segunda-feira, 17 de maio de 2010

CONVERSÃO GENUÍNA

Vivemos momentos onde a mais profunda confusão religiosa se abateu sobre nós. Novos profetas surgem a cada dia, novas mensagens e rituais, mudanças de paradigmas. A fé, sob o ponto de vista institucional enfrenta uma crise de credibilidade irreversível. Não há mais volta. Enormes catedrais e luxuosos templos de mármore servirão de mausoléu daquele Cristianismo perpetrado por Constantino e seguido até hoje. É o que já acontece na Europa.
Nada tenho contra templos, mas eles de forma alguma são Igreja quando ali falta o que existiu de mais precioso nos primeiros cristãos: a proclamação autêntica e transformadora da Palavra (kerygma), e o compartilhar de amizade e comunhão verdadeiras (koinonia). Foram esses os pilares da Igreja nos seus primórdios. Hoje, ao invés da koinonia, reina a pleonexia, que consiste no desejo de possuir “cada vez mais”, segundo a paixão humana de ter pelo ter.
Ser participante de um grupo religioso nem sempre testemunha favoravelmente sobre alguém. Aliás, existe a possibilidade dessa pessoa ter “piorado”. Foi o que aconteceu com uma parcela dos crentes de Corinto, porquanto eles se ajuntavam “não para melhor, senão para pior” (1Co 11.17). Reunir-se para buscar privilégios para si, ou fechar-se em guetos como forma de separação do mundo, não leva ninguém a se tornar melhor, ao contrário.

Logo, então, nos vem à mente a pergunta: Toda igreja é boa? Obviamente, não. Se a Igreja não for um canal de Deus para levar ao crescimento da fé, à comunhão, ao amor, ao desenvolvimento de nossa humanidade e ao serviço, ela se torna uma instituição estéril. Ouvir incontáveis pregações-chavão vazias de conteúdo, e participar de aglomeração que nenhum proveito maior traz, é melhor ir a uma livraria e ler um bom livro. Fará mais bem à alma.

Vida cristã aliada ao consumismo, às futilidades e espiritualidade desconectada do Espírito é pura religiosidade. Não é a toa que haja tanta doença, tanta neurose, tantos escândalos, líderes desafeiçoados, e performances midiáticas para agradar multidões. Sistemas religiosos que criam regras, leis, e dogmas contrários aos valores do Evangelho, provocam a anti-vida. Sacerdotes que, por decisão institucional não podem expressar sadiamente o Eros presente na constituição humana, o farão sadicamente. Repressão só pode reproduzir doença.

Cristãos nominais que só procuram a igreja para casar e batizar, e evangélicos que idolatram seus cantores e líderes, mostram que muita gente ainda não passou por uma conversão genuína.

Dizer que “segue” a bíblia, sem compreensão, também está longe da conversão. “Mas está na bíblia, meu irmão!”. Quantas vezes já ouvi essa frase para justificar idéias estapafúrdias, pontos de vista deturpados, e condenação de pessoas ou grupos ao fogo eterno.

“Está” na bíblia, mas não significa que “é” a Palavra. Poderia dar inúmeros exemplos de textos transformados em letra que mata. Um pequeno conhecimento bíblico às vezes é pior que nenhum. Alguém pode imaginar estar seguindo a bíblia, mas estará errando o alvo, se não compreendeu aquilo que o Espírito quis mostrar.

Se permanecermos somente na letra correremos sério risco de nos tornar cruéis, maldosos e justiceiros. Quantos pastores, zelosos por Deus, mas não com entendimento (Rm 10.2), têm destruído vidas apontando para versos bíblicos, vidas que poderão rejeitar o Eterno pelo restante de seus dias, pois conheceram um “Deus” feito à imagem e sentimento dos homens.

