quarta-feira, 25 de junho de 2008

Barack Obama: Na contramão do "imaginário teológico" de Bush.

Vale à pena refletirmos sobre "a abordagem teológica" com certa "proposta de inclusão", presente no discurso de Obama; que não deixa de ser política.

Obama pode se tornar o primeiro presidente negro dos EUA. Fonte: Folha On Line, dia 14.01.2008.

Barack Obama -- negro e filho de muçulmano e de sobrenome Hussein -- já foi classificado como "a grande esperança dos brancos" pela imprensa americana, ao incorporar o sonho de reconciliação e ao se colocar acima das divisões raciais do país.


Diferentemente de Hillary Clinton --que freqüentemente evoca o "marco histórico" que seria alcançado caso se tornasse a primeira mulher presidente dos EUA-- o senador Obama raramente menciona diferenças de cor em seus discursos de campanha.

O senador Barack Obama é o 1º negro a ter chances reais de chegar à Casa Branca
"Não há um EUA branco e outro negro, e sim os Estados Unidos da América", declarou em um discurso durante a convenção nacional do partido democrata em Boston, em 2004.


Apesar das divisões raciais nos EUA, para Elaine Kamarck, professora de políticas públicas da John F. Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard, a questão da cor não terá muito impacto. "Há uma mudança nesta geração de americanos, e a questão de raça é menos importante a esses jovens do que às pessoas mais velhas", diz a professora.


A maior parte dos eleitores de Obama se concentra na camada mais jovem da população --que vive em meio à diversidade das universidades, influenciados pelo rap e pela música negra em geral-- e nos americanos de 30, 40 anos, que viveram as mudanças sociais das últimas décadas.


"A verdadeira essência do apelo de Obama é a idéia de que ele representa o idealismo racial --a idéia de que raça é algo que os EUA podem transcender", disse Shelby Steele, pesquisadora da Instituição Hoover da universidade Stanford, ao "Wall Street Journal".


"É uma idéia muito atraente. Muitos americanos realmente gostariam de encontrar um candidato negro em quem poderiam votar tranqüilamente para presidente dos EUA.

Origens. Protestante filho de muçulmano, Obama está acostumado a circular entre os mais diversos meios sociais. Senador democrata por Illinois, ele é filho de Barack Obama, economista queniano negro educado em Harvard, e de Ann Dunham -- branca, de Wichita, no Estado do Kansas. Nascido em Honolulu (Havaí) em 1961, seus pais se separaram quando ele tinha dois anos. Obama morou na Indonésia enquanto criança, após sua mãe se casar com um indonésio, e depois viveu no Havaí, com seus avós brancos.


As idas e vindas deram, segundo sua própria opinião, as ferramentas necessárias para que pudesse se tornar um político hábil na hora de fazer coligações e traçar alianças.


"Ele se movimenta entre vários mundos", afirma sua meia irmã, Maya Soetoro-Ng. "É o que fez em toda a sua vida".


Adolescente rebelde. Sua adolescência no Havaí foi marcada não só por uma destacada trajetória escolar, mas também por anos de contravenção. Na época, Obama experimentou maconha e cocaína, conforme afirma em sua biografia. Hoje se defende das críticas, feitas principalmente pelo casal Clinton e por assessores de Hillary, dizendo crer "que o americano médio sabe que o que alguém faz quando é adolescente, há 30 anos, provavelmente não é relevante em como vai desempenhar seu papel de comandante-em-chefe e presidente dos Estados Unidos".


Até o momento, apesar de o consumo de drogas ter sido levantado pelos rivais, a questão ainda não afetou sua campanha, na opinião de Kamarck, mas poderia, caso ele seja nomeado candidato democrata, e o Partido Republicano resolva polemizar a questão.


Obama casou-se em 1992 com Michelle Robinson Obama, com quem tem duas filhas: Malia, 9, e Sasha, 6.


Formação. Apesar da juventude que pode ser taxada de rebelde, Obama obteve uma seleta formação nas universidades de Columbia e Harvard, trabalhou como professor e defensor dos direitos civis em Chicago e foi eleito senador em 2004.


Ajudado por seu carisma e um enorme sorriso, Obama ganhou uma popularidade similar à de um astro de rock. A seu favor joga também uma atitude crítica com o conflito no Iraque, com críticas feitas antes mesmo da invasão do país por tropas lideradas pelos EUA em 2003.


Apesar de se vangloriar de suas experiências de vida, a principal fonte de críticas ao senador deriva de sua inexperiência política, principalmente em cargos executivos.


"Essa é a grande questão", diz Kamarck. Ele tem muito pouca experiência em nível internacional".


Terrorismo. No ano passado, Obama afirmou que, se eleito, poderia enviar tropas ao Paquistão para procurar terroristas. O país é um dos principais e mais importantes aliados dos EUA na "guerra contra o terror", o que fez a declaração causar espanto entre os americanos.


"Sou uma das pessoas que achou essa declaração nada inteligente, pois ela demonstra sua inexperiência", diz a professora de Harvard. Porém, ela afirma que se ele chegar ao cargo e tiver uma equipe para política internacional, "não será assim tão mal".


Obama brinca freqüentemente que o povo não se lembra de seu nome. A própria rede de TV americana CNN teve de fazer recentemente uma correção após confundir o nome do senador com o do terrorista de origem saudita Osama bin Laden, líder da rede Al Qaeda.


Chamá-lo de "Barack Osama", no entanto, não foi um engano cometido exclusivamente pela rede de TV.


Outros políticos, principalmente da oposição, já erraram seu sobrenome algumas vezes.

Por Fernando Serpone da Folha On Line. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u363384.shtml>. Acesso dia 24 de junho de 2008.

terça-feira, 24 de junho de 2008

LIDANDO COM GENTE DIFÍCIL

"Amar uma pessoa significa vê-la como Deus
pretendia que ela fosse" (Dostoiévski)

Você conhece ou convive com alguém que recebeu a pecha de ser uma "pessoa difícil"? Toda família ou turma de amigos tem o seu representante. Ele está presente em todos os lugares. Geralmente são geniosos, irritadiços, pusilânimes, mau-humorados, e de difícil relacionamento e convivência.

A igreja, por exemplo, é um celeiro de pessoas assim. Não há nenhuma surpresa nisto, posto que são pecadores arrependidos, que encontraram a Jesus, mas ainda estão brigando com suas contradições interiores e lutando contra a velha natureza.

A própria bíblia nos mostra uma variada gama de personagens que tiveram relacionamentos tempestuosos com gente "difícil": a bela e sensata Abigail conviveu com o irascível Nabal [significa louco]. A serena e centrada Maria teve por irmã uma "ativíssima" e irritadiça Marta. Davi passou sua juventude ao lado de Saul, homem de temperamento violento e invejoso. Na parábola do filho pródigo, com certeza, o problemático era o rabugento e sorumbático irmão mais velho.

Um dos aspectos mais importantes da vida do cristão - e infelizmente um dos mais negligenciados - é o que diz respeito ao relacionamento interpessoal. Falamos muito em dons, bênçãos, oração, missão, louvor..... e por vezes até somos bem sucedidos nestas áreas, mas quase sempre a um custo elevado da vida relacional.

Acostumamo-nos ver cristãos que passam horas na presença de Deus, lágrimas rolam-lhes pela face, sobem ao terceiro céu, têm visões de anjos.... mas quando "descem" aqui pra Terra não conseguem conviver ou interagir com seus irmãos. Outros, vivem numa espiritualidade tão absorta em si mesmos que não fazem a menor questão de serem agradáveis ou amistosos. Lembro-me daquela menininha que orou:

"-Oh Deus, transforme as pessoas ruins em pessoas boas,
e as pessoas boas em agradáveis".

