sábado, 31 de julho de 2010

SANIDADE NA SANTIDADE

“O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 5.23)

Certamente há uma clara vontade divina para que sejamos pessoas santificadas em todos os aspectos que compõe o nosso ser. Por esse motivo, o apóstolo Paulo ora para que todos os níveis da personalidade do cristão sejam perfeitos e saudáveis em Cristo. Ele pede em sua oração, que o espírito (do gr. pneuma), a alma (psique) e o corpo (soma) sejam conservados íntegros e irrepreensíveis para a vinda do nosso Senhor (1Ts 5.23).

A santidade que Deus quer de nós não é fragmentada, como se a espiritualidade existisse à parte dos outros aspectos da vida. Isso significa que a ação dinâmica do Espírito deseja atuar em nós total e cabalmente, nada ficando fora do seu poder santificador. Em poucas palavras, devemos manter íntegros, irrepreensíveis e sãos, tanto o corpo, quanto a alma e o espírito.

Essa santidade “integral” irá arejar nossa mente, qualificar nossas percepções, alargar nossa visão, e melhorar a interpretação da realidade.

Ou a santidade que vem de Deus atinge todos os detalhes de nosso ser, nossa ética, e nossos relacionamentos, ou logo iremos perceber que estamos vivendo uma espiritualidade “manca”, que carece de uma melhor compreensão.

Observamos isso claramente quando uma parte dos cristãos reconhece que precisa curar apenas as “doenças do corpo”, e se aglomeram para pedir curas de tumor, caroço, dor na coluna, enxaqueca, e vista fraca. Mas nenhuma palavra para as enfermidades que assolam a alma, como a inveja, o ciúme, a vaidade, a irritação, a instabilidade e o espírito de vingança. Desejamos que Deus controle as nossas finanças, mas negamos-lhe o acesso para controlar o nosso temperamento. Pedimos o equilíbrio financeiro, mas nada mencionamos do equilíbrio emocional.

Há uma incompatibilidade na santidade do espírito que detona com os relacionamentos, apresenta comportamentos que beiram a insensatez, e desprezo pela saúde.

A santidade de vida nunca prescinde de uma boa dose de lucidez, bom senso e pensamentos sadios. Acho admirável a sensatez do apóstolo Paulo tentando impedir a partida do navio, ao perceber que o tempo estava ruim para a navegação (At 27). Não foi revelação divina: foi bom senso. Muitos crentes hoje diriam: “o irmão Paulo não tem fé em Deus que tudo vai correr bem”.... e se arrebentam. A “loucura” do Evangelho nada tem a ver com atos insanos.

Se orar sobre um problema é visto como um importante componente de uma espiritualidade sadia, pensar corretamente também é. Davi dizia: “compreendo mais do que todos os meus mestres porque medito nos teus ensinamentos” (Sl 119.99). Se ficar somente na oração, mas não buscar soluções sensatas, as coisas não se resolverão por si, pois “só” a oração pode levar a um pensamento obsessivo sobre o problema. Crer é também pensar e agir de forma saudável.

Em minha experiência no gabinete pastoral, tenho observado que a maioria dos casos chamados de “problema espiritual”, na maioria das vezes se resume em falta de bom senso, ausência de sabedoria, e de agir afoitamente.

Conhecer a Deus nunca piora ninguém. A fé acrescenta, e não tira. A fé nos concede um modo diferente de enxergar o mundo, de pensar. Por isso, não me impressiono com arroubos de espiritualidade quando desacompanhada de leveza, simplicidade e inteligência emocional.

Precisamos urgentemente de sanidade nos púlpitos, nos bancos da igreja, nos programas de rádio e TV que pregam o evangelho. É perceptível os inúmeros distúrbios apresentados por pastores e apóstolos midiáticos: histerismos, transtornos de personalidade, megalomania e delírios.... e a situação não é melhor de quem os segue.

Não tem o menor sentido buscar com avidez uma “santidade ao Senhor” e, ao mesmo tempo, agir com presunção, em relação a todos os outros aspectos da vida. Não bate!

Não há nada de santo em “coar mosquitos” (do tipo ‘não bebo vinho’, ‘não danço’, etc.), e “engolir camelos” (orgulho nos olhos, soberba nos lábios, preconceitos explícitos, etc.).