Quando falamos de conversão, a questão não é somente acreditar em Deus. É o de menos: isso até os demônios fazem e tremem (Tg 2.19). Aliás, o povo brasileiro é extremamente crédulo: ele acredita em Deus, em Jesus, em Macedo, Expedito, Krishna, Daime, vai à igreja aos domingos e frequenta alguma mesa-branca às sextas.

O que falta é a conversão genuína a Deus. E isso nada tem a ver com “adesão” a ministérios e é infinitamente mais que ter agradáveis sentimentos religiosos. Essa conversão atinge o homem na sua vida integral: toca a mente, o corpo, a atitude, a ética, o trabalho, os relacionamentos, confere nova disposição mental, e permite ser tomado por Aquele que é.

Antes da conversão genuína separamos as áreas da vida entre sagrado e secular, onde sagrado é aquilo que é competência de Deus: a oração, a igreja, o culto, e secular é aquilo ao qual eu detenho controle: o meu tempo, o meu dinheiro, minha diversão, meus planos.... Quando eu tenho uma conversão genuína, Deus adquire nova importância e age sobre tudo. Conversão genuína nos leva a uma vida de submissão a Cristo.

Ou Deus é o centro de nossa vida ou Ele não é nada.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

terça-feira, 11 de maio de 2010

A verdade: Texto base para nossa Reflexão João 18.33-40

“Que é a verdade?” (v.38)

Essa foi a pergunta feita por Pilatos à Jesus pouco antes de entregá-lo ao povo, que por interesses diversos, inclusive políticos, pediu, ao mesmo tempo que incentivou, o veredicto de morte.

Depois de seu questionamento apavorado, quase atrapalhado, o bem sucedido Imperador Romano Pilatos nem se quer aguardou a resposta de Jesus – de costas para Ele – foi ao povo sedento por ver sangue derramado: e tinha que ser o do nazareno. Fico tentando imaginar como soou nos ouvidos do Mestre, e nos corredores da morada celeste (Jo 14.2), a frase mais hedionda que a humanidade já proferiu: não soltem esse Jesus, o galileu, soltem Barrabás! (Cf. v. 40)

Ele começou a morrer bem antes de ser pregado na cruz

Relatos dos momentos que antecedem a morte de Jesus nos trazem uma sensação mista e controversa de pavor (pela crueldade romana), e de revolta (pelo assassinato de Jesus); mas também de alívio (porque seu sangue derramado é vida). Mas quase não percebemos que cometemos um erro ao relacionarmos estritamente a morte de Jesus ao madeiro, à cruz; como se pudéssemos celebrar o evento como uma data perdida na história; recuperada só na comemoração da ressurreição! um evento externo à mim, isolado do hoje da minha vida!

Nesse caso acabamos por incorrer num reducionismo patogênico e não nos avaliamos a nós mesmos na nossa caminhada de fé, sobre o que sabemos e cremos acerca da verdade chamada Jesus.

Podemos entender Jesus na cruz como o resultado da ausência e/ou morte de Deus e do temor à Deus no coração do povo; foi por isso que Deus se empenhou num plano ousado (Jo 3.16); a morte de Jesus foi necessária por ausências infinitas que separam o ser humano de Deus; evocada pelo pecado que afasta criatura do criador.

Significa que quando eu olho para Jesus na cruz e choro de emoção; e agradeço à Deus pelo seu amor incondicional; e quando eu olho para a cruz vazia tenho a feliz sensação de esperança na certeza do porvir: sim, eu entendo - o meu redentor vive! No entanto, se deixo de ver o evento de Cristo na cruz como se esse fosse um espaço isolado e distante de mim e olho com sinceridade para a minha história, sondando cada batida descompassada do meu coração, percebo: quase sempre, Jesus está às portas de um novo sepultamento!

Não havia espaço para Jesus no Império Romano, muito menos no coração de Pilatos; tampouco em nossos controversos corações. A crise hodierna com relação à verdade pode ser um indício da crucificação moderna do Jesus que deveria estar habitando dentro de cada um de nós; que ficou reduzido e perdido no evento da cruz.

