domingo, 20 de março de 2011

ESTÁ FALTANDO ALGUMA COISA

“Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram o que Deus tem preparado para aqueles que o amam”

As pessoas estão trabalhando normalmente, indo à escola e estudando normalmente, passeando com a família pelos shoppings normalmente, indo a festas e baladas normalmente... mas há uma estranha sensação no ar que os mais atentos já devem ter percebido: parece que tudo está bem, tudo está normal, mas não está. Há um mal estar geral, uma sensação de que tudo o que se faz não tem muito sentido, não completa, não satisfaz.

Pegue-se, por exemplo, os sons das músicas e do alarido produzidos nos barzinhos espalhados pelas cidades.... Os nossos moços repetem os mesmos gestos de nossos antepassados que nas noites escuras e frias se reuniam em torno da luz bruxuleante de uma fogueira para exorcizar seus medos e fantasmas. É exatamente isso que é modernamente feito nas madrugadas – e aparentemente eles parecem alcançar sucesso nos seus rituais boêmios, ao menos até o momento de estarem de volta aos seus quartos vazios.

É como se existisse um buraco no coração de cada ser humano, um sentimento de que está faltando “alguma coisa”. É muito mais que aquilo que a psicologia chama de tentativa de “voltar ao útero materno”, é muito mais que um desejo de aconchego, é mais do que algo circunstancial ou momentâneo: é profundamente existencial. Sim, nada satisfaz e nunca satisfará, por uma razão muito simples: está faltando “alguma coisa”, e por isso experimentam-se todas as formas para preencher essa falta que não se sabe exatamente o que é. Lembro-me que nos anos 60 a contracultura, enfadada dos valores da sociedade, imaginava preenche-la na pobreza das ruas da Índia ou no Tibete. Hoje, caminhando em Santiago de Compostela.

Esse buraco, se fosse uma figura geométrica, não poderia ser completado com nenhuma forma conhecida, pois sempre restaria um espaço a ser preenchido. Exatamente por isso, as conquistas alcançadas não preenchem, o dinheiro não preenche, nem a beleza, nem o reconhecimento, nem as diversas formas hedonistas de prazer que a civilização oferece.

Houve um rei mitológico – que pode representar muita gente que conhecemos – embora rico, era infeliz, por achar que não tinha ouro suficiente em seus tesouros. Recebeu então a visita de um gênio que lhe atendeu o desejo de tudo o que ele tocasse se transformasse em ouro. A princípio aquilo lhe encheu de alegria, até o momento que já não podia mais beber ou comer, pois tudo se transformava no precioso metal. Não, não era de mais ouro que ele precisava, assim como hoje não precisamos de mais aparelhos high-tec, nem de novos modelos de celulares.

A primeira boa notícia deste texto é que Deus nunca mudou, e jamais mudará de idéia: Ele continua desejando que o Paraíso que Ele criou seja uma realidade para o homem e para a mulher, mesmo a despeito de seus passos errados, que estragou tudo o que era bom.

Somos mais que descendentes de Adão. Nós somos “Adão e Eva” e também “estamos” expulsos do Éden. Esse jardim era constituído por rios, animais, plantas, amizade com Deus, paz, harmonia, vitória do bem, respeito, sentido nas coisas que se faz... Todos símbolos que evocam imagens de coisas indizíveis. Esta é a resposta do mal estar geral: há em nós uma nostalgia, uma busca de alguma coisa que se perdeu em algum momento.

A pregação do Evangelho é um convite a todo ser para iniciar um caminho de volta. Aquele jardim nunca foi destruído por Deus – embora nenhuma expedição geográfica possa encontrá-lo. Houve uma quebra de relacionamento com o Criador, e não há volta sem que haja reconciliação. É por isso que o Gênesis diz que foram colocados “querubins de guarda”, impedindo uma volta nossa, sem que a condição de ruptura com Deus não seja restaurada.

Cristo é aquele que veio propor a re-conciliação entre o homem e Deus, e re-ligar o que está partido. Nenhuma religião possui o poder de nos “ligar” com Deus, pois esta prerrogativa foi dada ao seu próprio Filho.

Só há um meio de retornar ao paraíso perdido: executando os passos da “dança errática de Adão”, mas ao contrário, e iniciando um longo caminho de volta. Se a queda foi um ato de rebeldia para com o Criador, a restauração vem pela obediência, que é o gesto deliberado da criatura de submissão ao Criador.

