domingo, 21 de setembro de 2008

O que estão fazendo da Bíblia?

“Se o patriotismo é o último refúgio do canalha; as escrituras são o primeiro refúgio dos ignorantes”. [Frase de Pat Condell, um cético].


Uma frase um tanto quanto inquietante, principalmente para nós cristãos. Mas, devo confessar que ultimamente tenho me sentido muito frustrado pelo que vejo as pessoas fazer com o livro que nos serve de base para o exercício da fé. Infelizmente, a Bíblia hoje, está refém de cientistas e/ou estudiosos, palestrantes animadores de platéia, entidades filantrópicas ou não, dentre outros. Ela foi reduzida a manual legitimador de argumentações; prevalece no final “a verdade bíblica” de quem argumentou melhor. O Deus, o Jesus [Cristo ou não, depende em que acredita quem argumenta], o Espírito, etc, tudo vai se tornando original na medida em que o argumentador fulmina a platéia, de uma academia por exemplo, com uma gama de “boas argumentações [quase] lógicas”. A partir do discurso de quem é mais hábil no texto, não sem a devida “base bíblica”, as pessoas vão vencendo umas às outras numa “intensa queda de braço”.
Meu argumento é que a Bíblia, com isso, vai sendo literalmente secularizada. Uma agressão à fé dos poucos, e ainda considerados “ingênuos”, que tocam nela e entram em contato com “o sagrado”.
Alguém um dia disse que “a Bíblia é a mãe de todas as heresias”. Isso não me admira hoje, tempo em que muitos recorrem à ela, para matar, roubar, e destruir “o que é outro”, diferente de mim mesmo.

Na minha opinião a Bíblia deveria ser mais preservada. A Bíblia é base de fé, e a fé vem pelo ouvir, ouvir “a Palavra de Deus”. A fé não vem pelo falar, antes, pelo ouvir; a Bíblia portanto deve servir de parâmetro para quem ouve e não para quem fala [ou argumenta] – aqui citando contexto mais acadêmico. “A palavra escrita da palavra revelada de Deus” [Cf. Barth], na minha opinião, deve estar muito mais ligada ao discipulado cristão, evangelismo seja como for, ao ato de construir pontes, ato concreto de se viver e experimentar a fé. Isso seria bem mais humano e inteligente. O "ide e pregai o evangelho à toda criatura", hoje está confundido e portanto escondido atrás de ideologias pessoais. Quando o eunuco disse a Filipe que não entendia porque não havia quem falasse, também o registro está estritamente relacionado ao falar de evangelho. “O falar” em toda Bíblia, principalmente em Jesus, implica em “metanóia” [conversão] e boas novas.

Hoje, utilizar-se da bíblia, instrumentalizá-la para dizer que fulano ou beltrano está certo e que “o outro está errado” e portanto “condenado ao inferno” é uma aberração – muito distante do que o próprio Jesus ensinou. Usar a Bíblia nesse contexto configura uma tremenda covardia, além de denotar certa ignorância e sinalizar uma possibilidade de que muitos não têm outros recursos enquanto base de argumentação. Ou que pelo menos colocam Deus no discurso para legitimar de uma vez por todas suas ideologias – absolutista e totalitarista, pois quem poderá argumentar contra “o que Deus falou?”. Hoje, citar a Bíblia, em tantos debates - verdadeiros embates, parece conferir status ao palestrante.

Para mim isso é uma vergonha, o que fizeram do evangelho? Um "des"-evangelho[!]

O que proponho é que a Bíblia esteja garantida como Bíblia e que não seja mais utilizada como um outro livro qualquer, porque isso sim é que a equipara a um outro livro: de auto ajuda, receitas de bolo, a arte de comunicar-se, dentre outros. Talvez isso ajude um pouco, minha preocupação é que, assim como já aconteceu antes, e por várias vezes na história, ela seja o argumento legitimador de duras cruzadas, ou de golpes letais contra aquele(a) que pensa diferente de mim. Fico admirado como as pessoas utilizam-se do que está escrito na Bíblia e absolutizam suas falas para diminuir quem está “do outro lado da mesa”; e sendo assim, talvez, e só talvez, a frase supra citada de Pat Condell faça algum sentido.

Sei bem da complexidade da temática e no geral, imagino como esse texto poderá ser interpretado. Mas não tenho responsabilidade sobre o que vão pensar, a não ser sobre as palavras que saem da minha boca e conseqüentemente o texto que vai sendo redigido. É a reflexão de alguém que já está cansado de ver tantas guerras frias dentro da Igreja de Cristo, em nome de Deus, e com base nas Santas Escrituras. Chega de uma vez por todas de tanta violência e “des”-envangelho. O assunto é amplo e de extrema complexidade, reconheço que talvez merecesse uma reflexão bem mais aprofundada, mas, por questões estéticas e de delimitação não vou prosseguir. O interessante será conhecer a sua opinião sobre isso, e assim quem sabe poderemos dialogar em mais algumas linhas de texto.

Abraço, do sempre amigo.

Teologia Cantada [Convite à Reflexão]

Música "Carne e Osso". [Zélia Duncan]
Composição: Moska e Zélia Duncan




Alegria do pecado às vezes toma conta de mim
E é tão bom não ser divina
Me cobrir de humanidade me fascina
E me aproxima do céu
E eu gosto de estar na terra cada vez mais
Minha boca se abre e espera
O direito ainda que profano
Do mundo ser sempre mais humano
Perfeição demais me agita os instintos
Quem se diz muito perfeito
Na certa encontrou um jeito insosso
Pra não ser de carne e osso.