As mesmas perguntas de Pilatos: Uma pessoa que passa pela crise de Pilatos, assim como ele, entrega a discussão de Jesus para o povo

Constantemente me vejo tentado discutir “verdades e o quanto elas são ou não são absolutas”. Tenho entendido que isso é um erro! Jesus disse que Ele é a verdade (Jo 14.6); isso significa que a verdade está garantida em Deus. Tudo o mais são pseudo-verdades, conceitualizações transitórias – porque fruto de teorizações humanas: o próprio ser humano é transitório. Paulo entendeu isso quando disse aos de Corinto que conhecemos “em parte”, o perfeito está por vir e quando Ele vier o “em parte” será aniquilado! (1Co 13.9-10).

Quando não tenho o entendimento de que a verdade está garantida em Jesus Cristo; quando não conheço e reconheço à Jesus como o Messias, Senhor e Salvador da minha vida, entro num conflito existencial interminável: comigo mesmo, com irmãos/ãs e com Deus. O resultado desse conflito existencial é que num momento de tensão, pressionado, acabo por crucificar Jesus ao consultar unicamente as expectativas do povo com relação à Ele; é exatamente quando perco a capacidade de acreditar e crer no que o meu coração me indica com relação à verdade (Rm 10.9-10).

O problema de Pilatos não foi ouvir “segundas e terceiras opiniões” (ouvir o povo), consideremos isso como atitude saudável! Pilatos sentenciou Jesus à morte quando não soube reconhecer n’Ele “O Caminho, A Verdade, e A Vida” (Jo 14.6). O erro não foi ir ao povo, e sim ir ao povo sem estar convicto em seu coração sobre a identidade divino-messiânica de Jesus.

Quando não estou certo da verdade: Jesus é o Cristo, Filho de Deus (Mt 16.16), acabo por conviver com “ares de morte”; até que esse vai ficando impregnado em mim, e domesticado nem me incomoda mais (1Timóteo 4.1-5): o evento real fica esquecido dentro de mim, reduzido na eventualidade da cruz. Não percebo que minha vida vai obedecendo aos contornos de um grande ponto de interrogação. Para nos certificarmos sobre isso, basta percebermos no texto bíblico compartilhado (Jo 18), a quantidade de perguntas através das quais Pôncio Pilatos se aproxima de Jesus.

Conclusão

Se ando em crise com relação à verdade, a mesma crise de Pilatos, estou muito perto de num momento tenso em que o nome de Jesus estiver em xeque, lavar as minhas mãos sobre o efeito real da vida abundante possível através do Messias. Consultar a opinião do povo não é essencialmente ruim, no entanto nesses momentos cabe uma auto-avaliação de à quantas anda a minha história com Jesus e Jesus na minha história; sobre a porção de Deus no meu coração e a minha intimidade com Ele.

Frente à frente com Jesus ...

Perguntas excessivas falam muito mais do descontrole com relação à minha existência, e minha inabilidade para com a verdade. Questionamentos filosóficos, palavras verbalizadas que buscam unicamente o relativismo extremo, se o meu coração está vazio de fé, não são tentativas sinceras de aproximar-me de Jesus; não me levam à lugar algum à não ser ao evento isolado da cruz: o que ficou perdido em alguma parte da história, na minha história, e em algum lugar dentro de mim - onde a pedra do sepulcro nem mesmo foi removida. Fica-nos a reflexão, na esperança de que ela, de alguma forma, nos oriente para a eternidade.

sábado, 17 de abril de 2010

Minha caminhada na/com a Igreja: três ensinamentos de Deus para mim nessa caminhada

Leia o texto bíblico que é base para reflexão desse artigo: 1 Sm 30.1-20

Introdução

Muitos não percebem em Davi um modelo ideal a ser abordado quando o assunto é caminhada cristã; no entanto, não podemos ignorar que Lucas ao reler a história de Davi menciona-o como “homem segundo o coração de Deus” (Cf. Atos 13.22).

