sábado, 17 de abril de 2010

Onde celebraremos a páscoa? (Mc 14.12-16)

O relato de Marcos sobre a pergunta que os discípulos fizeram à Jesus pode ser uma chave de leitura para nós cristãos entendermos o significado da celebração pascal em nossos dias.
A celebração

No Primeiro Testamento a Páscoa era uma celebração cultural, portanto localizada! Era o tempo em que o povo Hebreu trazia à memória o período do cativeiro em terras egípcias; e celebravam, com boa recordação, o livramento que Deus deu aos primogênitos das famílias cujas portas estavam marcadas nos umbrais com sangue do cordeiro imolado. Podemos afirmar também, que na Páscoa o Hebreu celebrava a libertação do povo caracterizada no êxodo, e a entrada na terra que emana leite e mel: terra prometida por Deus!

No Novo Testamento a celebração pascal vai aos poucos adquirindo um caráter festivo-universal; deixa portanto de ser uma festa localizada, ou hebréia somente. Deixa de ser específica de uma cultura e se transforma num compromisso cristão de famílias, e de cada um dos membros da mesma, para com Deus. Temos um exemplo esclarecedor disso quando, nas palavras do Apóstolo Paulo em sua epístola aos corintos (1Co 5.7-8), Cristo é o Cordeiro-Pascal imolado. Na medida em que Cristo foi sendo difundido Ele mesmo foi ficando universal; acontece o mesmo com a festa da páscoa e dos pães asmos. A dimensão do fermento que ficou de fora dos pães asmos no êxodo, concreta para o povo hebreu, agora é elevada à dimensão de “pecado-pureza”: no “ser”, no culto doméstico, na Igreja, e assim por diante.

Mas e hoje, o que significa a Páscoa? onde vamos celebrar então?

Essa pareceu ser a essência da pergunta dos discípulos à Jesus no relato do Evangelista Marcos. Vamos observar atentos o texto bíblico e ver o que estava implícito na resposta de Jesus.

Vimos que Jesus envia os discípulos à uma casa; o envio foi específico (o verbo apostello, no grego pode ser lido como “ir a um lugar estabelecido”). Alguns detalhes me chamaram atenção nesse envio a um local pré-estabelecido. Por exemplo, a ênfase que Jesus dá no “espaço-disponível”.

a. Espaço disponível fora da casa do homem – Trazendo um cântaro de água (v.13). Conforme Lv 23.2-3, no primeiro e último dia da celebração da páscoa e dos pães asmos não poderia haver esforço físico, de forma alguma; a menos que fosse para a preparação do que se haveria de comer. É possível que esse moço soubesse do risco de vida que ele corria por carregar um cântaro de água no primeiro dia da celebração. Seria isso uma afronta à cultura, ou uma forma de subversão? Ou um esforço necessário para que a celebração fosse possível? Consideramos essas duas possibilidades como plausíveis, mas não podemos fazer maiores afirmações nesse sentido. No entanto, sabemos com certeza que o homem estava indo para sua casa com um cântaro de água. Fica-nos claro a ênfase na caminhada desse homem fora da casa onde haveria de acontecer a celebração pascal: ele não temeu, por algum motivo, sofrer as penalidades da lei judaica.

b. Espaço disponível dentro da casa do homem – havia um cenáculo espaçoso, mobiliado e estava pronto (v.15). Conforme Jesus orientou seus discípulos, já havia o espaço necessário na casa; ali eles/as já estavam preparados/as para receber Jesus e seus discípulos/as para a celebração.

c. Espaço disponível no coração do homem – Diga ao dono da casa que é o Mestre (gr.Didaskalos, professor) quem pergunta (v.14). É muito interessante Jesus referir-se a si mesmo como “o professor”; certamente era uma família de corações aprendizes; uma família que estabeleceu com Deus uma relação de sala de aula, onde eles eram os alunos.

Conclusão

Já temos condições de, ainda que de forma básica, respondermos pelo significado de páscoa para nós hoje, e qual é a família que tem condições de celebrar uma páscoa genuína? Acredito que, com base nesse trecho lido do evangelho de Marcos, sim! Páscoa é Deus em Cristo, ressurreto e com a gente onde quer que estejamos; é Deus com a gente na nossa casa, nossos espaços!

Jesus tem buscado corações, e famílias, que “tenham condições” de oferecer-lhe hospedagem! Contrariando a lógica atual, onde “ter condições” significa gozar de espaços amplos para lazer, entretenimento e uma “conta bancária gorda”, Jesus busca uma família que trabalhe espaços cristãos; isso é ter condições de oferecer-lhe hospedagem. Ele busca a família que leva as Boas Novas para “o lado de fora”; e que não teme correr riscos quando isso for necessário. Famílias que tenham o espaço da casa preparado para sua chegada e para acomodar seus discípulos; um cenáculo precisa estar preparado em nossos lares, em nossos corações: Deus tem buscado, para estabelecer seu Reino de amor e justiça, famílias que gozem de um espaço favorável à fé.

Finalmente, a páscoa é celebrada onde os corações são um espaço vivo para a atuação de Deus; o espaço possível de estabelecermos com Ele uma relação de aprendizado: Ele é o Mestre e Professor, e nós alunos/as.

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