Muitos destes considerados "difíceis" são justamente cristãos operosos. Mas como é difícil o diálogo com eles, como é penoso falar-lhes.... a gente precisa medir as palavras, ter mesuras, cuidados.... Ou a intimidade com Deus se transforma em relacionamentos humanos frutuosos ou ela não passa de uma religiosidade oca, vazia e estéril.

Por outro lado, há os que são "difíceis" pelo temperamento [explosivo, melancólico, irritadiço, obsessivo....]. É fácil reconhece-los, pois estão sempre acuados, defendendo suas posições; qualquer palavra contrária às suas convicções é uma ameaça para eles. A atitude comum é sempre de autoproteção, de ensimesmamento.

Como agir com sabedoria quando Deus colocou em nosso meio pessoas com este perfil? Em primeiro lugar, devemos ser bênção para elas. A estas, devemos acolher, e não discutir: "acolhei ao que é débil na fé, não para discutir opiniões" (Rm 14.1). O forte deve saber calar e esperar.

Se ela age insensatamente (e provavelmente o faz) é preciso saber que "não adianta repreender o insensato, pois você só vai se aborrecer" (Pv 9.8). Sua fragilidade e o desejo de defender seus pontos de vista não permitirão ouvi-lo. Embora você possa ser sensato no falar, suas palavras jamais serão vistas como de sabedoria, mas de antagonismo. E aí você entrará num terreno pantanoso - o campo da discussão; adoram discutir, pois faz parte da estratégia de dissuasão e afastamento do outro.

O que fazer, então? Falar-lhe em amor, mas essencialmente saber esperar com paciência e longanimidade [fruto do Espírito] até que haja uma transformação pela renovação da sua mente. No ministério pastoral, por exemplo, estamos sempre esperando.

Precisamos abandonar a idéia de que "nós" vamos mudar os outros. Muito "casamento-missionário" fracassa porque um dos parceiros casa-se para converter ou mudar a outra pessoa. Não somos capazes de mudar ninguém. Não é obra nossa, mas do Espírito. A nós cabe vivermos tranqüila e mansamente e sermos para o outro um paradigma de Cristo. Bonhoeffer diz que todas as nossas tentativas para lançar uma ponte no abismo que nos separa dos outros, de vencer por meios naturais a distância intransponível que há no caráter diferente dos outros homens, se não passar pelo Mediador Cristo, haverá de falhar.

"Suportai-vos uns aos outros", não significa uma tolerância a contragosto. Ao contrário, a idéia é de sermos suportes, colunas, para a deficiência do outro.

Num certo sentido, todos nós somos "difíceis", dada a complexidade de nosso coração, as marcas indeléveis da vida e as defesas que erigimos para nos defender de um mundo hostil. O poeta Mário Quintana, tão bem reconheceu....

Por favor, não me analiseNão fique procurando cada ponto fraco meu.Se ninguém resiste a uma análise profunda,Quanto mais eu...Ciumento, exigente, inseguro, carenteTodo cheio de marcas que a vida deixou.

Mas que este reconhecimento não seja uma desculpa para permanecer no mesmo estado sempre. A luz que o Espírito emana em nosso interior é para lançar um facho sobre o emaranhado que há dentro de nós, e nos ajudar nesta caminhada de "descomplicar" a nossa vida. Que Deus nos ajude!

Pr. Daniel

SE NÃO FOR POR AMOR....

Ainda que eu entregue os dízimos de todos os meus ganhos ao Senhor, e faça todos os sacrifícios que me forem pedidos, se for por interesse ou para cobrar recompensa de Deus depois, nada valerá.

Ainda que eu ofereça na casa do Senhor as mais belas canções de amor, numa atmosfera de harmonia e espiritualidade, contudo, se uma ponta de vaidade e orgulho sutilmente se esgueirar por trás do meu rosto crispado, ao Senhor nada aproveitará.

Ainda que eu cure inúmeros doentes e levante paralíticos, e os cegos que minhas mãos tocarem voltem a enxergar, mas a despeito disso, se o nome do meu ministério ou de minha pessoa ofuscarem Aquele que é a origem de todos os milagres, sou um nada que imagina ser alguma coisa.

O amor não se arroga ter qualquer direito. O amor não faz cobranças a Deus, nem Lhe exige nada, pois é agradecido de coração por tudo o que recebe. O amor recusa-se a orar somente para pedir, mas faz da oração o momento de buscar comunhão com o Eterno. O amor não tenta mostrar aquilo que não é, posto ser transparente até mesmo quando erra.

Há muitas manifestações que se confundem com amor: a necessidade de sentir-se aceito pelo grupo ou até mesmo pela família pode tornar alguém extremamente servil, mas ao longo do tempo esse servilismo, erroneamente confundido como um amor-cuidadoso – por ser tão gentil e benevolente – pode transformar-se em raiva acumulada por tudo o que ele fez e “nunca lhe deram o devido valor”. Um ego que sente a necessidade de ser reconhecido como alguém especial fará tudo para dominar pessoas que transitam à sua volta, com um amor-provedor, mas só enquanto as pessoas lhe forem úteis para o seu propósito. No mundo gospel motivações inconfessáveis se escondem por trás da voz mansa, do gesto suave, ou palavras de lisonja, parecendo um pastor-amoroso, mas não passa daquele “lobo em pele de cordeiro” que Jesus falou.

Desde o Antigo Testamento Deus começou a se desagradar de seu povo, pois este cumpria o que a Lei pedia, sem entretanto colocar ali o seu coração, e se davam por satisfeitos como “cumpridores da Lei”. Mas vem Jesus e mostra que não basta apenas “fazer”, mas... com que intenção? Com que coração? Com que motivação? Se não for por amor.... esqueça.

Por vezes a (má!) intenção do ato está tão descaradamente à tona que não conseguimos esconder de nós e muito menos dAquele que perscruta todas as coisas. Outras vezes não está muito claro ao nosso consciente as motivações ocultas, pois “como águas profundas são os propósitos do coração do homem” (Pv 20.5).

Invariavelmente o Espírito me incomoda quando minha motivação não foi o amor. Sinto-me decepcionado com minha mesquinhez. Entendo agora porque Davi pedia com tanto ardor: “cria em mim, ó Deus, um coração puro” (Sl 51.10). Chega uma hora que nossos atos se tornam vazios, desprovidos de sentido, se por trás deles não há amor. É como se fôssemos empulhadores disfarçados de piedosos. Arre!

Pureza de propósitos, pureza de coração, é tudo o que o Eterno espera.

Percebo que os cristãos reformados são craques nas Confissões de Westminster. Admiro os adventistas que recitam de cor o Decálogo de Moisés. O bom metodista já leu os 25 artigos de religião de Wesley, e os batistas conhecem as “4 leis espirituais”. Parece que o apto a confessar-se cristão é aquele que aprende, memoriza, repete e concorda com os princípios de fé. Mas há uma pergunta que ainda precisa ser respondida, a mais importante de todas, aquela pergunta que se não tiver a resposta correta, todas as outras perdem sentido:

- “Filho, você me ama?”