Não fica bem amar somente os que lhe são iguais, e desprezar os diferentes, separar os “bons” pra cá, e os “maus” pra lá, para não se contaminar.

Não combina Santidade a Deus com rixas, brigas, discussões, e explosões de raiva.

Não orna Bíblia sob o braço, com estreiteza de visão, pregação de amor a Deus, com indiferença para as pessoas, misericórdia para si, e olhos duros para o outro.

Não coaduna buscar uma vida espiritual equilibrada, e não buscar ajuda para os outros aspectos do ser que estão em desarmonia.

Destoa a simplicidade dos santos, com ganância explícita. Não rima fé com apatia, paz de Cristo com gritaria, glórias a Deus com zombaria.

Definitivamente, santidade rima com sanidade. Como podem ver, a única diferença é o “T” da cruz.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

quinta-feira, 22 de julho de 2010

ELE NÃO PESA, É MEU IRMÃO


“Levai as cargas uns dos outros e, assim
cumprireis a lei de Cristo.” (Gl 6.2-3)

Não adianta procurar na bíblia argumentos para justificar seu isolamento: fé solitária não existe. Viver uma espiritualidade que afirma conhecer a Deus, esquecendo-se de quem vai ao seu lado ofende os céus. Buscar santidade afastando-se do próximo é correr atrás do vento.

Se por um lado Deus me pede para me esvaziar, e abandonar meu egocentrismo, por outro lado devo contrabalançar com o reconhecimento da importância de quem caminha comigo.

Entretanto, esse esvaziamento de si mesmo só pode ser esperado por quem aprendeu a conviver com suas próprias limitações e reconhece a carência que vai dentro de si.

Só quem supera a rejeição pode demonstrar verdadeira aceitação daquele que convive conosco, pois quem ainda não superou as rejeições sofridas no passado de alguma forma estará sempre brigando com os “fantasmas” de supostos agressores. Precisamos retornar a Deus, que nos cura, para que o nosso centro não esteja mais num ego rejeitado, mas em Deus. A partir daí, as incompreensões sobre a minha pessoa ou o que dizem ou pensam de mim já não adquire tanta importância. A comunhão com Deus, e a convicção de que se é amado por Ele, nos faz transbordar.

Sofrer uma dor sozinho é bem diferente da dor sofrida ao lado de alguém. Daí a importância da vida de comunhão da comunidade de fé. Às vezes nos faltam palavras, mas.... não precisa falar nada, basta estar junto. Talvez o abraço seja a melhor representação de amor que alguém pode oferecer.

Foi assim com Labão, ao receber Jacó em sua casa: correu-lhe ao encontro, abraçou-o e beijou-o (Gn 29.13). O que dizer do filho pródigo, esfomeado, voltando pra casa, o seu pai o avista de longe, corre em sua direção, o abraça e beija (Lc 15.20)? Vemos Paulo descendo em direção a Êutico, que havia caído da janela, e foi dado como morto. E o que ele faz? Inclinando-se sobre ele, “abraçou-o”, devolvendo-lhe a vida (At 20.10). Como reagiu a igreja diante da partida de Paulo, em Mileto? Entristecidos, o abraçavam afetuosamente, e o beijavam (At 20.37).

Há gente que “espiritualiza” tanto a vida, que para eles somente a oração já basta para demonstrar um pedido de perdão ou de amor para alguém. Entretanto, é preciso re-encontrar a pessoa, e assim foi o reencontro de Esaú, que até então estava disposto a matar seu próprio irmão Jacó. Mas ao vê-lo, Esaú correu-lhe ao encontro e “o abraçou; arrojou-se-lhe ao pescoço e o beijou; e choraram” (Gn 33.4). Com certeza houve a cura para ambos de um passado de ódio e incompreensões. O gesto do abraço afetuoso dispensa qualquer palavra.

Ter compaixão significa aproximar-se de quem sofre, enquanto ter dó sugere distância. Por diversas vezes no Evangelho Jesus demonstra compaixão. É uma palavra cuja raiz significa “sofrer com”. Nela não cabe explicações fáceis ou superficiais.

Cumprir as amáveis palavras de Paulo para que levemos “as cargas uns dos outros” não é coisa fácil, pois vai contra o individualismo arraigado em nossas vidas, atrapalha o nosso comodismo, e nos torna responsáveis por mais alguém além de nós mesmos. Quem está disposto a isto?