O texto mencionado de 1 Samuel é muito interessante porque fala da situação de Davi e seus soldados ao chegarem das terras de Gate (dos filisteus) em Ziclague (cidade no Sul de Judá); Davi havia fugido para terra dos filisteus pela segunda vez pelos intentos de Saul: matar Davi!
Ziclague era uma terra de relevo sinuoso onde Davi e seus 600 soldados habitavam junto com seus familiares. Segundo relatos bíblicos, quando eles retornaram de Gate para Ziclague, ao chegar se depararam com a desolação da aldeia imposta pelos amalequitas; relata também que eles sentem profundamente a ausência de seus familiares. Tudo havia sido destruído e suas famílias levadas cativa.

É nesse contexto que a história bíblica se desenvolve e nos revela 3 grandes ensinamentos acerca da postura de Davi, e nos atualiza sobre qual deve ser nossa postura hoje na/com a/ em contexto de Igreja.

O primeiro ensinamento

Quando os 600 soldados de Davi chegaram em Ziclague, a Bíblia fala que eles choraram até perder suas forças (v.4) e pensaram inclusive em apedrejar Davi por raiva (v.6). Davi também chorou, e mais, ele se angustiou pela tentativa de linchamento. Seus companheiros de guerra agora queriam apedrejá-lo! No entanto, devemos nos atentar para o fato de que antes mesmo de consultar a Deus (v.8), e saber d’Ele as orientações devidas, Davi se reanimou no Senhor, seu Deus (v.6).

A palavra reanimar traz consigo todo um processo que ficou para trás, e para o hoje fala de recuperação dessa parte do processo passado: Significa que houve ânimo, houve desânimo, e por fim, reânimo! A Igreja precisa estar atenta à esse processo inerente ao cristão. De reânimo!

Nem sempre estamos bem! Nem tudo em nossa caminhada é sucesso, nem sempre estamos animados e fortalecidos para suportar os dias difíceis. Mas Davi nos dá uma lição incrível sobre confiar em Deus antes mesmo de saber a reposta que virá d’Ele. Não importam as circunstâncias, o processo de estar reanimado por Deus e em Deus é o que faz toda a diferença em nossa caminhada na/ com a Igreja.

Me lembro do trecho da letra de uma música muito bonita chamada “O meu Deus é soberano”, do cantor de música gospel Fernandinho; o trecho ilustra muito bem essa sensação de estar “reanimado” ...

“O meu Deus é soberano,
 O meu Deus é soberano;
 Se o meu coração parar de bater
 Ele sopra em minhas narinas e me traz de volta à vida”.

Deus já soprou sobre nós uma vez para nos dar a vida, Ele mesmo pode nos reanimar quando estivermos vivendo os tantos processos de “C.T.I. da alma”. Davi se reanimou, reanime-se você também existe uma caminhada proposta por Deus onde já somos mais do que vencedores em Cristo Jesus (Rm 8.37).

O segundo ensinamento

Depois que Davi consultou a Deus, ele obteve resposta favorável: Se ele fosse atrás dos salteadores conquistaria vitória; recuperaria seus pertences e família; e aos seus homens Deus permitiria o mesmo (v.8).

Na ida, durante a caminhada, Davi e 400 de seus homens encontraram um egípcio muito fraco por estar sem comida e sem bebida havia 3 dias e 3 noites (v.12). Após recobrada suas forças, alimentado, Davi lhe fez a seguinte pergunta: de quem és tu e de onde vens? (v.13). Essa pergunta certamente era crucial para aquele homem! Sua resposta foi sincera; mais ou menos assim: fui com os amalequitas na sua terra, destruímos tudo o que vimos pela frente e trouxemos com a gente seu gado e sua família. Ele contou ainda à Davi que era servo de um amalequita e que por ter ficado enfermo foi abandonado pelo seu senhor pois não poderia mais para auxiliar nos saques do bando. Logo à seguir, Davi, sempre estratégico, perguntou ao que antes estava enfermo se ele poderia guiá-los ao bando.