Voltar ao Paraíso é reencontrar a sua alma perdida, submetendo-se ao Eterno. É verdade que a plenitude daquilo que Deus sonhou para nós nunca poderá ser alcançada em toda sua largueza enquanto estivermos limitados pelo pecado, mas sem dúvida podemos chegar perto, se estivermos indo na direção correta. Desejo que você esteja.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

ARRUMA AS TUAS COISAS

“Assim diz o Senhor: põe em ordem a tua casa, porque morrerás e não viverás” (Is 38.1b)

Aos nossos olhos a vida nem sempre é como “deveria”. Há sempre algo que se interpõe, que interrompe, que nos desvia dos planos traçados. O adoecimento repentino, um aneurisma, um nódulo no seio, os resultados do exame, o acidente na estrada, o esfacelamento do casamento.... Na vida não há caminho “seguro” – ao menos não da forma que gostaríamos.
Trata-se de um assunto difícil de tocar, pois preferimos imaginar que não somos frágeis, nem mortais. É uma autoilusão que pretende esconder nossa real condição de fragilidade. De onde vem essa distorção? Creio que falta-nos aquele contato com certas realidades “desagradáveis” da vida que nos ensinariam muito sobre nossa finitude, a dor, a morte.... Desde pequenos somos “poupados”: não precisamos mais caçar os animais para nossa sobrevivência, nem ouvir o grunhido aterrador do porco, ou destroncar o pescoço da galinha como nossos avós faziam – o frango e o leitão já aparecem limpos em nossa mesa. Também somos poupados da “desagradável” presença de doentes na casa, e raramente um enfermo termina os seus dias em seu quarto junto aos familiares. Sim, somos poupados dessas “mazelas”, e fica no lugar um buraco na alma e uma visão parcial da vida.

De igual modo preferimos fechar os olhos para o fato de que a morte não vem buscar seus escolhidos por ordem cronológica, principiando pelos velhos e doentes. Lembro-me que, ainda seminarista, fui levado por um irmão forte e saudável numa visita a um moribundo em seu leito que, segundo ele, estava “nas últimas”. Levei a ceia, orei e me despedi daquele ancião. Alguns dias depois recebi um telefonema, que o “irmão forte” que fora comigo teve um infarto fulminante (apenas para constar: o velho doente ainda viveu por mais dois anos).

Planos. Quais são seus planos? O rei Ezequias certamente tinha os seus, afinal era um rei gozando a vida no palácio, com servos prontos a obedecer suas ordens, mas de repente, uma indisposição começa a deixá-lo preocupado, e em alguns meses evolui para uma dor lancinante. Já não come, já não dorme, começa a definhar....

Geralmente as doenças se iniciam com um mal estar, e o corpo começa a enviar sinais de que alguma coisa não está bem. Creio que o Espírito Santo também nos aponta para o que não está bem em nossa vida: os relacionamentos se tornam doentios, a neurose se instala, o vazio, a apatia. Nessa fase são poucos que vão procurar ajuda, pois se tenta passar a idéia para o mundo – e para si mesmo – de que tudo continua bem.

De surpresa chega o profeta Isaías para visitar o rei. Quem sabe ele não teria uma “oração forte” ou uma palavra de ânimo? Afinal, é para isso que serve os enviados de Deus. Na verdade este é outro engano muito comum no círculo da fé – que Deus sempre tem coisas agradáveis a nos dizer. Fieis vão ao templo desejosos de ouvir palavras suaves e adoçadas com mel.... Mas às vezes Deus espera que saiamos “mal” da igreja. João Batista não usou de meias palavras ao chamar o povo de “raça de víboras”, e Jesus não se importou da multidão debandar por causa de seu duro discurso. Hoje, ao contrário, sempre se tem uma palavra de “cura e prosperidade” para todos, não importa o quão mal e distante de Deus estejam vivendo.

Diante de verdadeiros profetas enviados de Deus somos exortados, disciplinados, confrontados..... A Palavra conforta, mas também confronta. Talvez seja por isso que muitos não queiram mais freqüentar uma igreja e ser confrontados.

