quarta-feira, 17 de março de 2010
NOSSO DEUS NÃO É SÁDICO! SEU AMOR NÃO PRECISA DE CORDAS
É recorrente no meio cristão cantarmos músicas, às quais reputamos por “louvor e adoração à Deus”. No entanto, poucas vezes nos alertarmos para o que estamos difundindo no nosso discurso com o conjunto da letra. Isso me preocupa sim porque o que cantamos em nossas Igrejas é o que vai edificando a base teológica da Igreja, é o que orientará as “atividades na comunidade de fé daqui em diante”. Basta estudarmos um pouquinho mais sobre a importância da música na própria sociedade brasileira, também em outras culturas, e como ela foi e é usada. Por exemplo, no processo de colonização para catequetizar os ameríndios, e hoje como serva do marketing – vender produtos é o mais importante.
Quando estudamos a música, seu potencial e efeitos sob a mente humana, e como ela difunde doutrinas e costumes, teologias, dentre outros, percebemos o quanto ela pode calcificar valores que nem sempre prezam pela moral cristã e pela verdade. Certamente que não somos totalmente passíveis à esses valores mas instaura-se um processo sinergético onde ficamos vulneráveis. Isso não é ruim, mas só é saudável quando nos atentamos criticamente ao que cantamos.
Uma de minhas preocupações recentes são letras de músicas, não poucas, que deixam aparecer a expressão “o Senhor me amarrou à Ele com cordas de amor”. É o caso da música “Cordas de Amor”, composição de David Quinlan; e a música “Preso ao Teu Amor (Cordas de Amor)” cantada pelo “Ministério Salmistas Profetas e Adoradores (SPA)”, composição de Pra. Priscila Cruz.
Tenho entendido que tal expressão “o Senhor me amarrou à Ele com cordas de amor”, no sentido de “me capturou para Ele e me prendeu n’Ele” foi pinçada do texto bíblico cuja referência é Oséias 11.4a. Mas o sentido que essa expressão tem assumido no todo dessas músicas não corresponde ao sentido bíblico; especialmente se buscamos fidelidade ao contexto em que o versículo está citado. O pior é que tal expressão pode sugerir e discutir tendendo à incentivar, de forma subliminar, a busca pelo “amor possessivo de um deus sádico”. Percebe-se que outros desvios aparecem nas letras, mas não cabe aqui a discussão.
● Prossigo com o texto bíblico: Os 11.1-7
1 Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho. 2 Quanto mais eu os chamava, tanto mais se iam da minha presença; sacrificavam a baalins e queimavam incenso às imagens de escultura. 3 Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomei-os nos meus braços, mas não atinaram que eu os curava. 4 Atraí-os com cordas humanas, com laços de amor; fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas e me inclinei para dar-lhes de comer. 5 Não voltarão para a terra do Egito, mas o assírio será seu rei, porque recusam converter-se. 6 A espada cairá sobre as suas cidades, e consumirá os seus ferrolhos, e as devorará, por causa dos seus caprichos. 7 Porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim; se é concitado a dirigir-se acima, ninguém o faz .
● Em linhas gerais
Eu selecionei os vs. 1-7 para registrar no corpo desse texto, mas na verdade nem mesmo esse intervalo é suficiente para captarmos o contexto em que se insere o v. 4; esse que é retirado de seu contexto original para “caber como der” nas letras de músicas gospel. O ideal é recorrermos à unidade maior da discussão do tema proposto pelo profeta que está nos seguintes endereços: Oseías caps. 11 – 14.
Em linhas gerais, o texto nos fala da “frustração” de Deus por ter Ele se aproximado primeiro de Israel e ter atraído o seu povo para fora do Egito, e perceber que o povo agora se desviava d’Ele para a prática da iniqüidade.
Quando no v. 4 aparece a palavra “cordas”, precisamos ficar atentos porque o texto nos indica que a atração foi uma iniciativa divina sim, mas as cordas são humanas. O que isso significa? Se compararmos essa indicação com a cultura de peregrinação do povo nômade, e considerarmos no cap. 12 o v.9 - Ainda te farei habitar em tendas; percebemos que “cordas” remontam ao povo que nesse período habitam, ou deveriam estar habitando, em tendas.
Não podemos deixar de considerar que na cultura semita, os termos hebraicos expressam o cotidiano do povo, as palavras estão calcadas no dia a dia e em coisas concretas, e do concreto assumem sentidos que tentam exprimir a ação divina. Podemos ler então que Deus atrai para si um povo - peregrinos para fora do Egito, para fora da escravidão – povo que no trajeto habita em tendas; por isso a expressão “cordas humanas”. Portanto, se considerarmos a Bíblia, o termo não pode ser “Cordas de Amor que amarram”, isso é um erro de interpretação Bíblica, um equívoco teológico grave, e uma concepção prejudicial à Igreja.
O que prende o povo à Deus conforme as palavras expressas no livro do profeta Oséias é o laço: os laços sim são de amor! E isso é muito diferente. As cordas permanecem humanas, elas não amarram, e não são de amor - elas não prendem; antes, foram usadas no texto para designar a saída do povo do cativeiro – como se Deus arrastasse seu povo para fora com elas. Já a palavra hebraica traduzida por laço é עבתה ̀abothah, que pode ser traduzida como “folhagens entrelaçadas”. Nesse caso seria “folhagens entrelaçadas de amor”. O que nos faz presos à Deus é um amontoado de folhas que por Ele mesmo foram trançadas. Esse é o sentido do texto.
Espero que esse texto seja esclarecedor. Deus continue nos abençoando!
Pr. Antônio Luiz de Freitas Junior.
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Um comentário:
Excelente reflexão meu amigo.
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