Pr. Daniel

Demolindo as Torres de Babel (IV)

UMA AUTORIDADE MINADA PELAS CIRCUNSTÂNCIAS

“Agora, pois, meu filho, ouve a minha voz; levanta-te, refugia-te na casa de Labão, meu irmão, em Harã, e demora-te com ele alguns dias, até que passe o furor de teu irmão; até que se desvie de ti a ira de teu irmão, e ele se esqueça do que lhe fizeste; então mandarei trazer-te de lá; por que seria eu desfilhada de vós ambos num só dia? E disse Rebeca a Isaque: Enfadada estou da minha vida, por causa das filhas de Hete; se Jacó tomar mulher dentre as filhas de Hete, tais como estas, dentre as filhas desta terra, para que viverei?” (Gn 27. 43-46).

Certa vez, participando de uma reunião de pais e mestres no colégio de um dos meus filhos, a orientadora pedagógica da escola deu-nos a xerox de um texto que foi lido por ela durante a reunião. Tratava-se do exemplo de vida que nós como pais estávamos levando aos nossos filhos. Uma das frases que mais me chamou a atenção no texto foi a de que somos o espelho no qual nossos filhos se miram e se vêem. Encerrava-se afirmando que quando deixamos de ser espelho nos tornamos vidraças expostas às pedradas que fatalmente serão lançadas contra nós.

Citamos acima o exemplo que Isac herdara de seu pai Abraão e que por sua vez passara aos filhos. Se podemos aplicar aqui a lei da semeadura, por certo, não tardaria para que o tempo da colheita se cumprisse também na casa de Isaque.

Um erro jamais poderá ser reparado com a prática de outro. Percebam que Isaque, mais uma vez, não chama Jacó para dissuadi-lo da fuga nem aconselhá-lo com respeito a seu irmão, mas orienta-o a partir para a casa de seu tio, endossando a solução encontrada por sua esposa Rebeca. Sua passividade em face de uma situação tão séria é por demais espantosa. Um filho jurara matar o outro! Isso não é pouco!

Filhos que não conhecem seus limites irão atropelar a todos, a começar dentro de casa. Vai-se a autoridade paterna quando não se mostram aos filhos seus limites bem definidos.

CONCLUSÃO:

“Vendo também Esaú que as filhas de Canaã eram más aos olhos de Isaque seu pai, foi-se Esaú a Ismael e, além das mulheres que já tinha, tomou por mulher a Maalate, filha de Ismael, filho de Abraão, irmã de Nebaiote” (Gn 28. 8-9).

Há muitas famílias enfrentando a “síndrome de Esaú” em nossos dias. É duro ter que admitir, mas muitos homens de Deus não exercem nenhuma autoridade sobre seus filhos porque, na verdade, nunca se mostraram muito presentes nos momentos mais simples da infância, na idade em que somos os heróis na vida de nossos filhos. A atitude de Esaú revela uma ação de vingança contra os pais porque nunca foram confrontados e mais uma vez não houve um concerto, mas o paliativo da fuga. Nada pode revelar mais uma fraqueza que a fuga. A fuga não soluciona o problema, mas encuba-o para apresentá-lo mais tarde, às vezes com maior intensidade.

“Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra, e dali o Senhor os espalhou sobre a face de toda a terra” (Gn 11. 8-9).

A Torre de Babel na casa de Isaque atingira seu auge. A família começara a se espalhar. Jacó, mais uma vez orientado pela mãe, foge de casa para salvar sua vida. Esaú toma por esposa uma mulher contra a vontade dos pais e Rebeca fica lamentando com Isaque a sua sorte. Pronto, a família de Isaque estava totalmente separada. Uma grande “Torre de Babel” havia sido erguida, porém não é de torre que o Senhor se agrada, mas de altar, onde podemos consagrar nossas vidas e nossas famílias. Altar lembra sacrifício e tudo que era colocado no altar do Senhor era santificado. A melhor parte da história começa quando Jacó em sua fuga tem, em sonho, a visão da glória de Deus. Deus, agora, já não era somente o “Deus de Abraão” nem somente o “Deus de Isaque”, mas passou a ser também o “Deus de Jacó”.

“Ao acordar Jacó do seu sono, disse: Realmente o Senhor está neste lugar; e eu não o sabia. E temeu, e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus. Jacó levantou-se de manhã cedo, tomou a pedra que pusera debaixo da cabeça, e a pôs como coluna; e derramou-lhe azeite em cima. E chamou aquele lugar Betel; porém o nome da cidade antes era Luz” (Gn 28. 16-19).

É aqui onde a história começa a ser mudada. Jacó não seria mais um jovem que conhecia a Deus somente de ouvir falar. Agora ele tinha sua própria experiência com Deus e toma por si mesmo a decisão de servi-lo dali para frente. Aquela pedra, sobre a qual repousara a cabeça não foi colocada na “torre” da família, mas fora o primeiro altar sobre o qual Jacó colocou todos os seus anseios e suas preocupações:

“Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo e me guardar neste caminho que vou seguindo, e me der pão para comer e vestes para vestir, de modo que eu volte em paz à casa de meu pai, e se o Senhor for o meu Deus, então esta pedra que tenho posto como coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo” (Gn 28. 20-22).

Poderíamos continuar escrevendo muitas coisas sobre Jacó, desde sua chegada na casa de seu tio até sua saída regressando à sua terra de onde saíra, porém, façamos um hiato na história, recomeçando-a a partir de seu encontro com seu irmão Esaú. A “Torre de Babel” da casa de Isaque sofre, em toda sua existência, seu maior ataque demolidor; a força do perdão.
“Então Esaú correu-lhe ao encontro, abraçou-o, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou; e eles choraram” (Gn 33. 4).

Não há barreiras relacionais que não possam ruir pelo poder do perdão. Se tivessem aprendido antes a fazer uso dessa arma, de quanto desgosto poderiam ter sido poupados!

A Bíblia nos fornece uma informação precisa do que precisamos fazer para demolir as remanescentes “Torres de Babel” que persistem em muitas famílias: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor; e ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição” (Ml 4. 5-6).

O Revmo. Bispo Paulo Lokmann em um de seus estudos, intitulado “A Terra está Doente” enviado aos pastores, retrata muito bem as grandes “Torres de Babel” que cada vez mais estão sendo edificadas em todos os setores de nossa sociedade. Mas é na família e na Igreja que esta obra tem encontrado o solo mais propício. Não podemos deixar que ela se erga e nos separe, antes, porém, lancemos nossos ataques contra ela. As armas da nossa milícia não são terrenas, mas espirituais. Nossa igreja e nossa família se tornarão indestrutíveis quando o coração de um membro estiver voltado para o outro, quando aprendermos que as coisas não se resolvem com disputas, com fugas nem com ataques às lideranças, criando facções, mas a partir do diálogo e do perdão. Quando atingirmos este alvo teremos demolido nossas “Torres de Babel”. Lancemos mãos às armas e tomemos o propósito de defender nossas famílias, colocando-as no altar do Senhor. Altar é lugar de sacrifício! Saibamos, porém, que todo sacrifício tem seu preço, mas, nada que supere o valor que devemos atribuir às nossas famílias!

