domingo, 20 de março de 2011

OS ANÔNIMOS

“Deus não é injusto para ficar esquecido do vosso trabalho e do amor que evidenciastes para com o seu nome” (Hb 6.10)

O Reino de Deus é constituído em grande parte de anônimos que nunca iremos saber os seus nomes, que nunca irão aparecer na TV, nem receberão medalhas por seus feitos, e provavelmente não será reconhecido em sua própria época o valor de seus gestos e palavras.

Num mundo midiático onde todos querem ter seus “quinze minutos de fama”, é quase um despropósito ser um desconhecido. Por conta disso, muitos não querem apenas alcançar o panteão da fama, mas desejam também passar o seu modo de vida a um cortejo de “seguidores”: Ivete Sangalo comemorou a poucos dias 1 milhão deles. Agora foi a vez de Luciano Huck superar a barreira de 2 milhões. No mundo, a campeã de “seguidores” chama-se Britney Spears – uma pessoa cuja trajetória de vida nada tem a oferecer de virtude ou a ser imitado, mas 5 milhões de pessoas acham que tem.

No meio evangélico também é assim. Certa “cantorinha” gospel, uma das campeãs de popularidade, usa esse instrumento para enviar pérolas de futilidade para o deleite de seus fãs. Seu espírito adolescente encontra eco no infantilismo da fé de seus seguidores. Não pude deixar de pensar que tudo isso é como um grande “Big Brother” gospel: de um lado os voyeurs querendo saber da vida alheia, e de outro quem se julga especial para dizer as coisas mais irrelevantes possíveis, como: “indo dormir....” ou “trocando fraldas do bebê...”. Os que estão do lado de cá provavelmente querem se ver realizados projetando suas vidas sobre o seu objeto de veneração. Sinceramente, eu não sei onde isso vai parar.

Talvez tudo isso ocorra porque, assim como ocorre no mundo secular, crente também não gosta de caminhar ao lado de gente obscura – prefere os que carregam a aura da fama.

Porém, indo na contramão desses valores que se instalaram na alma de muita gente, o Evangelho – aquele verdadeiro – nos remete a uma forma diferente de vida. Nele, seus fiéis serão reconhecidos por Jesus justamente porque são anônimos.

É verdade que na bíblia encontramos alguns homens e mulheres que se destacaram. Mas, diga-se de passagem, que foi pela fé e amor que tiveram, e não pela capacidade de aglutinar fãs. Mas são a exceção, não a regra.

Sim, o Reino de Deus é assim: constituído por anônimos como a semente que cresce invisível e silenciosamente durante a noite. Mesmo quando se destacam fazendo boas obras devem ser transparentes e “invisíveis” o suficiente para que o Pai que está nos céus seja glorificado (Mt 5.16), jamais eles próprios.

Louvo a Deus pelos simples da bíblia ao qual nunca saberemos seus nomes, mas que deixaram a sua marca e fizeram a diferença por onde passaram.

Todos se lembram de Eliseu, mas qual o nome daquela menina judia, serva da mulher de Naamã, que disse a ela que em sua terra havia um profeta que poderia ajudar o seu amo? Se aquela adolescente tivesse calado não haveria a cura e a conversão daquele general ao Senhor.

Qual o nome daquele garoto que se apresentou generosamente aos discípulos oferecendo tudo o que tinha – cinco pães e dois peixinhos – para alimentar uma multidão de famintos, possibilitando a Jesus fazer a multiplicação?

Qual o nome daquela mulher samaritana que entabulou conversa com Jesus, se converteu e em poucas horas tornou-se uma missionária chamando toda uma cidade para segui-la e ver a Cristo?

Quem era aquela mulher siro-fenícia que confrontou a Jesus, dizendo que até os cachorrinhos comem do que cai da mesa?

Que fim teve aquele oficial romano que disse a Jesus para “mandar uma palavra” e o seu servo seria imediatamente curado?

São todos eles gente “sem nome”, que escreveram com suas vidas o Evangelho. Sabemos os nomes dos líderes e dos pastores, mas a uma igreja só é possível subsistir se ela tiver inúmeros anônimos que fazem os arranjos de flores para a beleza do altar, consertam as goteiras no telhado, cantam no coral (se solassem não seriam anônimos), se organizam para os mutirões, mas não recebem salários, nem têm seus nomes colocados em placas. Ao entrarem em seus quartos para orar, abrem as portas das prisões e sustentam a vida de milhares de cristãos pelo mundo afora.

O verdadeiro povo de Deus não é do barulho, das marchas, das gritarias nas rádios, da verborragia no ar, do “essa cidade vai ser abalada”... O povo de Deus tem uma presença santa e silenciosa. No século III Cipriano, viveu uma juventude dissipada e pagã converteu-se aos 35 anos para Cristo, ao conhecer os primeiros cristãos. Escrevendo ao seu amigo Donato, contou:

“Vejo neste mundo bandidos nas estradas, piratas no mar, homens assassinados para agradar as multidões nos anfiteatros, e sob todos os tetos miséria e egoísmo. É realmente um mundo mau, Donato, um mundo incrivelmente mau. No entanto, no meio dele, encontrei um povo quieto e santo. Eles descobriram uma alegria que é mil vezes melhor do que qualquer prazer desta vida de pecados. Eles são desprezados e perseguidos, mas não se importam. Eles venceram o mundo. Este povo, Donato, são os cristãos... e agora eu sou um deles”. (Forging a Realworld Faith, Gordon MacDonald - Comentario na Bíblia Devocional Max Lucado).

Povo silencioso, santo, pacífico, cordato, diferente e anônimo. Fazem suas orações, cantam seus hinos, abençoam as pessoas, perdoam quem os ofende, temperantes, respeitáveis, sensatos (Tt 2.2), se contenta com as coisas que tem (1Tm 6.8), fala com mansidão aos que se opõem (2Tm 2.25), um povo que ora em favor de todos os homens e dos que se acham investidos de autoridade, para que possam viver “vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito” (1Tm 2.1-2).

Não se espante se na descrição acima você não viu o povo que você conhece como cristão. De fato, o que existe aí foi seduzido por “outro” evangelho que abandonou há muito esses valores. Mas você, não. Deus o chama para se juntar àqueles poucos que são fiéis e que provavelmente não serão conhecidos por mais que uma centena de pessoas por toda a existência. Não se preocupe, porque Deus o conhece e escreverá o seu nome no Livro da Vida. Isso é o que realmente conta.

Pr. Daniel Rocha
dadaro@uol.com.br

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