quarta-feira, 14 de maio de 2008

Tradição frente às transitoriedades da vida


Acho sim, que “o olhar para trás”, o fato de buscar na tradição respostas que me orientem no presente, diferente de buscar legitimação para meus atos hoje, é algo saudável, e também humanamente pastoral; e ser humanamente pastoral em uma sociedade onde pouco se fala de pastoral, pelo menos daquelas que reconhecem a vida como prioridade é sempre muito saudável. Aliás, olhar para trás para resolver problemas “da e na” caminhada , o apego à tradição, é característica do povo bíblico, dos semitas, principalmente no Antigo Testamento. Preservar elementos da tradição é sempre um fator que norteia, que de certo modo “repete a fórmula”, que traz elementos específicos - fixos à uma comunidade de fé. Isso é importante? Diria que sim, e não só importante como necessário, principalmente quando “olhamos para fora” (e acho inclusive que as Igrejas deveriam fazer isso mais vezes e com mais intensidade) e percebemos uma sociedade em constante mutação, sem parâmetros básicos de desenvolvimento.

Atualmente, com a sociedade em constante mutação, vem à tona a auto-valorização enquanto indivíduo, o que culmina em individualismo, esse que tem sua ênfase no subjetivismo (quantos “ismo”!!), e ... sonhar é cada vez mais possível ... para muitos, o impossível já não existe mais. Sem parâmetros, sem noção de limites. Alguns diriam: - Puxa !! isso é sinônimo de liberdade; liberdade fruto da globalização que presenteou a sociedade, cada vez mais moderna. Eu diria que isso não é liberdade, e nem mesmo um presente, mas talvez uma carta bomba, (desculpem, um “e-mail bomba” !). Em qualquer âmbito da vida humana, em que se perde os parâmetros de “crescimento” e o projeto do que vem a ser um desenvolvimento saudável, não excludente, pode significar que estamos construindo, ou contribuindo de alguma forma para a construção, uma sociedade cada vez mais neurótica, muito apegada em coisas frágeis, em sonhos ilimitados, coisas essas que “não dão conta”, não preenchem o vazio nas horas de angústia, de caos.

Enquanto Igreja: Uma espiritualidade baseada estritamente em emocionalismos (não pejorativo), voltada às paixões humanas, citando aqui o que vem a ser uma espiritualidade muito subjetiva - é frágil, quando se considera as constantes mudanças e as situações de conflito da vida. A recorrência dessa prática dentro de nossas Igrejas, promovem, ou contribuem para promoção, daquilo que os estudiosos chamam de “mal do século”: a depressão, cada vez mais em alta. Atualmente na América Latina e caribe, segundo dados do Hospital Santa Lúcia (disponível em: (http://www.santalucia.com.br/neurologia/depressao/default.htm), um a cada quatro deprimidos procuram ajuda, e a estatística é de que aproximadamente 24 milhões de pessoas sofrem de depressão.

Nesse sentido sim, queremos tradição. Porque queremos pontos fixos, elementos de fé seguros, que dão subsídio para encarar a vida mesmo em momentos extremos, de reais angústias, diante do caos.

Mas, um agravante, que na minha concepção reflete o fato de como a vida é complexa. A busca pela tradição não pode sem um fim em si mesma, porque nem sempre ela nos traz coisas atualizadas, e prontas, que cabem perfeitamente “no hoje”. E, estacionar no “meio do caminho”, com o pretexto de ser conservador da “sábia tradição”, na realidade pode significar um esforço de legitimar, quase que uma desculpa, o medo que eu tenho de estar aberto ao novo. Porque novidades sempre implicam em mudanças, mudanças implicam em revisões de conceitos, revisão de paradigmas. Isso pode ser um problema, apegar-me à tradição porque não existe abertura ou competência para dialogar com o que é novo, e/ou com o que é diferente de mim e do que eu penso.

De qualquer forma, acho que vale a reflexão. Nenhuma estrutura sistemática de raciocínio, nenhum discurso ou tese enquanto esforços humanos e especulativos, deve ter a pretensão de ser a solução perfeita para todos os problemas da sociedade, de conter a fórmula mágica. A vida é complexa, fruto de relações complexas que geram conflitos inconscientes reais e complexos. Mas, e a tradição? O ato de conservar a tradição tem que estar fundamentalmente relacionado com a vida cotidiana atual, precisa dar respostas equilibradas ao indivíduo que respira os ares de um momento específico da história e de sua história, ambas cada vez mais transitórias.

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