E foi exatamente o que aconteceu.

O segundo ensinamento para nossa caminhada na/com a Igreja nos é precioso. Deus pode nos surpreender usando quem Ele quer e do jeito que Ele quer. Lembremo-nos de 2 Rs 6 e 7; Deus honra a profecia de Eliseu contra os Assírios e ameniza o período de fome em Samaria usando 4 leprosos.
No caso do texto lido Deus usa para guiar Davi e seu exército um enfermo, invalidado pelo seu senhor. Se não fosse os conhecimentos desse homem Davi demoraria muito mais tempo de caminhada até alcançar os amalequitas, “saqueadores de bênçãos”: Deus colocou na frente de Davi e de seus homens, um abandonado, aquele que os levaria à possibilidade de recuperar suas famílias e pertences.

A Igreja não pode ignorar e passar de largo, e nem abandonar os soldados enfermos que vão ficando feridos no meio do caminho. Frequentemente me vejo num gabinete ouvindo alguém que quer terminar de matar o solado ferido por ser ele/a um peso para o ministério, para a Igreja. É muito difícil no meio de uma guerra a tropa ter que dar conta de seus companheiros feridos; não raras às vezes eles vão para cima das costas de alguém que além de se proteger tem agora que suportar os pesos de um colega que caiu ferido em combate. Mas é exatamente essa que deve ser a postura da Igreja em batalha; como um grande grupamento na guerra contra satanás (Ef 6.10) dar suporte real, em tempo real, aos realmente feridos (Ef 4.2). Não podemos fazer isso tão somente em troca de alcançarmos objetivos, isso seria egoísmo e um “des-Evangelho”, embora essa pareça ser a realidade da Igreja hoje, num mundo onde perdeu-se a perspectiva de gratuidade. Mas, certamente Deus usará nosso cuidado para com os combatentes feridos e abandonados no meio do caminho à nosso favor (1 Co 9.17).

Quando a Igreja faz a opção de não abandonar no meio do caminho os soldados feridos, certamente ela chegará com maior eficácia aos seus objetivos de edificação do Reino de Deus entre nós e para o mundo.

O terceiro ensinamento: os despojos!

Após Davi ter alcançado os amalequitas, a Bíblia nos relata que ele ressarciu para si tudo quando havia perdido – de certa forma foi restituído; aos recuperados de Davi foi dado o nome de despojos (cf.: v. 20).
Podemos então qualificar despojo como sendo “o algo” que antes era meu; mas que por algum motivo eu perdi, e agora recuperei novamente.
Uma pérola para nós cristãos!
Muitos de nós ficamos pedindo à Deus bênçãos incontáveis, e não cessamos de pedir. Mas na verdade não nos prontificamos, às vezes por medo, e outras por dificuldades diversas, em vencermos nossos gigantes. Para isso teríamos que identificar nossos inimigos e localizar num segundo passo nossos despojos. Mas em nossa caminhada na/com a Igreja, quase nunca nos preocupamos em vencermos nossos inimigos, e fechar as nossas brechas, esse é o caminho mais difícil. O caminho mais fácil é pedir outro para Deus.

Deus não abençoa mais uma vez, e mais outra (...) - e sempre assim num processo monótono, de quase monólogo: “eu peço e Ele me dá!”. O próprio Jesus disse que se eu pedir pão é isso o que eu terei das mãos de Deus: pão. Todavia se o pão for roubado, eu preciso lutar por ser restituído, e isso demanda energia para alcançar os amalequitas espirituais, os que saquearam minha Ziclague, e pegar meus despojos.

