do evangelho, não temos nossos repertórios expirados e podemos renová-los sempre, embora os textos continuem lá, escritos da mesma forma, como da primeira vez que os lemos. Esta é, para mim, a maior beleza das parábolas!

Creio já ter pregado sobre todas as parábolas de Jesus e verdade é que tenha explorado algumas muito mais que outras. O que podemos então tirar da parábola do “Bom Samaritano”, exaustivamente tão pregada? Ajude-me a conferir e perdoe-me em meus “devaneios”.

Jesus inicia sua narrativa com a seguinte expressão: “Certo homem...”. Se posso continuar afirmando que os detalhes mais importantes passam despercebidos aos nossos olhos, então dissequemos um pouco mais este “certo homem”: Com certeza, ele tinha um nome; era filho de algum casal que um dia se alegrou com o seu nascimento e cuidou dele até que ele se tornasse independente; deveria ganhar a vida de alguma forma; talvez tivesse uma esposa e alguns filhos esperando que ele voltasse para casa naquela fatídica tarde; ele já havia escrito centenas, senão milhares, de seus feitos nas páginas do “livro da história de sua vida” (...). E Jesus nem ao menos menciona o seu nome?!. Por quê? Isso não era importante para Jesus?

É possível que você, neste exato momento, esteja se perguntado: “Será que o pastor é o único que não sabe que uma parábola é uma narração alegórica, na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior e, por este motivo não se atribui nomes aos personagens? Minha resposta é não. É claro que sei destas coisas, porém, no melhor da minha humildade pediria a você que ponderasse comigo nestas questões. Sei que você conhece muito bem esta história e pode até me ensinar muitas lições a respeito dela. Ninguém jamais foi capaz de valorizar o ser humano além de Jesus. Todas estas coisas que dissemos, Jesus conhece infinitamente mais que nós e, como você sabe, seu foco nesta parábola era confrontar o legalismo e o ritualismo da religião por parte da classe dominante do Templo. Porém, permita-me desviar este foco para o terreno pastoral, por ser este o meu ministério. Tenho ouvido muitas pessoas eruditas afirmar que “texto fora de contexto torna-se pretexto para heresias” e não posso contestar esta verdade, mas tentarei ser uma exceção, ou seja, usar o texto como pretexto sem cometer as heresias.

Após a expressão “certo homem”, Jesus emenda: “descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair nas mãos dos salteadores...”. Sob a ótica pastoral, ao ler esta frase, salta-me aos olhos outra mensagem pouco explorada pelos pregadores. Ela é um dos órgãos vitais dentro deste texto.

Jerusalém > (Hb) “Habitação da Paz”, estava situada a uns 50 km do Mar Mediterrâneo e a 22 km do Mar Morto, a uma altitude de 765m. Na bíblia é também chamada de Salém (Gn 14. 18), cidade de Davi (I RS 2. 10), Sião (I RS 8. 1), cidade de Deus (Sl 46. 4), cidade do Grande Rei (Sl 48.2), Cidade de Justiça (Is 1. 26), Lareira de Deus (Is 29. 1). Jerusalém era também chamada “A Cidade Santa”. Era a cidade que abrigava o “Grande Templo”. Em Jerusalém estava a bênção de Deus. Quem sabe se aquele homem não fora alguém criado em Jerusalém? Seus pais o haviam ensinado sobre os costumes do seu povo, a valorizar o templo como “o lugar da bênção de Deus”; “a não se misturar com os samaritanos, por serem impuros”. Certo é que para os judeus Jerusalém era a cidade santa, o lugar da adoração.

Por outro lado, Jericó > (Hb) “Lugar de Fragrância”, era uma cidade situada 9 km a oeste do Rio Jordão e 11 km ao norte do Mar Morto e ficava a 240 metros abaixo do nível do mar.
Era, provavelmente, a cidade mais antiga do mundo. Jericó era também chamada de “Cidade das Palmeiras” (Cf. Dt 34. 3). Imagino, talvez pela exuberante beleza das palmeiras, Jericó como uma cidade linda, porém, ao contrário de Jerusalém, Jericó era considerada “o lugar da maldição” (Cf. Josué 6. 26; I Reis 16. 34).

“veio a cair nas mãos de salteadores”: Aquele homem saiu do “lugar da bênção” para o “lugar da maldição”. Como pode perceber qualquer bom exegeta, começo aqui a distanciar-me um pouco mais do foco explorado pela maioria, mas como disse no início, não tenho a pretensão de apresentar nenhum tratado teológico., mas uma singela meditação pastoral. Pode alguém esperar algo de bom longe do lugar da bênção?
“depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto”.

Foi o próprio Senhor Jesus quem disse (João 10. 10): “O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.
Ele respirava, seu coração batia, porém, ele estava entre a vida e a morte. Um semimorto é alguém que precisa de socorro urgente. Precisa de alguém para cuidar dele, senão ele morre!

Enquanto aquele homem estava ali semimorto passou um sacerdote, depois um levita, mas não o socorreram. Os sacerdotes e os levitas eram homens da elite no judaísmo. Estavam a serviço do Templo, o orgulho dos judeus. Eles detinham o poder em suas mãos, mas faltava-lhes a compaixão! Certa vez, por ocasião de um ministerial de pastores, ouvi do bispo João Carlos uma expressão que nunca saiu de minha mente: “Não conheço nenhuma Igreja que não faça reuniões de “busca de poder”, mas nunca encontrei alguma que faça reuniões de “busca de misericórdia!”. Poder nas mãos de quem não tem misericórdia pode se tornar um grande desastre. Um bom exemplo disso talvez seja o caso de Hitler e de seus aliados. Às vezes pergunto em minha Igreja: Estamos conscientes do motivo pelo qual estamos pedindo poder?