Que o Senhor nos ajude!
Pr. Antônio Luiz de F.

domingo, 22 de junho de 2008

Demolindo as Torres de Babel (III)



O RELACIONAMENTO ENTRE OS IRMÃOS

“Cresceram os meninos; e Esaú tornou-se perito caçador, homem do campo; mas Jacó, homem sossegado, que habitava em tendas. Isaque amava a Esaú, porque comia da sua caça; mas Rebeca amava a Jacó. Jacó havia feito um guisado, quando Esaú chegou do campo, muito cansado; e disse Esaú a Jacó: Deixa-me, peço-te, comer desse guisado vermelho, porque estou muito cansado. Por isso se chamou Edom. Respondeu Jacó: Vende-me primeiro o teu direito de primogenitura. Então replicou Esaú: Eis que estou a ponto e morrer; logo, para que me servirá o direito de primogenitura? Ao que disse Jacó: Jura-me primeiro. Jurou-lhe, pois; e vendeu o seu direito de primogenitura a Jacó. Jacó deu a Esaú pão e o guisado e lentilhas; e ele comeu e bebeu; e, levantando-se, seguiu seu caminho. Assim desprezou Esaú o seu direito de primogenitura” (Gn 25. 28-34).

É impressionante o desenrolar de uma trama que começa, provavelmente, ainda na adolescência daqueles jovens. Na primeira oportunidade um irmão, sem nenhum escrúpulo, usurpa o direito do outro. Não temos nenhuma informação de que os pais chamaram os dois moços para um concerto. Eles acabavam de colocar mais alguns tijolos na ”Torre de Babel da família!”. A “obra” não pára por aí, pelo contrário, começa a tomar vulto e se elevar cada vez mais rápido no meio da família. Com a conivência da mãe, Jacó ludibria seu pai e outra vez Esaú é usurpado em seu direito.

Certamente alguém irá sugerir que Esaú havia dado legalidade ao inimigo contra si mesmo, pelo fato que, de sã consciência, repassou seu direito ao irmão mediante juramento. E juramento naquela época tinha mais peso do que tem hoje um documento assinado. Mas esse argumento ainda não expõe o cerne do problema e continuamos ainda nos meandros da trama. Insisto em dizer que nada supera em valor o momento de comunhão em família! Ele é insubstituível! Ah; se Isaque e Rebeca tivessem descoberto isso! Quantas lágrimas teriam sido poupadas!
“Disse Esaú: Não se chama ele com razão Jacó, visto que já por duas vezes me enganou? tirou-me o direito de primogenitura, e eis que agora me tirou a bênção. E perguntou: Não reservaste uma bênção para mim?” (Gn 27. 36).

Fica muito claro que os traumas da primeira trapaça do irmão ainda estavam muito evidentes na alma de Esaú. Uma segunda vez era tudo que ele não estaria disposto a suportar. Porém, um conflito pessoal não resolvido é como uma dívida acrescida de juros e correções, tornando-se cada vez mais difícil negociá-la.

“Esaú, pois, odiava a Jacó por causa da bênção com que seu pai o tinha abençoado, e disse consigo: Vêm chegando os dias de luto por meu pai; então hei de matar Jacó, meu irmão” (Gn 27. 41).

Já imaginaram o que significa isso no seio de uma família? “Esperarei a morte de meu pai e nos dias de seu luto matarei também meu irmão!”. Percebem a gravidade da situação? A dimensão que a torre vai tomando na casa de Isaque?

Amados, por mais promessas que Isaque possuía do Senhor, cabia somente a ele administrar sua família. Somente a ele! Somos abençoados pela descendência de Isaque, que por sua vez herdara a promessa feita a Abraão. Seria fácil para alguém, admitir que a bênção que está sobre nossas famílias passou primeiro pela casa de Isaque? O mesmo argumento, porém, poderia ser usado contra nós! Como Igreja do Senhor, temos administrado bem nossas famílias? Nossos filhos são santos? Não há, porventura, uma “Torre de Babel” no lugar onde deveríamos ocupar com nossos filhos?
Pr. Antônio Luiz F.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Demolindo as Torres de Babel (II)

Quanto valia Isaque para Rebeca?

É fácil, para alguém que está de fora do problema, criticar e pontuar os desvios e as faltas nos outros, mas nem sempre é fácil vivenciar o que sabemos ser correto.

O cristianismo é uma religião que prega o amor Ágape, traduzido muitas vezes como caridade; o amor que se doa sem esperar recompensa. Isto é o que pregamos, mas não parece ser exatamente o que vivemos. Talvez, tenha sido por esta razão que Jesus enfatizou tanto esse sentimento: “Amai, porém a vossos inimigos, fazei bem e emprestai, nunca desanimado; e grande será a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os integrantes e maus” (Lc 6. 35); e Paulo o endossa veementemente: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o címbalo que retine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria” (I Co 13. 1-3).

Embora saibamos discernir estas coisas tendemos sempre para o lúdico, raramente para o sacrificial. Também este comportamento não é um desvio contemporâneo, peculiar apenas de nossa geração. Seria temerário dizer que Rebeca não amava a Isaque, mas ouso em afirmar que ela o obedecia cegamente! Não quero entrar no mérito do valor desse tipo de obediência, mas com certeza ela não gera prazer, não traz paz nos que a praticam, mas certamente irá deixar sempre suas seqüelas, feridas que estarão sempre prontas a sangrar, mesmo quando levemente tocadas.

Um constante sentimento de insegurança habitava não apenas a mente, mas também o coração de Rebeca. Aquele fantasma a fazia sentir como um barquinho à deriva e a falta de uma âncora a leva ao partidarismo, tomando Jacó para si, pois Esaú pertencia a Isac.

“Quando Isaque já estava velho, e se lhe enfraqueciam os olhos, de maneira que não podia ver, chamou a Esaú, seu filho mais velho, e disse-lhe: Meu filho! Ele lhe respondeu: Eis-me aqui! Disse-lhe o pai: Eis que agora estou velho, e não sei o dia da minha morte; toma, pois, as tuas armas, a tua aljava e o teu arco; e sai ao campo, e apanha para mim alguma caça; e faze-me um guisado saboroso, como eu gosto, e traze-mo, para que eu coma; a fim de que a minha alma te abençoe, antes que morra. Ora, Rebeca estava escutando quando Isaque falou a Esaú, seu filho. Saiu, pois, Esaú ao campo para apanhar caça e trazê-la. Disse então Rebeca a Jacó, seu filho: Eis que ouvi teu pai falar com Esaú, teu irmão, dizendo: Traze-me caça, e faze-me um guisado saboroso, para que eu coma, e te abençoe diante do Senhor, antes da minha morte. Agora, pois, filho meu, ouve a minha voz naquilo que eu te ordeno: Vai ao rebanho, e traze-me de lá das cabras dois bons cabritos; e eu farei um guisado saboroso para teu pai, como ele gosta; e levá-lo-ás a teu pai, para que o coma, a fim de te abençoar antes da sua morte. Respondeu, porém, Jacó a Rebeca, sua mãe: Eis que Esaú, meu irmão, é peludo, e eu sou liso. Porventura meu pai me apalpará e serei a seus olhos como enganador; assim trarei sobre mim uma maldição, e não uma bênção. Respondeu-lhe sua mãe: Meu filho, sobre mim caia essa maldição; somente obedece à minha voz, e vai trazer-mos. Então ele foi, tomou-os e os trouxe a sua mãe, que fez um guisado saboroso como seu pai gostava. Depois Rebeca tomou as melhores vestes de Esaú, seu filho mais velho, que tinha consigo em casa, e vestiu a Jacó, seu filho mais moço; com as peles dos cabritos cobriu-lhe as mãos e a lisura do pescoço; e pôs o guisado saboroso e o pão que tinha preparado, na mão de Jacó, seu filho (Gn 27. 1-17).