Para Ezequias, as notícias não são boas e também não tem oração para ele: “Ezequias, assim diz o Senhor: põe em ordem a tua casa, porque morrerás, e não viverás” (Is 38.1)

“Arruma as tuas coisas” porque há urgência. “Arruma as tuas coisas”, porque somos seres disfuncionais que precisam constantemente de ajustes.

Não temos facilidade de colocar em ordem o que não está bem em nós. Preferimos deixar as coisas como estão porque imaginamos que temos todo o tempo do mundo. Se Deus deixar por nossa conta, jamais veremos premência em pedir perdão a quem ofendemos, não vemos urgência em acertar relacionamentos destruídos, não sentimos a necessidade de dizer o quanto aquela pessoa é importante para nós... Pensamos: “tem tempo pra isso, tem tempo”.

Chocado com a notícia, Ezequias entra nos seus aposentos, se vira para a parede, clama a Deus e chora muitíssimo. Deus chama novamente o profeta, mas agora para dizer que ouvira a oração do rei e vira as suas lágrimas e estava acrescentando “aos seus dias quinze anos” (Is 38.5).

Talvez num passado distante ou recente havia sobre você uma “enfermidade que era para a morte”, mas o Deus misericordioso viu suas lágrimas e ouviu sua oração. Quem sabe você não esteja justamente vivendo esse período de “quinze anos” sobre a Terra. A pergunta é: para que Deus fez isso?

No futebol há jogos que terminam no tempo regulamentar em 0 X 0. Às vezes nesse período de jogo não houve graça, alegria nem comemoração. Mas o árbitro pode dar uma prorrogação, e naqueles minutos a mais muitas coisas podem acontecer que valeu a pena ter estado ali.
Não sei meu irmão se você está na “prorrogação” que Deus lhe deu pra ver se acontece “alguma coisa”. Muita coisa pode ser realizada, revista, alterada.... afinal, passar pela vida sem paixão, acordar a cada dia indiferente a tudo, é desperdiçar a vida e a graça divina.

O que fazer com o tempo que nos resta? A poetisa Cora Coralina, que publicou seu primeiro livro na “prorrogação” aos 76 anos, em sua simplicidade e sabedoria, nos ensina....

Não sei se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura… Enquanto durar

Realmente, este é o espírito do Evangelho: o que conta não é a quantidade de anos que se vive, se é muito ou pouco, desde que a sua vida seja intensa, pura e verdadeira. Então, arruma as tuas coisas.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

OS ANÔNIMOS

“Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome” (Hb 6.10)

O Reino de Deus é constituído em grande parte de anônimos que nunca iremos saber os seus nomes, que nunca irão aparecer na TV, nem receberão medalhas por seus feitos, e provavelmente não será reconhecido em sua própria época o valor de seus gestos e palavras.

Num mundo midiático onde todos querem ter seus “quinze minutos de fama”, é quase um despropósito ser um desconhecido. Por conta disso, muitos não querem apenas alcançar o panteão da fama, mas desejam também passar o seu modo de vida a um cortejo de “seguidores”: Ivete Sangalo comemorou a poucos dias 1 milhão deles. Agora foi a vez de Luciano Huck superar a barreira de 2 milhões. No mundo, a campeã de “seguidores” chama-se Britney Spears – uma pessoa cuja trajetória de vida nada tem a oferecer de virtude ou a ser imitado, mas 5 milhões de pessoas acham que tem.

No meio evangélico também é assim. Certa “cantorinha” gospel, uma das campeãs de popularidade, usa esse instrumento para enviar pérolas de futilidade para o deleite de seus fãs. Seu espírito adolescente encontra eco no infantilismo da fé de seus seguidores. Não pude deixar de pensar que tudo isso é como um grande “Big Brother” gospel: de um lado os voyeurs querendo saber da vida alheia, e de outro quem se julga especial para dizer as coisas mais irrelevantes possíveis, como: “indo dormir....” ou “trocando fraldas do bebê...”. Os que estão do lado de cá provavelmente querem se ver realizados projetando suas vidas sobre o seu objeto de veneração. Sinceramente, eu não sei onde isso vai parar.

Talvez tudo isso ocorra porque, assim como ocorre no mundo secular, crente também não gosta de caminhar ao lado de gente obscura – prefere os que carregam a aura da fama.

Porém, indo na contramão desses valores que se instalaram na alma de muita gente, o Evangelho – aquele verdadeiro – nos remete a uma forma diferente de vida. Nele, seus fiéis serão reconhecidos por Jesus justamente porque são anônimos.

