Diz o refrão da música: “Palavra não foi feita para dividir ninguém. Palavra é a ponte onde o amor vai e vem.” Cabe, então, a pergunta: a palavra na Igreja tem dividido ou servido de ponte para o amor?.Saber receber (ouvir/ler) e usar (falar/escrever) a palavra é fundamental para qualquer um que queira seguir a Cristo. No entanto, lidar com a palavra não é fácil. Por exemplo, quantas correntes religiosas existem hoje dentro do Cristianismo, dentro da Igreja Metodista ou dentro da igreja local? Os motivos para tantas divisões podem ser diversos, mas com certeza um em especial nos chama a atenção: usamos a palavra de formas diferentes.
A história do Menino que nasceu em Belém todos conhecem. O problema é como cada um conta essa história e as conseqüências dos diferentes relatos.O poder das histórias que contamos e a maneira como as contamos não podem ser menosprezados. É preciso ter responsabilidade e compromisso ético no uso da palavra. De maneira geral, as várias religiões que conhecemos são, em parte, frutos de relatos que se contam sobre Deus. De forma um tanto paradoxal, cada uma ao seu jeito tenta dar conta de explicar o mistério da ação divina que se manifesta a todos -- a Graça Previniente, como diria John Wesley. No entanto, se Deus é único, as diferentes correntes são, ao que tudo indica, uma grande confusão humana.
Poderíamos ser ingênuos e dizer: “Ah, mas a história de Jesus está na Bíblia, basta e deixar as especulações filosóficas de lado.” Tal atitude não resolve o problema. Eu li, você leu, identificamos o mesmo conteúdo e ainda assim podemos ter visões discordantes sobre vários pontos. É fácil perceber que aplicamos os ensinamentos bíblicos de formas diferentes, ou alguém tem dúvidas de que as igrejas Luterana, Católica, Metodista, Universal e tantas outras, inclusive fora da tradição cristã, falam do mesmo Jesus, personagem histórico revelado nos Evangelhos? Isso para não entrar na questão das várias correntes dentro do próprio Metodismo: conservadores, carismáticos, progressistas e por aí vai.
Numa tentativa desesperada de resolver o problema, poderíamos ainda utilizar o seguinte argumento: “Mas eu sinto no meu coração que esta é a versão correta.” Tampouco essa seria a solução, pois o outro também poderia imaginar ter a interpretação mais adequada. E agora? Cada um deve abrir a sua igreja?
Não. O apóstolo Paulo nos alertou que, por enquanto, “vemos em águas turvas”. Em outras palavras, há espaço para dúvidas, para o mistério da ação de Deus. Enquanto houver essa brecha continuaremos contando histórias que por vezes se encontram e por vezes entram em conflito. De alguma maneira, a solução para esse problema passa pela humildade no uso e no recebimento da palavra. Mesmo com idéias discordantes, podemos nos amar, já nos ensinava John Wesley.
Nesse caso, nossa união se revela na busca pela compreensão dos mistérios divinos, pela fé em Deus e pelo amor que manifestamos, ou seja, na Aliança que estabelecemos. O uso da palavra (receber ou levar) representa apenas o momento quando nossas histórias se encontram. No ir e vir desses relatos, o objetivo não é vencer o outro, mas procurar a comunhão de idéias e deixar se surpreender pela presença de Deus na vida do outro. Precisamos, porém, estar conscientes de que muitas vezes não somos capazes de reconhecer Deus nas ações do próximo dada a nossa formação cultural. Esse limite imposto pela cultura pode ser um grande empecilho para a compreensão da ação do Espírito do Santo na vida dos outros.
A Bíblia apresenta inúmeros exemplos dessa cegueira social: Raab, a prostituta usada por Deus na entrada do povo dos judeus na Terra Prometida (Js 2); a parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25); o oficial romano que fez Jesus exclamar “Nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (Lc7.9) e outros. O movimento do Espírito Santo sempre surpreendeu os crentes.Fica, então, a pergunta: será que estamos abertos para a surpresa da ação divina? E como ter essa abertura sem se deixar levar por qualquer história? Essa não é uma tarefa fácil. Exige humildade para ouvir, mas também coragem para falar.
Assim como a experiência do próximo pode revelar de maneira surpreendente a presença de Deus, nossa experiência com Cristo também pode ser decisiva na vida de outras pessoas. Trata-se de um exercício difícil para aqueles que se sentem os "donos da verdade"; fácil para os que são capazes de amar o próximo.É por estas e outras razões que talvez a música com que abrimos esta breve reflexão insista em seu refrão que a palavra é “a ponte onde o Amor vai e vem”.
Escrito assim mesmo, Amor com letra maiúscula. Nas histórias que contamos Deus se revela. No entanto, precisamos estabelecer o diálogo e não usar a palavra para dividir e fazer do relato de nossas experiências uma tentativa de silenciar o próximo que devemos amar.
Por Fábio Josgrilberg.
Fabio B. Josgrilberg é editor do Portal Fundição, membro de Igreja Metodista de Rudge Ramos (SP), jornalista, doutor em Ciências da Comunicação (USP), membro da World Association for Christian Communication (WACC). Site pessoal: Metaphorai.Fonte/diponível em: <http://fundicao.jor.br/modules/news/article.php?storyid=17>. Acesso dia 24 de setembro de 2008.
Um comentário:
Gostei demais deste texto! Sábio!
Saliento, "mesmo com idéias discordantes, podemos nos amar..." "humildade para ouvir, mas também coragem para falar..."
Abracos e um domingo feliz!
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