Como pastor, acostumado às diferentes reações de pessoa para pessoa, apliquei-me à área de aconselhamento e não pude deixar de verificar que existe um ponto comum em quase todos os casos de conflito envolvendo duas ou mais pessoas. O partidarismo. Quando uma pessoa se sente ameaçada por outra, em qualquer área de sua vida, a primeira reação é a de procurar alguém que possa lhe dar suporte ou, pelo menos, concilie suas razões. Assim ela segue buscando mais e mais adeptos e o conflito passa a não ser mais entre duas pessoas, mas entre dois grupos. É assim na Igreja, nos ministérios, na família e em qualquer setor da sociedade. Por que seria diferente com Rebeca? Ela amava a Isaque, mas se ancorava em Jacó!

Por esta razão tenho-me esmerado em incutir aos noivos, em nossas reuniões pré-nupciais, o significado de Gênesis 2. 24: “Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne”, ratificado por Jesus (Mt 19. 5; Mc 10. 7) e por Paulo (Ef 5. 31). Esse deixar pai e mãe deve representar muito mais que apenas deixar a casa paterna. Inclui também deixar para trás os velhos paradigmas, as histórias de comadre. Ex.: “Os homens são todos iguais!”. “A única mulher que andou na linha o trem matou”. Coisas desse tipo são excelentes tijolos para dar corpo a uma alta e forte “Torre de Babel”.
Pr. Antônio Luiz de F.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Demolindo as Torres de Babel (I)


Texto Base: Gênesis 27

A construção deste texto não começou de forma premeditada, com a intenção de apresentar algo diferente, que jamais tenha sido abordado, mas consiste numa pequena porção do alimento diário que cabe a um velho pastor fornecer às suas ovelhas. Se por um lado sou movido por uma tendência a escrever, sinto-me inibido em publicar as coisas que escrevo.

De forma quase espontânea, nossa tendência é explorar as virtudes dos personagens bíblicos e omitir seus fracassos. Creio, porém, que podemos aprender muito com os pontos negativos quando analisados de forma sincera e despretensiosa, no afã de conhecer a vontade de Deus para nós.

Sinto-me muito à vontade para falar de família. Meus melhores momentos e minhas melhores lembranças, desde minha tenra infância, estão ligados à minha família, mais especificamente às nossas reuniões à mesa para fazermos nossas refeições diárias. Pena que este momento singular em família esteja sendo sufocado pelo progresso e pela evolução dos tempos, porém, não consigo visualizar nada que possa, em valores, substituí-lo. Precisamos encontrar um tempo para dialogar em família, seja a qualquer hora do dia ou da noite. Ele é impar!

Em sua grande maioria, os conflitos familiares vividos em nossos dias têm suas raízes na falta de um momento diário de comunhão familiar. Em muitos lares, não há mais espaço, nem tempo, para o culto doméstico, para o diálogo entre pais e filhos, para as inocentes historinhas infantis, para uma inspeção nos cadernos escolares, para uma ajuda nos deveres de casa, para se falar de qualquer coisa. As famílias atuais se tornaram verdadeiras “Torres de Babel”, porém, elas não começaram a ser erguidas em nossos dias. Seus alicerces são profundos e remontam a um passado bem distante de nós. Se de fato desejamos lares abençoados, creio que a família de Isaque e Rebeca com seus dois filhos, Jacó e Esaú, não serve de modelo, antes, porém, consiste num bom exemplo de como não deve ser um relacionamento familiar e no que precisamos atentar para não cairmos nos mesmos laços!

Qualquer leitor atento, mesmo não sendo um especialista em “Terapia Familiar”, irá facilmente concordar que a causa principal de tantos conflitos na casa de Isaque tem sua origem na falta de comunhão entre seus membros.

Minha intenção não é apresentar nenhum tratado teológico ou filosófico, tampouco desejo fazer um ensaio psicoterápico sobre relacionamento familiar. Meus parcos conhecimentos não me permitiriam ir além do trivial. Porém, que me permitam os behavioristas que dominam o assunto, apenas conjecturar sob a ótica pastoral, alguns pontos que, ao meu ver, marcam a história da família de Isaque. Isaque tinha em sua casa uma imensa “Torre de Babel!”. Examinemos, a sua história:

O RELACIONAMENTO ENTRE ISAQUE E REBECA

Que valor tinha Rebeca para Isaque?

“Assim habitou Isaque em Gerar. Então os homens do lugar perguntaram-lhe acerca de sua mulher, e ele respondeu: É minha irmã; porque temia dizer: É minha mulher; para que porventura, dizia ele, não me matassem os homens daquele lugar por amor de Rebeca; porque era ela formosa à vista. Ora, depois que ele se demorara ali muito tempo, Abimeleque, rei dos filisteus, olhou por uma janela, e viu, e eis que Isaque estava brincando com Rebeca, sua mulher. Então chamou Abimeleque a Isaque, e disse: Eis que na verdade é tua mulher; como pois disseste: E minha irmã? Respondeu-lhe Isaque: Porque eu dizia: Para que eu porventura não morra por sua causa” (Gn 26. 6-9).

É difícil imaginar um marido entregando sua própria mulher a quem ele ama para um outro homem, mesmo com a justificativa de que esta seria a ultima alternativa para salvar a vida de ambos. Imagino Rebeca, algum tempo depois, de vez em quando, lembrando a Isaque este seu desvio. Porém, alguém poderia argumentar que naquela época as mulheres obedeciam cegamente seus maridos. Sim, é verdade, mas isso não os afasta nem um pouco do cerne dos conflitos. Como poderia Rebeca entender um “Eu te amo” de Isaque com o fantasma daquele trauma a sussurrar-lhe aos ouvidos: “Ele a ama tanto quanto a qualquer um de seus camelos!”. Logo, que segurança pode sentir uma mulher ao lado de um homem frouxo, incapaz de defendê-la? E pior, alguém capaz de entregá-la ao primeiro que o ameaçasse para salvar a própria pele!

Lembrem-se de que não estamos falando de qualquer casal, mas de Isaque e Rebeca, aqueles sobre os quais havia uma promessa: “... e multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu, e lhe darei todas estas terras; e por meio dela serão benditas todas as nações da terra ...” (Gn 26. 4). Por que razão um homem de Deus tem, às vezes, uma dessas “torres” edificada dentro de casa e age como Isaque?

Como afirmamos anteriormente, para se conhecer aquela “Torre de Babel” edificada na casa de Isaque temos que voltar um pouco na história: Seus alicerces estão plantados na casa de seu pai, Abraão!

Parece até que posso ouvir um daqueles fariseus dos tempos de Jesus: “Pastor, você agora passou dos limites! Como você ousa afrontar assim nosso Patriarca?”.
“Calma amigo”, eu diria. A história do patriarca apenas se repete na casa do filho. A única coisa que Isaque faz é somar alguns tijolos na torre de seu pai!

“Quando ele (Abraão) estava prestes a entrar no Egito, disse a Sarai, sua mulher: Ora, bem sei que és mulher formosa à vista; e acontecerá que, quando os egípcios te virem, dirão: Esta é mulher dele. E me matarão a mim, mas a ti te guardarão em vida. Dize, peço-te, que és minha irmã, para que me vá bem por tua causa, e que viva a minha alma em atenção a ti. E aconteceu que, entrando Abrão no Egito, viram os egípcios que a mulher era mui formosa. Até os príncipes de Faraó a viram e gabaram-na diante dele; e foi levada a mulher para a casa de Faraó. E ele tratou bem a Abrão por causa dela; e este veio a ter ovelhas, bois e jumentos, servos e servas, jumentas e camelos” (Gn 12. 11-16).

