Panorama exegético da perícope: Mt 5.21-26
Do homicídio [em outras traduções: Ensino a respeito da ira]
21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. 22 Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. 23 Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. 25 Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. 26 Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo[1].
A perícope é estruturada em forma de quiasmo, de maneira tal que, o que está no centro é o mais importante a ser apreendido enquanto mensagem de fé. Sendo assim os versículos ‘23’ e ‘24’ devem receber maior atenção. Eles representam a idéia essencial, a intenção do autor. Exatamente nessa parte do texto, aparece a palavra “altar para sacrifício” (thusiasterion), O termo é mencionado como sendo o local onde se deveria depositar a oferta, mas somente após estar reconciliado com o irmão. Um dado a ser considerado, para melhor interpretação, é que em Marcos, período da guerra judaica (10ª legião romana sitiando Jerusalém) o templo é destruído, ou seja, em Mateus já não existe mais templo, muito menos um altar para atividade de sacrifícios.
A tese é de que o autor usa então subterfúgios retóricos para dizer que não existe mais o templo, e que não haverá mais sacrifícios enquanto meio de expiação dos pecados. Em suma: As ofertas por remissão de pecados não devem ser mais sacrificiais. Em contrapartida, a misericórdia te livra do Geena (Inferno de Fogo). Geena designa o Vale do Hinom, ao sul de Jerusalém, onde os lixos e os animais mortos da cidade eram jogados e queimados.
A idéia é que devemos fazer amigos, buscarmos a qualquer custo o perdão com o nosso irmão, caso contrário viveremos nesse vale do Hinom, vale tenebroso. Complementa a idéia de que se não buscamos emergencialmente a reconciliação, “estamos sujeitos” (enocho - que significa também que “seremos constrangidos”) à Krisis = (separação, divisão, repartição) = à crise.
Concluindo
Sacrificar já não é possível, mas os pecados precisam ser perdoados, então para isso, devemos buscar a reconciliação. É uma proposta alternativa para expiação do pecado pós destruição do templo. Assim não seremos constrangidos à crise existencial da falta de Deus, ao vazio tenebroso representado metaforicamente pelo autor que cita, para isso, o vale do Hinom.
Deixar a oferta sobre o altar é secundário, nem é possível em Mateus, o que vem em primeiro lugar é a necessidade que temos de que os nossos vazios sejam preenchidos pela expiação do pecado mediante o poder de Jesus que nos ordena a reconciliação. Buscar a reconciliação com nosso próximo, buscar o perdão, é o método terapêutico pelo qual Jesus trata todas as nossas crises
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Abraço.
[1]Sociedade Bíblica do Brasil. (2003; 2 005). Almeida Revista e Atualizada - Com Números de Strong (Mt 5:26). Sociedade Bíblica do Brasil.
2 comentários:
Júnior, eu diria que você expressou de forma brilhante, coerente e provocativa o texto e suas facetas.
A estrutura em quiasmo nos remete a várias possibilidades de desdobramentos. Eu quero levantar dois, em diálogo com sua postagem.
Primeiro:
O redator apresenta uma sucessão crescente de fatos e conseqüências(Mudança de local do julgamento e, maximização da conseqüencia, por assim dizer): "Quem matar (φονευω: phoneuo - assassinar) estará sujeito a julgamento(crise) e não será liberto enquanto não pagar o último centavo". Questiono-me se o autor está referendando a idéia do הָרֹצֵחַ (ratsach) o vingador (pensando no livro de Números)? Como algúem que conhecemos diz: "No final das contas, alguém vai ter que pagar o cafezinho". De um jeito, ou de outro, a "dívida" (não considero aqui valor monetário) vai ser paga. Me parece que é a "citação" da Lei.
Segundo:
Jesus diz: "Eu, porém, vos digo que quem se irar (ou incitar à ira) [sem motivo - vale uma crítica textual aqui, mas, possivelmente o termo grego já nos ilumine um caminho: ρακα (rhaka) que quer dizer sem sentido, leviano, um cabeça-oca] estará sujeito a julgamento (crise); quem insultar estará sujeito a julgamento no tribunal(ao συνεδρίῳ: sinédrio); quem chamar de Μωρέ (μωρος: moros), ou seja, Tolo (cego, encarnação da fatalidade), estará sujeito ao inferno de fogo".
Cabe um parênteses (muito aberto, mas que vale consideração) de que Mouros são os não-cristãos islâmicos. Será que o povo utilizava, pejorativamente o termo, contra os "adversários". Outro fator relativo a isso, é que: "Moros era o deus das sortes e dos destinos, filho de Nix e do Caos. Representado como uma entidade cega, que, sem ver a quem reservava no futuro. Todos, deuses e mortais, e tudo, estava a ele subordinado. Representando a própria fatalidade, o Destino ditava os acontecimentos, e até mesmo Zeus não o poderia evitar. Era considerado marido de Ananke e pai das Moiras (Parcas em Roma)".
Relacionado a esse versículo: "entra em acordo sem demora antes que isso gere aquilo e suxessivamente aquilo outro". Parece-me que há uma inevitável sucessão de fatos. Uma coisa vai puxar a outra.
Confesso que fiquei encantado com o aprofundamento do texto. Só para encerrar esse "livro"...rs; você acredita que o redator apresenta Jesus falando contra a atitude xenofóbica da comunidade de Mateus (considero aqui um contexto de afirmação dos grupos como resposta à expiação dos pecados)?
Abs,
Caro Thiago, realmente boas observações. Desculpe-me a demora para te dar um retorno, mas bem .. aqui estamos. E estamos diante de um texto, realmente, intrigante.
Considero interessante sua contribuição, e como você mesmo apontou as possibilidades hermenêuticas são quase que infindas. E isso é a parte bela da Bíblia. Agora, quanto sua pergunta, sobre uma suposta xenofobia, eu acho que não. Mesmo porque, no contexto de Mateus, com a aglutinação de vários movimentos acontecendo, como consequência da destruição do templo, acredito que a preocupação era muito mais resguardar traços doutrinários específicos como uma fundação garantida e bem sólida de um movimento do que atacar os outros. Me parece realmente, eu diria, uma resignificação da lei que resguarda e orienta para a vida, agora trabalhada pelo Deus que é Emanuel (aquele que está entre nós - o novo Moisés). Nesse sentido é uma orientação interna, para "gente de dentro", e aqui orientando no sentido de que a ênfase seja na reconciliação mesmo. Manter a ordem para crescer e prosperar enquanto movimento em formação e rígido processo de resignificação de paradigmas.
Valeu Thiagão, abração.
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