“Aprendi a viver contente em toda
e qualquer situação.... “ (Fp 4.11)
Serei feliz quando a sorte grande chegar, o filho graduar, a nova casa sair, a dor findar... Não é interessante que a felicidade nunca está onde nos encontramos? Nesses casos ela foi colocada no futuro. Tal acontece porque sentimos dificuldade em percebê-la ao longo do caminho, e por isso imaginamos que ela surgirá magicamente ao final da jornada. Tornamo-nos, então, incapazes de ver vislumbres da Graça divina, naquilo que ainda é parcial.
Outros, com tendência à nostalgia, colocam a felicidade no passado, nas lembranças de ‘como era verde o meu vale’, como o mundo era bom, e as pessoas puras. Mais uma vez somos advertidos: “Não é bom que digas: porque foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio perguntar assim” (Ec 7.10).
Santo Agostinho, no século V, interrogava-se se não era a felicidade o grande motor que movia o homem: todos a desejam e a buscam.
De fato, parece que as ações humanas são sempre em busca da felicidade, seja na escolha de um curso, na mudança de emprego, uma nova cidade para morar, ou na busca de um parceiro para viver o restante de seus dias. Quem contrai matrimônio, certamente o faz com o desejo de ser feliz, e quem permanece solteiro também tem seus motivos para ser feliz assim.
Quando Paulo escreve a epístola aos Filipenses, ele fala de suas necessidades, não em tom de queixa, mas de alguém que aprendeu a viver “contente em qualquer situação” (Fp 4.11). É como se ele estivesse “cheio” de algo que as circunstâncias não têm permissão de perturbar. De igual forma ele refere-se aos pensamentos ruins que insistem em ocupar espaços na mente e estragar as coisas boas. Como reagir a isso? Enchendo-a de tudo o que é “verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável...” (Fp 4.8).
O medo, por vezes deseja dominar, e ele é sem dúvida um grande inimigo da alegria, pois produz tormento. João oferece o antídoto: “o perfeito amor lança fora o medo” (1Jo 5.18). E quando me encho desse amor, o medo não tem espaço.
Parece, então, que a felicidade está ligada em viver pleno, completo, de forma intensa, cheio daquilo que faz bem. É interessante que os poetas também falam dessa maneira:
Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes.
(Fernando Pessoa)
A poetisa goiana Cora Coralina também se expressa dessa forma:
Não sei se a vida é curtaou longa demais para nós.Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,se não tocarmos o coração das pessoas.Muitas vezes basta ser:colo que acolhe,braço que envolve,palavra que conforta,silêncio que respeita,alegria que contagia,lágrima que corre,olhar que sacia,amor que promove.E isso não é coisa de outro mundo:é o que dá sentido à vida.É o que faz com que elanão seja nem curta,nem longa demais,mas que seja intensa,verdadeira e pura...enquanto durar.
“Que seja intensa”, diz ela. Não viver o momento na intensidade que ele requer faz-nos infelizes. A criança que não quer ser criança, pois anseia pela fase seguinte é triste: tem pressa em crescer, mas décadas depois irá suspirar pelo retorno à infância. A adolescência que foi perdida sem que fosse experimentada intensamente, por ter se recusado a enfrentar, arriscar e errar, cria um buraco na alma.
O que conta não é o que alcançamos, mas a intensidade com que gozamos. Um rei pode conquistar um império e aborrecer-se por considerar aquilo menos que um quintal, e um lavrador pode ver em seu quintal a grandeza de um império.
O Velho Testamento nos ensina que o contentamento e o sentido da vida estão em valorizar as coisas simples, que são as que de fato nos fazem felizes: “Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu” (Ec 9.9). E mais: “boa e bela cousa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho” (Ec 5.18), sabendo, entretanto, que tudo isso é dom de Deus (Ec 5.19).
Essa é uma característica de uma vida feliz: amar as pessoas e usar as coisas. Mas a visão deturpada do conceito de felicidade, muito própria do utilitarismo e do hedonismo de nossa época, inverte a proposição: use as pessoas e ame as coisas.
A bíblia condena a busca do prazer pelo prazer, a riqueza como fonte de alegria, e os egoístas que só tem olhos para si mesmos... são pobres diabos que pensam que só de pão viverá o homem.
Não existe essa coisa de felicidade total e completa. A vida seria insuportável. Seria impossível conviver com alguém sem uma carência, sem uma tristeza para contar, um erro para se arrepender. Em nossa vida sempre haverá uma falta, uma incompletude, certa nostalgia de um Paraíso que se perdeu e que está na memória coletiva da Humanidade. Por ora, a existência geme em dores de parto, mas ansiamos um dia habitar naquele lugar que sempre fez parte de nós, mas nunca soubemos bem o que era. Felizmente, o Eterno nos aponta o Caminho.
Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br
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