Deus quer que nos levantemos e marchemos, rumo a restituição do que um dia já foi bênção para nós; eia, fechar as brechas, vencer nossos inimigos espirituais (Ef 6.19; 2 Co 10.4) - aos despojos! Quando eu como parte da Igreja entender isso na minha caminhada de fé, certamente estarei disposto a verificar o meu passado, rever os meus erros e consertá-los; isso me aprimorará no processo de caminhada cristã, processo de santificação.

Conclusão

Minha caminhada cristã depende de eu querer estar reanimado em Deus e com Deus antes mesmo de saber o desfecho da minha história; depende do suporte que eu dou às pessoas que estão dentro e fora da Igreja, magoadas por algum motivo, feridas! E depende da minha disposição em visitar meu passado, meu presente e projetar por meio de Deus o meu futuro, para identificar os inimigos da minha mente, os que militam contra mim (Gl 5.17; Tg 4.1), vencê-los e reaver meus despojos.

Onde celebraremos a páscoa? (Mc 14.12-16)

O relato de Marcos sobre a pergunta que os discípulos fizeram à Jesus pode ser uma chave de leitura para nós cristãos entendermos o significado da celebração pascal em nossos dias.
A celebração

No Primeiro Testamento a Páscoa era uma celebração cultural, portanto localizada! Era o tempo em que o povo Hebreu trazia à memória o período do cativeiro em terras egípcias; e celebravam, com boa recordação, o livramento que Deus deu aos primogênitos das famílias cujas portas estavam marcadas nos umbrais com sangue do cordeiro imolado. Podemos afirmar também, que na Páscoa o Hebreu celebrava a libertação do povo caracterizada no êxodo, e a entrada na terra que emana leite e mel: terra prometida por Deus!

No Novo Testamento a celebração pascal vai aos poucos adquirindo um caráter festivo-universal; deixa portanto de ser uma festa localizada, ou hebréia somente. Deixa de ser específica de uma cultura e se transforma num compromisso cristão de famílias, e de cada um dos membros da mesma, para com Deus. Temos um exemplo esclarecedor disso quando, nas palavras do Apóstolo Paulo em sua epístola aos corintos (1Co 5.7-8), Cristo é o Cordeiro-Pascal imolado. Na medida em que Cristo foi sendo difundido Ele mesmo foi ficando universal; acontece o mesmo com a festa da páscoa e dos pães asmos. A dimensão do fermento que ficou de fora dos pães asmos no êxodo, concreta para o povo hebreu, agora é elevada à dimensão de “pecado-pureza”: no “ser”, no culto doméstico, na Igreja, e assim por diante.

Mas e hoje, o que significa a Páscoa? onde vamos celebrar então?

Essa pareceu ser a essência da pergunta dos discípulos à Jesus no relato do Evangelista Marcos. Vamos observar atentos o texto bíblico e ver o que estava implícito na resposta de Jesus.

Vimos que Jesus envia os discípulos à uma casa; o envio foi específico (o verbo apostello, no grego pode ser lido como “ir a um lugar estabelecido”). Alguns detalhes me chamaram atenção nesse envio a um local pré-estabelecido. Por exemplo, a ênfase que Jesus dá no “espaço-disponível”.

a. Espaço disponível fora da casa do homem – Trazendo um cântaro de água (v.13). Conforme Lv 23.2-3, no primeiro e último dia da celebração da páscoa e dos pães asmos não poderia haver esforço físico, de forma alguma; a menos que fosse para a preparação do que se haveria de comer. É possível que esse moço soubesse do risco de vida que ele corria por carregar um cântaro de água no primeiro dia da celebração. Seria isso uma afronta à cultura, ou uma forma de subversão? Ou um esforço necessário para que a celebração fosse possível? Consideramos essas duas possibilidades como plausíveis, mas não podemos fazer maiores afirmações nesse sentido. No entanto, sabemos com certeza que o homem estava indo para sua casa com um cântaro de água. Fica-nos claro a ênfase na caminhada desse homem fora da casa onde haveria de acontecer a celebração pascal: ele não temeu, por algum motivo, sofrer as penalidades da lei judaica.