“Partiu Abraão dali para a terra do Neguebe, e habitou entre Cades e Sur; e peregrinou em Gerar. E havendo Abraão dito de Sara, sua mulher: É minha irmã; enviou Abimeleque, rei de Gerar, e tomou a Sara. Deus, porém, veio a Abimeleque, em sonhos, de noite, e disse-lhe: Eis que estás para morrer por causa da mulher que tomaste; porque ela tem marido. Ora, Abimeleque ainda não se havia chegado a ela: perguntou, pois: Senhor, matarás porventura também uma nação justa? Não me disse ele mesmo: É minha irmã? e ela mesma me disse: Ele é meu irmão; na sinceridade do meu coração e na inocência das minhas mãos fiz isto. Ao que Deus lhe respondeu em sonhos: Bem sei eu que na sinceridade do teu coração fizeste isto; e também eu te tenho impedido de pecar contra mim; por isso não te permiti tocá-la; agora, pois, restitui a mulher a seu marido, porque ele é profeta, e intercederá por ti, e viverás; se, porém, não lha restituíres, sabe que certamente morrerás, tu e tudo o que é teu. Levantou-se Abimeleque de manhã cedo e, chamando a todos os seus servos, falou-lhes aos ouvidos todas estas palavras; e os homens temeram muito. Então chamou Abimeleque a Abraão e lhe perguntou: Que é que nos fizeste? e em que pequei contra ti, para trazeres sobre mim o sobre o meu reino tamanho pecado? Tu me fizeste o que não se deve fazer. Perguntou mais Abimeleque a Abraão: Com que intenção fizeste isto? Respondeu Abraão: Porque pensei: Certamente não há temor de Deus neste lugar; matar-me-ão por causa da minha mulher. Além disso ela é realmente minha irmã, filha de meu pai, ainda que não de minha mãe; e veio a ser minha mulher. Quando Deus me fez sair errante da casa de meu pai, eu lhe disse a ela: Esta é a graça que me farás: em todo lugar aonde formos, dize de mim: Ele é meu irmão. Então tomou Abimeleque ovelhas e bois, e servos e servas, e os deu a Abraão; e lhe restituiu Sara, sua mulher” (Gn 20. 1-14).

Creio que Isaque tenha ouvido muitas vezes essa história da boca dos próprios pais e no momento em que se viu em apuros tratou de colocar em prática o que aprendera: “Se meu pai fez, por que não posso também eu fazer o mesmo?", talvez tenha pensado. Nossa tendência é procurar imitar nossos pais.

Não sou um grande apreciador da Música Popular Brasileira, tampouco farei apologia à que citarei aqui, mas o farei apenas para ilustrar o que afirmei acima. Lembro-me, do tempo de minha juventude, de uma música gravada primeiramente pelo cantor Belchior e posteriormente por Elis Regina intitulada, se não me engano, “Como Nossos Pais”. Um trecho da música que se enquadra muito bem neste assunto é: “(...) minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Estamos apenas edificando a mesma “torre” que eles começaram, não necessariamente uma “babel!”. Bom seria se fosse sempre uma torre de Atalaia.

Isaque atribuía à Rebeca o mesmo valor que seu pai, Abraão, atribuiu à Sara sua mãe!
Pr. Antônio Luiz F.

sábado, 7 de junho de 2008

QUANDO DEUS RI


“Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles” (Sl 2.4)
“Rir-se-á deles o Senhor, pois vê estar-se aproximando o seu dia” (Sl 37.13)

A Bíblia revela alguns atributos divinos que são próprios da raça humana. A isso chamamos de “antropomorfismo” [anthropos = homem e morphe = forma]. Ou seja, Deus se mostra a nós atribuindo a si mesmo características daqueles a quem criou. É antropomórfico afirmar que o Senhor ama, sofre, compadece, enternece, descansa, se arrepende, anseia, espera, e.... surpresa: o Senhor também ri.

As duas passagens que mencionam esse gesto divino possuem algo em comum: elas mostram o Eterno rindo zombateiramente da insensatez dos reis, poderosos e dos ímpios que imaginam ser alguma coisa, rindo daqueles que confiam em suas próprias forças e se esquecem de Deus.

De quem o nosso Deus hoje lança mofa, graceja e faz troça? Não é difícil imaginar....

Deus ri-se de quem imagina que pode manipulá-lo ou controlá-lo, seja com ofertas, dízimos, promessas ou qualquer outra espécie de sacrifício.

Deus ri-se dos que criam impérios e acumulam fortunas usando o Seu nome, supondo que “a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.5). Ri porque sabe que o julgamento deles está próximo, e caso não se arrependam dessa loucura, só resta-lhes uma horrível expectativa.

O que habita no Alto zomba de toda gente que decreta, amarra, revela, libera e profetiza unção, saúde, vitória, prosperidade e cura, indistintamente a todos, desde, é claro, que paguem o CD, o livro, o carnê, a bíblia e o óleo. Não fica difícil entender porque Seu Filho, que observa tudo o que o Pai faz (Jo 5.20), zuniu o chicote contra os cambistas da fé e os expulsou do templo.

Ri-se o Senhor de quem vive todo gabola, confiante em sua beleza e juventude, e sente-se seguro porque possui bens e riquezas deste mundo. Mal sabe que a aparente segurança pode se transformar em repentina destruição sem chance de cura.

Deus ri-se dos que prometem que “hoje” o milagre vai chegar, “hoje” haverá curas e maravilhas. Inverteu-se a ordem das coisas? Não é mais o Eterno que determina quando e da forma que Ele deseja? Estava errado o salmista quando disse que “esperou” confiantemente no Senhor (Sl 40.1)? Deus está sujeito às nossas urgências e não se aguarda mais o tempo Dele [kayrós] se cumprir?

Deus ri-se da ansiedade dos que tentam controlar a vida e desgastam-se em armar esquemas para que nada fuja do planejado, e esquecem que a vida é fluída e fugidia, e quanto mais se quer controlá-la, mais escapa pelos nossos dedos. Quem relaxa o corpo e deixa-se levar pela água (Espírito) bóia, quem se retesa ansioso, afunda.

Ri-se Aquele que Reina, dos que depositam a fé em gestos, em rituais, em água, em velas, em rezas repetidas sem o coração, “visto que este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, que maquinalmente aprendeu” (Is 29.13).

Zomba o Eterno dos que se escoram em títulos pomposos, e se colocam em degrau superior de fé supondo ter autoridade sobre outros, exigindo-lhes submissão irrestrita sob pena de serem declarados malditos, sim o Senhor ri-se destes que são “dominadores dos que lhe foram confiados” (1Pe 5.2).

Mas Deus olha atentamente do Céu e se compadece de todo aquele que se humilha, que se reconhece miserável, carente da Graça. Ele sofre juntamente com a mãe que derrama lágrimas pelo filho, Ele acolhe ao que já não encontra guarida em nenhum lugar, Ele perdoa e promete nunca mais se lembrar das faltas daqueles que buscam refúgio em seu Filho Jesus.

