pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto” (Rm 7.15)
Sabotar é agir astutamente contra algo ou alguém. É dificultar ou prejudicar uma atividade. É o ato de destruir aquilo que seria bom, interromper, impedir de ser bem sucedido.
Imagine alguém que realiza uma dieta sofrida, está prestes a alcançar seu objetivo, mas numa noite levanta-se silenciosamente, de pé em pé vai até a geladeira, e em alguns minutos destrói semanas de sacrifício. Quem o impeliu?
O estudante está quase ao final do curso, e de repente é tomado por um desejo de abandonar tudo, mas ele próprio não sabe explicar exatamente porquê. Quem o está convencendo?
O que move um jovem apaixonado, e que estava indo bem no amor, abruptamente romper seu relacionamento para iniciar com outra pessoa? E mais à frente fazer o mesmo com esta? Ignorando o que acontece dentro de si, ele se “vitimiza”, imaginando que essas coisas acontecem porque não é compreendido.
Qualquer indivíduo com um mínimo de consciência sabe que precisa fazer exercícios físicos, e talvez até sinta vontade de frequentar a academia ou andar diariamente, mas uma força o convencerá a se esparramar diariamente no sofá com um controle remoto na mão. Outros são conhecedores dos males dos conservantes, corantes e gorduras trans, mas continuarão comendo hambúrgueres, tomando refrigerantes e comidas de origem duvidosa.
O sabotador que habita em nós se recusa a ser integrado à consciência, pois seu grande desejo é ser autônomo. Ele é o nosso “piloto automático”. Quanto mais vivemos no “automático”, sem consciência, mais chance temos de nos perder. Não reconhecer o sabotador agir é estar suscetível a machucar quem não desejamos fazê-lo, a provocar intrigas, fraturas nos relacionamentos e fragmentação no ser interior.
Almejamos o bem, buscamos o bem, mas nos surpreendemos como destruímos com facilidade as coisas boas da vida que Deus nos concede. É o reconhecimento de que “em mim não habita bem algum” (Rm 7.18a). Acho que agora entendo o poeta quando ele diz que...
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Na cosmovisão religiosa pós-moderna onde o mundo é manipulado por encostos e espíritos, o sabotador é visto como um ser exterior a nós, mas que nos tomou e nos subverteu, e para resolver esse problema bastaria apenas expulsa-lo. Porém, um olhar mais atento perceberá que o exorcismo nada pode contra ele, pois esse agente de ação destruidora é parte integrante de nós, e até o fim de nossas vidas teremos de lidar com ele. Em Cristo, podemos crucificá-lo (Gl 5.24), mas jamais eliminá-lo.
Reconhecer o sabotador é preciso, nominá-lo é necessário, perceber sua presença, sua fala, seus gestos. Uma das armas mais letais contra ele se chama confissão. Confessar-se miserável, insensível, indomável, fraco, é o inicio de uma retirada do poder que ele exerce sobre nós. Tudo o que é exposto à luz de Cristo perde sua força, e deixa de ser uma sombra, pois a partir do momento que é reconhecido, já não será mais um poder oculto autônomo. A pior doença é aquela escamoteada e vivida em segredo. A esses, Jesus não pode ajudar, pois Ele deseja que participemos da cura: “vai, lava-te...”, “toma o teu leito...”, “o que queres que Eu te faça...?”.
Ação da carne é sempre uma ação autodestrutiva, insensata, que traz prejuízo a si próprio. Faço um protesto contra mim mesmo, pois constato que não mando em minha própria casa-corpo, visto que “aquilo que quero não faço, porém o que odeio, isso faço”. Reconheço que há em mim um ser fragmentado cheio de desarmonia que ocupa o intervalo entre o que “eu sou” e o que eu “quero ser”.
Paulo se pergunta: “quem me livrará do corpo desta morte?”. Por nós mesmos não há como. Mas graças a Deus por Cristo Jesus, porque a vida do Espírito em nós nos dá a possibilidade de viver harmoniosamente, com equilíbrio e sensatez, apesar da carne sabotadora.
O que o Evangelho me pergunta é se quero continuar me inclinando para as tendências do meu ser despedaçado, e permitir que ele tenha domínio sobre mim, ou se me inclinarei à suave presença do Seu Espírito para que Ele tenha a palavra final nas decisões de minha vida. A duplicidade traz temor, ansiedade e escravidão, mas a pureza de coração sempre deseja uma só coisa (Kierkegaard).
Pr. Daniel Rocha
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