b. Espaço disponível dentro da casa do homem – havia um cenáculo espaçoso, mobiliado e estava pronto (v.15). Conforme Jesus orientou seus discípulos, já havia o espaço necessário na casa; ali eles/as já estavam preparados/as para receber Jesus e seus discípulos/as para a celebração.

c. Espaço disponível no coração do homem – Diga ao dono da casa que é o Mestre (gr.Didaskalos, professor) quem pergunta (v.14). É muito interessante Jesus referir-se a si mesmo como “o professor”; certamente era uma família de corações aprendizes; uma família que estabeleceu com Deus uma relação de sala de aula, onde eles eram os alunos.

Conclusão

Já temos condições de, ainda que de forma básica, respondermos pelo significado de páscoa para nós hoje, e qual é a família que tem condições de celebrar uma páscoa genuína? Acredito que, com base nesse trecho lido do evangelho de Marcos, sim! Páscoa é Deus em Cristo, ressurreto e com a gente onde quer que estejamos; é Deus com a gente na nossa casa, nossos espaços!

Jesus tem buscado corações, e famílias, que “tenham condições” de oferecer-lhe hospedagem! Contrariando a lógica atual, onde “ter condições” significa gozar de espaços amplos para lazer, entretenimento e uma “conta bancária gorda”, Jesus busca uma família que trabalhe espaços cristãos; isso é ter condições de oferecer-lhe hospedagem. Ele busca a família que leva as Boas Novas para “o lado de fora”; e que não teme correr riscos quando isso for necessário. Famílias que tenham o espaço da casa preparado para sua chegada e para acomodar seus discípulos; um cenáculo precisa estar preparado em nossos lares, em nossos corações: Deus tem buscado, para estabelecer seu Reino de amor e justiça, famílias que gozem de um espaço favorável à fé.

Finalmente, a páscoa é celebrada onde os corações são um espaço vivo para a atuação de Deus; o espaço possível de estabelecermos com Ele uma relação de aprendizado: Ele é o Mestre e Professor, e nós alunos/as.

terça-feira, 30 de março de 2010

Páscoa Cristã: a fidelidade de Deus em meio à infidelidade humana


Pr. Ronan Boechat de Amorim*
Com toda certeza, a Páscoa Cristã é tempo de alegria, louvor, festa, gratidão e vitória, pois Jesus venceu a morte e ressuscitou, oferecendo-nos generosamente o perdão pela sua morte na cruz por todos os nossos pecados e a salvação para uma vida abundante e eterna.

Mas se a Páscoa Cristã, por um lado, fala do amor, da generosidade, do perdão e da fidelidade de Deus; por outro, denuncia a infidelidade humana a Deus, ao Evangelho, ao Reino de Deus, à Aliança estabelecida em Jesus.

Apenas alguns dias após ser aclamado e reverenciado durante a sua entrada triunfal na cidade de Jerusalém (Mt 21.1-7), Jesus experimenta rejeição, traição, abandono e uma tremenda solidão. Se a multidão, num momento, aplaude e louva; no outro, troca Cristo e seu Evangelho de Paz por Barrabás e sua luta armada contra o Império Romano. E, além do desprezo notório, a multidão quer espetáculo. E, como num show de horrores, pede a crucificação de Jesus.

Algumas infidelidades e traições humanas:

1. Jesus foi perseguido cruelmente pelos religiosos supostamente em nome do Deus (que se encarnou e veio em Jesus para nos salvar), matando, assim, o Filho de Deus em nome do próprio Deus.