Senhor, de todos antropomorfismos da bíblia, não quero que “ria” de mim, mas que tão somente “alegre-se” em mim.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br






sexta-feira, 6 de junho de 2008

2008: Verdadeiras "cruzadas" religiosas, sem muito sangue, mas violentas quando se trata de diminuir "o outro", "o diferente-de-mim-mesmo"


Sobre o “Apagão Teológico”(De Renato Vargens). Uma tentativa de interação com o conteúdo de um texto do autor. No artigo, ele “critica” alguns movimentos sobrenaturalistas de hoje, como sendo fruto de modismos. Segundo ele, são movimentos que não refletem nenhuma teologia, à essa ele apela pela salvação do futuro.
Não concordo com o termo utilizado: "Apagão Teológico". Primeiro, porque o termo em si supõe que tais movimentos (todos esses citados pelo caro colega) não bebe de nenhuma fonte teológica, o que seria um equívoco. Ainda que não exista uma reflexão teológica sistemática e mais formal, tais movimentos trazem consigo na vivência de suas efusividades, bagagens práticas e teóricas de um contexto teológico, ainda que imaginário religioso, às vezes não tão específico, mas frutos de “bricolagens teológicas”, e isso é possível, se é legítimo ou não, aí caberia em uma outra abordagem que não essa. Na minha opinião, se o colega me permite, o que deve estar em reflexão nesse processo todo são as demandas religiosas e sociais do sujeito religioso da chamada pós-modernidade.

Mas, a culpa toda é dos próprios teólogos. Por muito tempo cultivou-se na mais intensa especulação a teologia do Deus e Pai, e do Deus Filho, a terceira pessoa da trindade, o Espírito de Deus, ou foi esquecida, ou em alguns casos foi apêndice da cristologia, nesse caso ligado ao ministério de Jesus.

Com a pós modernidade, as demandas dos sujeitos sociais, religiosos - “mudanças de ênfase”, o que era técnico e científico, racionalista, já não preenche o vazio existencial. Após a segunda guerra mundial, percebe-se que o ser humano não é tão bom assim, e que a educação renascentista, iluminista, pode ser tão libertadora sim, a ponto de dar a inteligência ao ser humano de projetos para construção de bombas atômicas. O que acontece após um processo de desencantamento para com as ciências é um retorno ao sagrado, mas agora evidencia-se uma certa ênfase no subjetivo, a experiência racional cede espaço para as experiências sobrenaturais, e até sobrenaturalistas. “O tempo do Espírito!”, é o que muitos dizem por aí.Quem sabe se tivéssemos gastado mais tempo refletindo sobre a terceira pessoa da trindade, hoje algumas respostas fossem mais sensatas do que mera conjecturas vazias e minimizadoras não raras as vezes.

Não que eu pretenda dizer só coisas acertadas, muito menos esgotar a reflexão sobre isso, mas, esses movimentos tem seus limites e potencialidades, na gíria, prós e contras. E isso deve ser considerado. Mas sabe o porque de tanta indignação? Não que seja o caso de todos/as, mas de uma parcela.

O Espírito supõe "transposição de barreiras", é invisível, Ele não cabe em nenhuma liturgia, não cabe nos moldes institucionais, ele é livre, e tende a libertar. A idéia de um Deus Espírito “que não tem uma face específica” parece não ser bem aceita por muitos colegas. Muito se vê de um Deus “de ordem”, e criador, soberano: nos sacramentos, em cultos litúrgicos, uma lógica teocêntrica. Nas comunidades protestantes, de lógica cristocêntrica, vemos “o Deus ético”, buscamos no ministério do Jesus histórico e divino, parâmetros para a nossa ação junto da sociedade, para que essa se torne mais justa. A grande pergunta, qual é a face do Espírito? Uma grande surpresa, ninguém sabe, Ele não tem formas, Ele não cabe em formas. Talvez isso perturbe um pouco nós ortodoxos, guardiões das eternas verdades salvadoras.

Mas, porque tanto medo? A ênfase no sobrenatural marca a lógica de uma religiosidade de ênfase mística sobrenaturalista, que de certa forma, atende muitas das expectativas de um mundo cada vez mais globalizado, com uma cultura híbrida; pluralidade e diversidade com “o fenômeno do alargamento das fronteiras” é um assunto atual. O que a mística fomenta? No chamado tempo do Espírito, na pós-modernidade com as estruturas institucionais cada vez mais desacreditadas, os sujeitos religiosos buscam formas espirituais alternativas para cultuar. Determinadas lógicas religiosas atuais já nem precisam mais de um templo, ou de que o sujeito religioso vá à Igreja - instituição. Isso é um tormento para os pastores, não acha? Um segundo problema, é que a tradição começa a “disputar poder” com uma nova forma legitimadora de liderança, agora a unção determina o líder. Em uma instituição, onde sua liderança é ordenada, isso pode ser um problema. Por exemplo, se antes as pessoas reconheciam o título de pastor do fulano, porque um bispo disse que fulano é pastor, hoje isso se modifica: a lógica é, o mais ungido sobe no altar do Senhor, esse é o mensageiro de Deus. A sensação é que, no geral, ainda não convivemos bem com isso.

Quem está com a verdade? Eu às vezes me pergunto (...), e vejo tantas vezes colegas escrevendo contra esse ou aquele movimento. Isso sim pode ser um problema, para o futuro, a longo prazo, pior ainda. Poderemos entrar em um novo período, de repetição das tão sangrentas cruzadas. Hoje parecemos viver uma cruzada, sem armas e por isso sem sangue, que não ferem a matéria, mas que reduzem “o diferente de mim mesmo” a nada – insignificantes mentirosos e charlatões gospel.

Precisamos entender mais os processos humanos, Deus nos deu essa capacidade. Para entendermos o processo precisamos dialogar mais, respeitar mais, refletirmos mais sobre o fato de alguns serem diferentes de nós, e que mesmo assim a lógica do evangelho está a serviço da vida e não da morte. Alguns arrogantes, pretensos de ter alcançado a verdade absoluta com relação à salvação, sobre a vida pós-morte, sobre como de fato agradar à Deus, e coisas assim que o povo gosta de escrever, e de falar, dar entrevistas, e de criticar, às vezes de forma tal que chega até a agredir seres humanos, se esquecem que antes de serem adeptos a determinada religiosidade, ou denominação que seja, são seres humanos. Nesse sentido, eu teria que lembrar a lógica de Jesus nos evangelhos, ele comia com os pecadores e os contagiava na relação da comunhão por seu testemunho. O ágape deve ser nosso paradigma de missão.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Breve contexto do Evangelho de Mateus. Perícope: Mateus 7.21-29

O texto de Mateus, nos mostra que Jesus, deve ser o nosso modelo de comprometimento com o Reino de Deus; Mostra que não basta termos um discurso bonito, e obedecermos radicalmente a lei, uma tradição, mediante os quais eu venha negociar algum benefício por meio de persuasão e troca. Se faço isso, eu até posso reconhecer em Jesus a figura de Cristo, mas não estou comprometido com a vida concreta, cotidiana. Será prudente todo aquele que construir sua casa sobre a rocha, esse/a é mais humano, herdará o Reino de Deus. O que constrói sua casa na rocha é quem ouve e pratica (do grego Poieo - palavra cuja raiz é Prasso/fazer = estar comprometido).

A perícope é a conclusão do sermão de Jesus: “O Sermão da Montanha”. Não é por acaso, que no Evangelho de Mateus, Jesus prega seu primeiro e seu último sermão no monte. Com o templo de Jerusalém destruído em 71 d.C, as únicas possibilidades de um movimento religioso sobreviver era com um sistema alternativo: para expiação de pecados, e também de um lugar para suas reuniões. Os fariseus tinham a sinagoga para suas “reuniões”, a prática da pureza cotidiana (agradar a Deus – obedecendo a lei de Moisés) seriam uma alternativa de expiação de pecados. Um outro movimento que superou a destruição do templo, e que recebeu “adesões” de outros grupos (assim como se deu com os fariseus) é o “Movimento de Jesus”. Jesus é enxergado na comunidade de Mateus como “O Novo Moisés”, que traz novos dois mandamentos “de síntese”: amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a ti mesmo. O “Movimento de Jesus” tinha nas casas seu local de encontro e para expiação de pecados também observavam a lei, mas tinham nessa orientações para a vida.

