Sobre o “Apagão Teológico”(De Renato Vargens). Uma tentativa de interação com o conteúdo de um texto do autor. No artigo, ele “critica” alguns movimentos sobrenaturalistas de hoje, como sendo fruto de modismos. Segundo ele, são movimentos que não refletem nenhuma teologia, à essa ele apela pela salvação do futuro.
Não concordo com o termo utilizado: "Apagão Teológico". Primeiro, porque o termo em si supõe que tais movimentos (todos esses citados pelo caro colega) não bebe de nenhuma fonte teológica, o que seria um equívoco. Ainda que não exista uma reflexão teológica sistemática e mais formal, tais movimentos trazem consigo na vivência de suas efusividades, bagagens práticas e teóricas de um contexto teológico, ainda que imaginário religioso, às vezes não tão específico, mas frutos de “bricolagens teológicas”, e isso é possível, se é legítimo ou não, aí caberia em uma outra abordagem que não essa. Na minha opinião, se o colega me permite, o que deve estar em reflexão nesse processo todo são as demandas religiosas e sociais do sujeito religioso da chamada pós-modernidade.
Mas, a culpa toda é dos próprios teólogos. Por muito tempo cultivou-se na mais intensa especulação a teologia do Deus e Pai, e do Deus Filho, a terceira pessoa da trindade, o Espírito de Deus, ou foi esquecida, ou em alguns casos foi apêndice da cristologia, nesse caso ligado ao ministério de Jesus.
Com a pós modernidade, as demandas dos sujeitos sociais, religiosos - “mudanças de ênfase”, o que era técnico e científico, racionalista, já não preenche o vazio existencial. Após a segunda guerra mundial, percebe-se que o ser humano não é tão bom assim, e que a educação renascentista, iluminista, pode ser tão libertadora sim, a ponto de dar a inteligência ao ser humano de projetos para construção de bombas atômicas. O que acontece após um processo de desencantamento para com as ciências é um retorno ao sagrado, mas agora evidencia-se uma certa ênfase no subjetivo, a experiência racional cede espaço para as experiências sobrenaturais, e até sobrenaturalistas. “O tempo do Espírito!”, é o que muitos dizem por aí.Quem sabe se tivéssemos gastado mais tempo refletindo sobre a terceira pessoa da trindade, hoje algumas respostas fossem mais sensatas do que mera conjecturas vazias e minimizadoras não raras as vezes.
Não que eu pretenda dizer só coisas acertadas, muito menos esgotar a reflexão sobre isso, mas, esses movimentos tem seus limites e potencialidades, na gíria, prós e contras. E isso deve ser considerado. Mas sabe o porque de tanta indignação? Não que seja o caso de todos/as, mas de uma parcela.
O Espírito supõe "transposição de barreiras", é invisível, Ele não cabe em nenhuma liturgia, não cabe nos moldes institucionais, ele é livre, e tende a libertar. A idéia de um Deus Espírito “que não tem uma face específica” parece não ser bem aceita por muitos colegas. Muito se vê de um Deus “de ordem”, e criador, soberano: nos sacramentos, em cultos litúrgicos, uma lógica teocêntrica. Nas comunidades protestantes, de lógica cristocêntrica, vemos “o Deus ético”, buscamos no ministério do Jesus histórico e divino, parâmetros para a nossa ação junto da sociedade, para que essa se torne mais justa. A grande pergunta, qual é a face do Espírito? Uma grande surpresa, ninguém sabe, Ele não tem formas, Ele não cabe em formas. Talvez isso perturbe um pouco nós ortodoxos, guardiões das eternas verdades salvadoras.
Mas, porque tanto medo? A ênfase no sobrenatural marca a lógica de uma religiosidade de ênfase mística sobrenaturalista, que de certa forma, atende muitas das expectativas de um mundo cada vez mais globalizado, com uma cultura híbrida; pluralidade e diversidade com “o fenômeno do alargamento das fronteiras” é um assunto atual. O que a mística fomenta? No chamado tempo do Espírito, na pós-modernidade com as estruturas institucionais cada vez mais desacreditadas, os sujeitos religiosos buscam formas espirituais alternativas para cultuar. Determinadas lógicas religiosas atuais já nem precisam mais de um templo, ou de que o sujeito religioso vá à Igreja - instituição. Isso é um tormento para os pastores, não acha? Um segundo problema, é que a tradição começa a “disputar poder” com uma nova forma legitimadora de liderança, agora a unção determina o líder. Em uma instituição, onde sua liderança é ordenada, isso pode ser um problema. Por exemplo, se antes as pessoas reconheciam o título de pastor do fulano, porque um bispo disse que fulano é pastor, hoje isso se modifica: a lógica é, o mais ungido sobe no altar do Senhor, esse é o mensageiro de Deus. A sensação é que, no geral, ainda não convivemos bem com isso.
Quem está com a verdade? Eu às vezes me pergunto (...), e vejo tantas vezes colegas escrevendo contra esse ou aquele movimento. Isso sim pode ser um problema, para o futuro, a longo prazo, pior ainda. Poderemos entrar em um novo período, de repetição das tão sangrentas cruzadas. Hoje parecemos viver uma cruzada, sem armas e por isso sem sangue, que não ferem a matéria, mas que reduzem “o diferente de mim mesmo” a nada – insignificantes mentirosos e charlatões gospel.
Precisamos entender mais os processos humanos, Deus nos deu essa capacidade. Para entendermos o processo precisamos dialogar mais, respeitar mais, refletirmos mais sobre o fato de alguns serem diferentes de nós, e que mesmo assim a lógica do evangelho está a serviço da vida e não da morte. Alguns arrogantes, pretensos de ter alcançado a verdade absoluta com relação à salvação, sobre a vida pós-morte, sobre como de fato agradar à Deus, e coisas assim que o povo gosta de escrever, e de falar, dar entrevistas, e de criticar, às vezes de forma tal que chega até a agredir seres humanos, se esquecem que antes de serem adeptos a determinada religiosidade, ou denominação que seja, são seres humanos. Nesse sentido, eu teria que lembrar a lógica de Jesus nos evangelhos, ele comia com os pecadores e os contagiava na relação da comunhão por seu testemunho. O ágape deve ser nosso paradigma de missão.
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