2. Jesus foi traído por Judas Iscariotes, um de seus 12 discípulos, por 30 moedas de prata (Mt 26.14-16).

3. Pedro, um dos discípulos mais chegados a Jesus, o trai, negando-o por três vezes seguidas (Mt 26.69-75).

4. Marcos ou João Marcos, que mais tarde será discípulo de Paulo e Barnabé e que escreverá a primeira versão do Evangelho, foge nu, deixando para trás as próprias roupas (Mc 14.51-52).

5. Praticamente todos os discípulos e discípulas de Jesus, desesperançosos, abandonam o seguimento de Jesus, retornando para a "velha vida" de antes de conhecerem a Jesus. É o caso, por exemplo, dos discípulos que fogem de Jerusalém para retomar a "velha vida" em Emaús (Lc 24.13-35).

6. Os que não fogem ficam de longe, escondidos no meio da multidão, tal como as mulheres mencionadas em Mateus 27.55.

7. Outros continuam em Jerusalém amedrontados e escondidos numa casa com as portas bem trancadas (Jo 20.19 e 26).

Pode parecer bobagem, mas faço questão de explicitar que a infidelidade e traição a Deus é natural e obrigatoriamente também infidelidade e traição ao Reino de Deus, ou seja, à justiça, à ética, à solidariedade, à paz, à tolerância, ao projeto igualitário, à humanização das relações pessoais, etc.

A traição e infidelidade a Deus é traição ao projeto de sermos realmente pessoas humanas. Quanto mais distante e rompido com Deus, seu Evangelho e seu Reino, mais desumanos nos tornamos. É a presença e o amor de Deus que nos humanizam, nos convertendo às relações humanas e humanizadas, nos capacitando para o amor ao próximo, à promoção e construção da paz e da solidariedade, à prática da justiça e da tolerância...

O ser humano distante ou sem Deus é um ser profundamente desumano, por mais religioso e supostamente cristão que possa parecer. Felizmente a Igreja e Deus são diferentes. Graças a Ele que não são a mesma coisa nem se confundem. Pois há gente que está na Igreja há cinco, dez, vinte, cinquenta anos e que ainda não conheceu o amor, a graça salvadora e a intimidade do Senhor. Há gente que está na igreja, ocupa cargos importantes e de liderança, às vezes são religiosos(as), padres e pastores(as), bispos(as), etc, e que não conhece o amor e a graça salvadora e a intimidade do Senhor. Tão religiosos e nada espirituais. Supostamente tão pertos de Deus, mas na prática distantes infinitamente. Supostamente discípulos, seguidores, fiéis... mas na prática indiferentes, traidores, infiéis.

O próprio Senhor Jesus disse que se conhece a árvore pelos seus frutos. Mesmo uma árvore centenária plantada nos átrios do Senhor. De onde está pode-se ouvir os louvores e a proclamação da Palavra Sagrada. Mas isso não quer dizer absolutamente nada em termos de espiritualidade. Pois, como diz o apóstolo Paulo, só quem ama cumpre toda a Lei (mandamentos, vontade) de Deus.

Páscoa Cristã, a manifestação da fidelidade de Deus em meio à infidelidade e traição humanas. Páscoa Cristã, tempo de reafirmar nosso amor para com Deus, nosso compromisso para com o Evangelho, nossos serviços em prol do Reino de Justiça e Paz, nossa vida em prol de um mundo segundo o coração de Deus (tão claramente anunciado, publicado e explicitado em Jesus).

Celebremos com gratidão e alegria a ressurreição de Jesus, sem a qual nossa fé seria vã. E oremos para não cairmos na indiferença, tentação, infidelidade e alienação em relação ao Reino de Deus.

Feliz Páscoa! Que o Ressuscitado esteja em seu coração, iluminando sua vida, seus relacionamentos, seus caminhos e seu jeito de caminhar


* Ronan Boechat de Amorim é pastor da Igreja Metodista de Vila Isabel e coordenador do Conselho Editorial do Jornal Avante