Havia certo conflito entre esses dois partidos: Judaísmo farisaico (ou formativo) X Judaísmo cristão. Para ambos, guardar a lei era a possibilidade para expiação de pecados. Só que, para os fariseus guardar a lei era imitar à Deus, para agradá-lo (barganhar); Para o judaísmo cristão (de Jesus), guardar a lei, era proteger a vida. Praticar misericórdia e agradar à Deus só é possível protegendo a vida.

Porém, seguir a Jesus significava ter problemas. Jesus era visto como um atormentador da ordem social e, como o judaísmo farisaico (da sinagoga) era uma “religião lícita”, com status concedido por Roma, eles não poderiam ser “importunados” por um “qualquer da Galiléia”, pois corriam o risco de perder as mordomias junto do Estado. Errar com os fariseus, significava estar sem o devido apoio político e financeiro da sinagoga, porque eles detinham o poder do comércio. Alguns ficavam “divididos” entre a sinagoga e Jesus: simpatizavam por Jesus, mas o procuravam escondidos para não ter problemas na sinagoga, como Nicodemos, dentre outros. Até a família do cego curado em João 9 não quis ter problemas com a sinagoga, e por isso não confessou que Jesus havia curado o filho deles – esquivaram-se. Esse é o contexto em que foi escrito o Evangelho de Mateus. Tensão entre dois grupos religiosos: Um que preservava em Jesus o novo Moisés [(ênfase na prática)], e um outro que levava radicalmente a lei de Moisés adiante, vendo em Jesus um baderneiro [(ênfase no discurso)].
A tradição quando é preservada mediante um sistema opressor: que engessa e aprisiona as pessoas, que coloca fardos, quase que uma estrutura rígida de cimento, não é compatível com o paradigma de prática cristã, ensinado por Jesus. Nossa tradição deve nos tornar mais humanos, e nunca servir de cadeias fomentadoras de morte, como que casas construídas sob areia: porque essas, na medida em que o tempo passa caem, por estar fundadas em coisas transitórias de, que escorregam por entre os dedos. Podemos escolher um partido, de que lado ficar; a qual desses dois grupos pertencer? A opção era extremamente necessária à comunidade de Mateus, e para nós nos toca o imaginário; nas entrelinhas do que o evangelista quis nos sinalizar, aprendemos ser mais humanos e menos Igreja (instituição regida por leis que na maioria das vezes oprime ao invés de libertar e gerar vida).

segunda-feira, 2 de junho de 2008

I(i)greja como que às cegas

Somos cruéis: longe dos olhos, longe do coração

O culto começou alegre, como sempre, um convite para Deus se achegar e tomar o lugar que a Ele é devido. Jesus veio acompanhando cada um, cada uma. A criançada chegou também, junto com uma ½ dúzia da comunidade, atrasados com sempre. Na medida em que o “Espírito tocava”, as crianças eram as crianças, e cada vez mais crianças, bem diferente da Igreja, que é sempre Igreja, e cada vez mais Igreja.

Todos estavam buscando “mais do Espírito” naquele lugar, mas engraçado ninguém olhava para uma daquelas crianças; também pudera, que tolice a minha pensar nisso, buscamos mesmo é o “bom perfume de Cristo, e elas estavam sujas demais, com mal cheiro ... e na realidade elas mais atrapalham o culto do que tudo, não poderiam ter nada a ver com Deus e Jesus, menos ainda com o Espírito, “esse só age quando estamos com tudo em ordem”, dizia a irmãzinha.

Os cânticos seguiam maravilhosos, o grupo tocava e cantava muito bem, estáva-mos todos comovidos com as divisões de vozes, e cantáva-mos juntos, claro, ninguém poderia parar para estender uma das mãos à uma qualquer que fosse daquelas. Porém uma mais atrevida, angustiada, puxou a blusa da tia e perguntou ... tem café hoje tia? Estou com muita fome! Pobre coitada da tia, teve que interromper seu momento “especial com Deus”, para dar café para uma criança com fome, uma criança que não sossega um minuto sequer, [é mole?]. Interessante, vi aquela tia derramar algumas lágrimas depois de tudo, será que ela foi tocada de uma forma diferente, por algo diferente? Fico me perguntando se não era só raiva de ter que parar seu momento quando sentia tanto Deus falando com ela, tinha que ser logo naquela hora?

E a criançada inquieta esperando a hora de terminar o culto, a hora do café. Uma respeitosa senhora muito respeitada também, saiu do seu aconchego, interrompeu seu momento de devoção à Deus para ir explicar às crianças que elas só atrapalhavam o culto. Depois de não ser atendida, não sei porque, mas lógico, as crianças deveriam ter respeitado ela; ela pegou as duas pelo braço e levou para longe do templo, do local onde o culto estava acontecendo, de onde o Espírito estava agindo. Eu acompanhei, não poderia perder o ensinamento, tinha certeza do muito que aquela senhora atinha a me ensinar ... mas eu me decepcionei, ela as largou em um local afastado, deitadas no chão; não sem lhes e dizer: “vocês façam as suas bagunças à vontade aqui, lá não pode” - Virou as costas e se foi.

Eu pensei: “que coisa - Longe dos olhos, desde que não me atrapalhe os ouvidos, nem me traga mau cheiro ao nariz, o coração estará impermeabilizado contra essas crianças. Longe dos olhos, longe do coração, a final de contas, que compromisso tenho eu com elas, não é verdade?

Fico observando o quanto somos hipócritas. A instituição é eficiente para fazer documentos e modificá-los, buscar o espírito, opa, vamos pro monte e fazer vigílias, mas a grande verdade é que não queremos trabalhar com pessoas – seres humanos. Menos ainda com aqueles/as que pensam diferente de nós, ou que não têm o privilégio de tomar um banho todos os dias, ou que têm uma refeição por dia, e olhe lá. Para essas, raras às vezes levamos “um sopão”, ou entregamos um folheto, e sempre avisamos que Deus pode libertá-las do diabo que as faz passar fome, e viver tão sujas. Depois disso, lavamos as nossas mãos, com a sensação de “ufa” - serviço cumprido.

Até quando vamos brincar de ser Igreja de Cristo? Nossa lógica está invertida, Igreja deveria ser lugar de “doentes”, esses precisam de médicos, os são não precisam. Mas nós preservamos os sãos “protegidos” dentro da Igreja, deles agora é o reino sabe-se lá de quem, o de Deus certamente que não. Quando um doente chega na comunidade, ou um deles que estava já participando dos trabalhos na Igreja, porque a casca da ferida estava escondendo o machucado [assim ninguém sentia nojo dele], “cai” [na gíria dos doutores da lei], esse deve ser disciplinado por um “mais-são-que-ele” que está sempre lá no banco “rezando literalmente na cartilha”.

Acho que precisamos refletir melhor sobre isso. Porque precisamos ser “sal da terra e luz do mundo”. Não devemos ter o sentimento de afastar as pessoas de nós, pelo fato de assim, mentirmos para nós mesmos que tais pessoas, ou tais realidades não existem; mas a proposta de Jesus para nós, é que assumamos o nosso papel enquanto um “comunidade cristã” para fazermos a diferença. Mais perto os olhos, mais perto do coração, e fazer cada vez mais a diferença aos que precisam que ela seja feita. Essa deve ser a lógica, e não o contrário.