As maiores demonstrações de narcisismo e desfile de egos, não estão apenas nas passarelas da moda ou na vida fútil dos milionários, mas por incrível que pareça se apresenta também nos grandes ajuntamentos de fé dos que vão buscar a “sorte grande” com Deus. Ali, cada um só olha para si, ninguém está preocupado com a necessidade do outro, com quem está ao seu lado, e não tem o menor interesse em viver uma vida de comunhão com aqueles que o rodeiam. A palavra de ordem é: “eu quero o meu”! Mal sabem que estão buscando a ira divina.

Embora o estilo de vida libertino seja a marca mais conhecida que Sodoma deixou, entretanto, aos olhos do profeta Ezequiel, o grande pecado desta cidade foi sua “soberba, fartura de pão e próspera tranqüilidade... mas nunca amparou o pobre e o necessitado” (Ez 16.49). Sim, é isso mesmo que você leu: o individualismo exacerbado dos “shows da fé”, e o descaso com o outro, nos remetem a.... Sodoma!

Alguém disse: “Viver no céu com os irmãos, ó que glória! Viver na Terra com eles, aí é outra história”. Desconfio que quem não souber viver aqui, não está preparado para viver lá.

Conta-se que certa noite, em uma forte nevasca, um padre plantonista ouviu alguém bater na porta na sede da “Missão dos Órfãos” em Washington, DC. Ao abri-la ele se deparou com um menino coberto de neve, com poucas roupas, trazendo em suas costas, um outro menino mais novo. A fome estampada no rosto, o frio e a miséria dos dois comoveram o padre. O sacerdote mandou-os entrar e exclamou: Ele deve ser muito pesado. Ao que o que carregava disse: Ele não pesa, ele é meu irmão (He ain’t heavy, he is my brother). Não eram irmãos de sangue realmente. Eram irmãos da rua (há uma versão, não sei se verdadeira, que a composição eternizada pelos The Hollies, teve como inspiração esse fato*).

O que importa mesmo, é a reflexão que isso nos traz: “Ele não é pesado, ele é meu irmão”. Talvez devêssemos chorar nossa falta de paciência com nossos irmãos, talvez precisemos trocar nossos fardos pelo fardo que Jesus deseja para nós.

Um dia Jesus propôs uma troca para mim. Ele viu minha situação, meu cansaço, e disse-me: “venha até mim, você está cansado, deixe a sua carga aqui, junto à cruz, e pegue o meu fardo”. A principio relutei, mas como não tinha nada a perder, aceitei. Hoje, estou aprendendo a caminhar com o peso que Ele colocou sobre minha vida. Surpreendentemente, descobri que é mais leve que aquele que eu levava. Pesado é viver egoisticamente para si. Dureza é tentar satisfazer compulsivamente um ego insaciável. Problema é olhar com obsessão para o seu umbigo, preocupando-se com cada ruga, cada dorzinha que surge, com sua segurança, seu dinheiro, seu descanso... Não é de se admirar estarmos convivendo com o surgimento de tantos distúrbios da alma.

Troque o seu fardo também. O que Deus quer te dar não é pesado.... é o seu irmão.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

(*) Recorde a canção original:
http://www.youtube.com/watch?v=2KcIaYSqJds

Ele Não É Um Fardo, Ele É Meu Irmão
A estrada é longa
Com muitas curvas sinuosas
Que nos leva quem sabe onde
Quem sabe onde
Mas eu sou forte
Forte o bastante para carregá-lo
Ele não é um peso, ele é meu irmão
E assim continuamos
Seu bem-estar é a minha preocupação
Não é um fardo carregá-lo
Nós chegaremos lá
Pois eu sei
Ele não seria um estorvo para mim
Ele não é um fardo, ele é meu irmão
Se estou absolutamente sobrecarregado
Estou sobrecarregado de tristeza
Que o coração de todos
Não está repleto de alegria
De amor, de uns pelos outros
Esta é uma longa longa estrada
Da qual não há retorno
E enquanto estamos a caminho dela
Por que não partilhar?
E a carga
Não vai me pesar absolutamente
Ele não é um fardo, ele é meu irmão
Ele é meu irmão
Ele não é um fardo
Ele é meu irmão