É verdade que na bíblia encontramos alguns homens e mulheres que se destacaram. Mas, diga-se de passagem, que foi pela fé e amor que tiveram, e não pela capacidade de aglutinar fãs. Mas são a exceção, não a regra.

Sim, o Reino de Deus é assim: constituído por anônimos como a semente que cresce invisível e silenciosamente durante a noite. Mesmo quando se destacam fazendo boas obras devem ser transparentes e “invisíveis” o suficiente para que o Pai que está nos céus seja glorificado (Mt 5.16), jamais eles próprios.

Louvo a Deus pelos simples da bíblia ao qual nunca saberemos seus nomes, mas que deixaram a sua marca e fizeram a diferença por onde passaram.

Todos se lembram de Eliseu, mas qual o nome daquela menina judia, serva da mulher de Naamã, que disse a ela que em sua terra havia um profeta que poderia ajudar o seu amo? Se aquela adolescente tivesse calado não haveria a cura e a conversão daquele general ao Senhor.

Qual o nome daquele garoto que se apresentou generosamente aos discípulos oferecendo tudo o que tinha – cinco pães e dois peixinhos – para alimentar uma multidão de famintos, possibilitando a Jesus fazer a multiplicação?

Qual o nome daquela mulher samaritana que entabulou conversa com Jesus, se converteu e em poucas horas tornou-se uma missionária chamando toda uma cidade para segui-la e ver a Cristo?

Quem era aquela mulher siro-fenícia que confrontou a Jesus, dizendo que até os cachorrinhos comem do que cai da mesa?

Que fim teve aquele oficial romano que disse a Jesus para “mandar uma palavra” e o seu servo seria imediatamente curado?

São todos eles gente “sem nome”, que escreveram com suas vidas o Evangelho. Sabemos os nomes dos líderes e dos pastores, mas a uma igreja só é possível subsistir se ela tiver inúmeros anônimos que fazem os arranjos de flores para a beleza do altar, consertam as goteiras no telhado, cantam no coral (se solassem não seriam anônimos), se organizam para os mutirões, mas não recebem salários, nem têm seus nomes colocados em placas. Ao entrarem em seus quartos para orar, abrem as portas das prisões e sustentam a vida de milhares de cristãos pelo mundo afora.

O verdadeiro povo de Deus não é do barulho, das marchas, das gritarias nas rádios, da verborragia no ar, do “essa cidade vai ser abalada”... O povo de Deus tem uma presença santa e silenciosa. No século III Cipriano, viveu uma juventude dissipada e pagã converteu-se aos 35 anos para Cristo, ao conhecer os primeiros cristãos. Escrevendo ao seu amigo Donato, contou:

“Vejo neste mundo bandidos nas estradas, piratas no mar, homens assassinados para agradar as multidões nos anfiteatros, e sob todos os tetos miséria e egoísmo. É realmente um mundo mau, Donato, um mundo incrivelmente mau. No entanto, no meio dele, encontrei um povo quieto e santo. Eles descobriram uma alegria que é mil vezes melhor do que qualquer prazer desta vida de pecados. Eles são desprezados e perseguidos, mas não se importam. Eles venceram o mundo. Este povo, Donato, são os cristãos... e agora eu sou um deles”. (Forging a Realworld Faith, Gordon MacDonald - Comentario na Bíblia Devocional Max Lucado).

Povo silencioso, santo, pacífico, cordato, diferente e anônimo. Fazem suas orações, cantam seus hinos, abençoam as pessoas, perdoam quem os ofende, temperantes, respeitáveis, sensatos (Tt 2.2), se contenta com as coisas que tem (1Tm 6.8), fala com mansidão aos que se opõem (2Tm 2.25), um povo que ora em favor de todos os homens e dos que se acham investidos de autoridade, para que possam viver “vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito” (1Tm 2.1-2).

Não se espante se na descrição acima você não viu o povo que você conhece como cristão. De fato, o que existe aí foi seduzido por “outro” evangelho que abandonou há muito esses valores. Mas você, não. Deus o chama para se juntar àqueles poucos que são fiéis e que provavelmente não serão conhecidos por mais que uma centena de pessoas por toda a existência. Não se preocupe, porque Deus o conhece e escreverá o seu nome no Livro da Vida. Isso é o que realmente conta.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br