“Não tenho outro nome, senão o de pecador; pecador é meu nome; pecador, meu sobrenome” (Martinho Lutero)
Há alguns anos ganhamos um cão labrador. Junto veio um certificado mostrando sua pureza de raça, atestando que não era um labrador “qualquer”, pois foi gerado por um exemplar especial, veio de um espécime escolhido entre muitos outros. Ele tem “pedigree”.
Quando Hitler tomou o poder na Alemanha, cientistas iniciaram pesquisas para um trabalho de melhoria da raça germânica. A proposta era eliminar os fracos, os doentes, os que nasciam com alguma deficiência física. Buscava-se uma “pureza racial”. Dá-se a isso o nome de “eugenia”. Essa expressão foi cunhada em 1883, e significa “bem nascido”. Para os nazistas, as raças nórdicas estavam no topo da hierarquia humana, depois havia as “raças inferiores” e finalmente a mais baixa de todas, as “parasíticas”, constituídas pelos ciganos, judeus e africanos.
Deus sempre quis um povo para si, para glorificar o Seu Nome e espalhar a santidade sobre a Terra. Aos nossos olhos seria normal que Ele escolhesse as melhores pessoas, as mais virtuosas, as mais educadas, e bem nascidas, para que fizessem parte desse povo. Mas aí vem Jesus, e diz justamente o contrário: “não vim chamar justos, mas sim pecadores” (Mt 9.13).
De onde você imagina que veio? De uma família boa, classe média, e respeitável? E que você conquistou o seu lugar no Reino por seus méritos? Esqueça. Uma das grandes dificuldades que existe na igreja é passar aos seus membros sua origem comum. A nossa condição humana nos iguala nos desvios, erros e vícios. Nossa origem adâmica, com todas as suas conseqüências nivela a todos nós. Igreja é um grande abrigo de doentes. Mas há uma vantagem em ter consciência disso: doente não tem medo de estar perto de outro doente. Só quem se enxerga “saudável” é que teme se misturar e contaminar.
Na verdade, diante de Deus não há duas classes de homens: os bons e os maus. A única divisão é: os maus que se reconhecem pecadores e os maus que ainda precisam reconhecer seu estado. Não há bons. Não há dignos. Não há cristãos gerados com pedigree. Ninguém no Reino de Deus carrega pedigree santo, “sangue azul”, ou espiritualidade “eugênica”.
Deus se irou tremendamente quando o seu povo peitava aos que necessitavam de misericórdia com a seguinte frase: “Fica onde estás, não te chegues a mim, porque sou mais santo do que tu” (Is 65.5). De onde vem esta postura? Trata-se de uma defesa, uma tentativa de se sentir-se “melhor” ou superior rebaixando o semelhante.
Quando vemos pessoas em dificuldades, presos a um vício, ao pecado, ou a uma postura destrutiva para si mesmos, somos chamados – não para julgá-los – mas para acolhe-los. Não pode faltar ao cristão o sentimento de empatia, que é a capacidade de compreender o espírito e os sentimentos do outro. Somos chamados para estender essa misericórdia divina a todos que nos cercam. Philip Yancey, em seu livro Maravilhosa Graça, conta de seu amigo que lhe confessou com profunda tristeza: “Como gay, descobri que é mais fácil conseguir sexo nas ruas do que um abraço na igreja”. Isso é abominável diante de Deus.
A meu ver, a mais bela expressão registrada na bíblia sobre o Reino de Deus, está na Parábola da Grande Ceia (Lc 14), onde o servo saiu a avisar aos convidados do banquete que o seu senhor preparara, mas estes tinham coisas mais importantes a fazer. Voltando o servo para a casa, o senhor se irou e disse: “sai depressa para as ruas e becos da cidade, e traze aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (penso que conheci a Deus nessa remessa).
Interessante: quando o servo retorna da missão com aquela gente “desqualificada”, o seu senhor o manda sair ainda mais uma vez: “vai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar, para que fique cheia a minha casa”. Não houve filtragem de convidados, nem se impôs condições prévias a eles. E ao servo não foi permitido exprimir seus gostos e preferências pessoais. Competia a ele cumprir o que fora ordenado pelo seu senhor. Creio que o Pai quer a sua casa cheia, com gente de todas as “tribos”.
Naquele banquete, todos que se sentam à mesa são igualmente indignos. Entendo agora porque Lutero afirmava de forma tão peremptória: “Não tenho outro nome, senão o de pecador; pecador é meu nome; pecador, meu sobrenome”.
Somos mendigos que descobrimos onde tem comida da boa. Agora, a nossa missão é avisar aos outros mendigos, inválidos e desqualificados. Somos aquele servo que sai para proclamar as boas-novas a todos. Quanto “pior” eles forem, melhor. O Pai se agradará muito em acolhê-los, amá-los e conceder-lhes dignidade. O Senhor também espera que os servos que saem a convidar, igualmente se agradem em estar ao lado deles.
Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br
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