Fonte: disponível em <http://letras.terra.com.br/zelia-duncan/303153/>. Acesso dia 21 de setembro de 2008.

Você pode registrar sua opinião e refletir sobre ela, tendo por base a teologia embutida na música?

Obrigado, e abraços do sempre amigo.

Dependência e Liberdade

Psicologicamente, no íntimo, somos dependentes de rituais, de idéias, de pessoas, de coisas, das posses - ou não somos? Somos dependentes e queremos nos libertar dessa dependência porque ela nos faz sofrer. Enquanto essa dependência é satisfatória, enquanto encontro felicidade nela, não quero ser livre. Mas quando a dependência me faz sofrer, quando a coisa de que dependo foge de mim, fenece, murcha, olha para outra pessoa, desejo libertar-me.

Mas será que quero me libertar por inteiro de todas as dependências psicológicas ou somente daquelas que me fazem sofrer? Obviamente, das dependências e lembranças que me fazem sofrer. Não quero me libertar por completo de todas as dependências; quero apenas me ver livre de alguma dependência particular. Assim, busco meios de me libertar ou peço a outras pessoas que me ajudem a ficar livre de uma dependência específica que me traz dor.
Não quero ficar livre do processo total de dependência.Pode alguém me ajudar a ficar livre, tanto da dependência específica como da total? Será que posso mostrar a vocês o caminho - sendo o caminho a explicação, a palavra, a técnica? Se eu lhes mostrar o caminho, a técnica, se eu lhes der uma explicação, vocês vão ficar livres? Vocês ainda terão um problema, ainda vão ter a dor da dependência, não? Nenhuma demonstração minha, nenhuma discussão sua comigo vai libertá-los da dependência. E o que se deve fazer?Percebam, por favor, a importância disso.
Vocês pedem um método que os liberte de uma dependência particular ou total. O método é uma explicação que vocês vão praticar e viver a fim de se libertarem, não é? Assim, o método se torna uma nova dependência. Tentando se libertar de uma dependência específica, vocês introduzem outra forma de dependência.Mas se estiverem de fato preocupados com a liberdade total de todas as dependências psicológicas, se realmente estiverem voltados para isso, vocês não vão me pedir um método, o caminho. Nesse caso vocês vão fazer uma pergunta bem diferente, não?
Vocês vão perguntar se têm capacidade para lidar com isso, a possibilidade de fazer algo a respeito dessa dependência. Logo, a pergunta não é como se libertar de uma dependência, mas “Posso ter a capacidade de tratar do problema como um todo?” Se tenho a capacidade, não dependo de ninguém. É só quando digo que não tenho a capacidade que peço: “Ajude-me, por favor; mostre-me o caminho.” Mas se tenho a capacidade para tratar do problema da dependência, não peço a ninguém que me ajude a dissolvê-lo.Espero estar sendo claro.
Julgo muito importante não perguntar “Como?” mas “Posso ter a capacidade de tratar do problema?” Porque, se sei lidar com ele, estou livre do problema; não procuro mais um método, o caminho. Posso ter a capacidade de tratar do problema da dependência?Ora, em termos psicológicos, quando vocês fazem essa pergunta a si mesmos, o que acontece? Quando fazem conscientemente a pergunta: “Posso ter a capacidade de me libertar dessa dependência?” o que acontece psicologicamente. Vocês já não estão livres dela? Vocês eram dependentes em termos psicológicos e agora perguntam: “Tenho a capacidade de me libertar?”
Está claro que, no momento em que fazem essa pergunta com vigor a si mesmos, já há liberdade com relação a essa dependência (…)Quando sei que tenho essa capacidade, o problema deixa de existir. Mas como não a tenho, quero alguém que me mostre. Assim, crio o Mestre, o guru, o Salvador, alguém que vai me salvar, que vai me ajudar. Logo, torno-me dependente deles. Mas se tiver a capacidade de resolver, de compreender a questão, tudo fica muito mais simples e deixo de ser dependente.Isso não quer dizer que eu esteja cheio de autoconfiança. A confiança que vem a existir através do eu, do “si mesmo”, não leva a lugar algum, visto fechar-se em si mesma. Mas a própria pergunta “Posso ter a capacidade de descobrir a realidade?” dá uma introvisão e uma força fora do comum.
A pergunta não é se tenho a capacidade - eu não a tenho - mas “Posso ter a capacidade?” Então saberei abrir a porta que a mente sempre vem fechando com suas próprias dúvidas, com suas próprias ansiedades, seus medos, suas experiências, seu conhecimento.Portanto, quando todo o processo é percebido, a capacidade está presente. Mas essa capacidade não há de ser encontrada mediante nenhum padrão particular de ação (…) Dispondo dessa capacidade, posso tratar de todos os problemas que surgirem. Sempre haverá problemas, incidentes, reações; isso é a vida.
Como não sei o que fazer com eles, procuro outras pessoas a fim de descobrir, para perguntar qual a maneira de tratar desses problemas. Mas quando faço a pergunta “Posso ter a capacidade?” isso já é o começo daquela confiança que não é a do “si mesmo”, do eu, que não é a confiança que vem à existência por meio da acumulação, mas a confiança que se renova constantemente a si mesma, não através de alguma experiência ou incidente particular, mas da compreensão, da liberdade, de modo que a mente possa descobrir aquilo que é real.
J. Krishnamurti
Fonte: http://pavablog.blogspot.com. Acesso dia 21 de setembro de 2008.