Quem socorreu aquele homem? Um samaritano > natural de Samaria, a capital do Reino do Norte. Os samaritanos eram considerados estrangeiros e impuros pelos judeus. Jesus, sutilmente ironizando a conduta dos “poderosos” queria colocar em cheque a religiosidade ritualista dos judeus, mostrando que a compaixão deveria preceder ao ritualismo.
Uma das célebres frases de John Wesley foi: “Não tenho medo que os metodistas venham a sumir da face da terra, mas que se tornem em uma seita fria, com a aparência de religião, mas sem o poder dela”.

“O samaritano compadeceu-se dele”: O samaritano tinha o que faltava naqueles religiosos, a compaixão Jesus curava porque tinha compaixão e o amor ao próximo! É possível alguém estar cheio de poder, mas não estar fazendo a vontade de Deus. “Poder sem compaixão mata!”

“Aplicou-lhe óleo e vinho”: Óleo > Unção. Vinho > Alegria. Contextualizando, Jesus apanha um semimorto e aplica-lhe a unção do Espírito Santo e a alegria da salvação. Alguém, apenas com sua vida natural, é um semimorto! Há muita gente semimorta hoje! O coração está batendo, continuam respirando, mas estão semimortos. Quantos semimortos ainda não foram apanhados e tratados? São moribundos espirituais que irão morrer sem salvação porque os “modernos sacerdotes e levitas” estão passando sem se importar com eles. Muitas vezes nos gabamos de sermos o povo escolhido de Deus, porém, falhamos com o nosso próximo! Deixamos de fazer as obras de misericórdia, pois afinal de contas “elas não podem nos salvar”. Não podemos ser confundidos com os católicos e com os espíritas que as fazem por julgá-las meritórias à salvação! Seriam eles os samaritanos que fazem hoje o que estamos deixando de fazer?(!). Aquele homem teria morrido se não fosse socorrido a tempo. Quantos jazem semimortos tão perto de nós e, fatalmente, morrerão sem o nosso socorro?

“...e aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que gastares a mais, eu to pagarei quando voltar”.

A “hospedaria” aqui pode representar a “Igreja”, e o pastor, o “hospedeiro”. Mais uma vez salta-me aos olhos uma mensagem que transcende ao social e/ou ao religioso e aponta para o escatológico. Preocupa-me, tanto a forma quanto a “essência”, dos “discursos modernos”. Perdemos o foco do Evangelho de Jesus, da “Velha História”. Nossos eventos adotam muito mais um estilo festivo do que evangelístico. Preocupamo-nos muito mais com a promoção de “Shows Gospel” e, para isso pagamos uma boa soma de dinheiro para termos aqueles que estão na mídia, que arrastam atrás de si multidões histéricas em busca do imediato. Na verdade, muitos destes “artistas gospel” jamais tiveram uma experiência real com o Senhor Jesus. Plagiando o Rev. Caio Fábio: “Apenas pularam de um palco para o outro”. É certo que enchemos nossas Igrejas nestes dias, mas na maioria, são pessoas “professas”(?) arroladas nas mais diversas denominações. Estas, por sua vez, não buscam a Jesus, mas o “artista” e o saldo de convertidos é irrisório diante de tamanha mobilização. “Pastores” que mais se assemelham aos grandes empresários exibem suas “igrejas” (empresas?) onde conversões ficam em segundo plano e o parâmetro que avalia o sucesso do seu ministério é o capital. Para justificarem seus devaneios chegam a distorcer o genuíno sentido da Palavra de Deus em seu próprio benefício. Onde Jesus demonstra humildade ao montar um jumentinho, por ocasião de sua entrada triunfal em Jerusalém, justificam-se os modernos “apóstolos” que era um “animal 0 km”. É possível até que algum deles já tenha se arriscado a dizer a raça: “Mercedes Benz, Honda, Corola ou, quem sabe se não fora um da raça Ferrari?

Permitam-me retornar às minhas “extravagâncias teológicas”: ERRATA: Onde se lê, em sua Bíblia dois denários (o valor de dois dias de trabalho. Lucas 10. 35) leia-se qualquer outra cifra que você puder imaginar...

Um dia eu também estive semimorto! Meus pais criaram-me em “Jerusalém” (Igreja), mas eu desci para “Jericó”. Fui atraído pelo perfume e pela beleza das palmeiras de Jericó. Fui apanhado pelos “salteadores”, e eles me tiraram tudo (a alegria da salvação, minha comunhão com Deus e com os irmãos), e me deixaram “semimorto”. Eu respirava, meu coração batia, mas eu não conseguia enxergar! Não foi em um megaevento que Jesus me apanhou e cuidou de mim. Foi numa sexta-feira, numa reunião de oração em uma pequena igreja em Barra Mansa, por volta das 23h, no ano de 1972. Se havia ali algum artista, esse era o próprio Senhor Jesus. Ele restaurou-me a imagem e a semelhança de Deus que havia se corrompido, curou todas as minhas feridas emocionais com o óleo do Espírito aplicou-me o vinho da alegria da salvação. Jesus deu dois denários ao pastor para cuidar de mim e, creio mesmo que ele tenha gasto comigo bem mais que isso, porém, Jesus o recompensará quando voltar!

Hoje, pela misericórdia do Senhor, cuido de uma pequena hospedaria em um bairro carente de Volta Redonda, onde o Senhor tem-me confiado muitos feridos para serem tratados e me sinto muito abençoado por isso. Que o Senhor me ajude a ser encontrado fiel. SOLI DEO GLÓRIA!!!



Pr. Antônio Luiz.
03/09/08