terça-feira, 30 de março de 2010

Páscoa Cristã: a fidelidade de Deus em meio à infidelidade humana


Pr. Ronan Boechat de Amorim*
Com toda certeza, a Páscoa Cristã é tempo de alegria, louvor, festa, gratidão e vitória, pois Jesus venceu a morte e ressuscitou, oferecendo-nos generosamente o perdão pela sua morte na cruz por todos os nossos pecados e a salvação para uma vida abundante e eterna.

Mas se a Páscoa Cristã, por um lado, fala do amor, da generosidade, do perdão e da fidelidade de Deus; por outro, denuncia a infidelidade humana a Deus, ao Evangelho, ao Reino de Deus, à Aliança estabelecida em Jesus.

Apenas alguns dias após ser aclamado e reverenciado durante a sua entrada triunfal na cidade de Jerusalém (Mt 21.1-7), Jesus experimenta rejeição, traição, abandono e uma tremenda solidão. Se a multidão, num momento, aplaude e louva; no outro, troca Cristo e seu Evangelho de Paz por Barrabás e sua luta armada contra o Império Romano. E, além do desprezo notório, a multidão quer espetáculo. E, como num show de horrores, pede a crucificação de Jesus.

Algumas infidelidades e traições humanas:

1. Jesus foi perseguido cruelmente pelos religiosos supostamente em nome do Deus (que se encarnou e veio em Jesus para nos salvar), matando, assim, o Filho de Deus em nome do próprio Deus.

2. Jesus foi traído por Judas Iscariotes, um de seus 12 discípulos, por 30 moedas de prata (Mt 26.14-16).

3. Pedro, um dos discípulos mais chegados a Jesus, o trai, negando-o por três vezes seguidas (Mt 26.69-75).

4. Marcos ou João Marcos, que mais tarde será discípulo de Paulo e Barnabé e que escreverá a primeira versão do Evangelho, foge nu, deixando para trás as próprias roupas (Mc 14.51-52).

5. Praticamente todos os discípulos e discípulas de Jesus, desesperançosos, abandonam o seguimento de Jesus, retornando para a "velha vida" de antes de conhecerem a Jesus. É o caso, por exemplo, dos discípulos que fogem de Jerusalém para retomar a "velha vida" em Emaús (Lc 24.13-35).

6. Os que não fogem ficam de longe, escondidos no meio da multidão, tal como as mulheres mencionadas em Mateus 27.55.

7. Outros continuam em Jerusalém amedrontados e escondidos numa casa com as portas bem trancadas (Jo 20.19 e 26).

Pode parecer bobagem, mas faço questão de explicitar que a infidelidade e traição a Deus é natural e obrigatoriamente também infidelidade e traição ao Reino de Deus, ou seja, à justiça, à ética, à solidariedade, à paz, à tolerância, ao projeto igualitário, à humanização das relações pessoais, etc.

A traição e infidelidade a Deus é traição ao projeto de sermos realmente pessoas humanas. Quanto mais distante e rompido com Deus, seu Evangelho e seu Reino, mais desumanos nos tornamos. É a presença e o amor de Deus que nos humanizam, nos convertendo às relações humanas e humanizadas, nos capacitando para o amor ao próximo, à promoção e construção da paz e da solidariedade, à prática da justiça e da tolerância...

O ser humano distante ou sem Deus é um ser profundamente desumano, por mais religioso e supostamente cristão que possa parecer. Felizmente a Igreja e Deus são diferentes. Graças a Ele que não são a mesma coisa nem se confundem. Pois há gente que está na Igreja há cinco, dez, vinte, cinquenta anos e que ainda não conheceu o amor, a graça salvadora e a intimidade do Senhor. Há gente que está na igreja, ocupa cargos importantes e de liderança, às vezes são religiosos(as), padres e pastores(as), bispos(as), etc, e que não conhece o amor e a graça salvadora e a intimidade do Senhor. Tão religiosos e nada espirituais. Supostamente tão pertos de Deus, mas na prática distantes infinitamente. Supostamente discípulos, seguidores, fiéis... mas na prática indiferentes, traidores, infiéis.

O próprio Senhor Jesus disse que se conhece a árvore pelos seus frutos. Mesmo uma árvore centenária plantada nos átrios do Senhor. De onde está pode-se ouvir os louvores e a proclamação da Palavra Sagrada. Mas isso não quer dizer absolutamente nada em termos de espiritualidade. Pois, como diz o apóstolo Paulo, só quem ama cumpre toda a Lei (mandamentos, vontade) de Deus.

Páscoa Cristã, a manifestação da fidelidade de Deus em meio à infidelidade e traição humanas. Páscoa Cristã, tempo de reafirmar nosso amor para com Deus, nosso compromisso para com o Evangelho, nossos serviços em prol do Reino de Justiça e Paz, nossa vida em prol de um mundo segundo o coração de Deus (tão claramente anunciado, publicado e explicitado em Jesus).

Celebremos com gratidão e alegria a ressurreição de Jesus, sem a qual nossa fé seria vã. E oremos para não cairmos na indiferença, tentação, infidelidade e alienação em relação ao Reino de Deus.

Feliz Páscoa! Que o Ressuscitado esteja em seu coração, iluminando sua vida, seus relacionamentos, seus caminhos e seu jeito de caminhar


* Ronan Boechat de Amorim é pastor da Igreja Metodista de Vila Isabel e coordenador do Conselho Editorial do Jornal Avante